Estado enfraquece o mercado de capitais no Brasil | Saul Sabba

Edição 64

O esvaziamento atual do mercado de capitais no Brasil deu-se de uma forma progressiva e com a contribuição do Estado. Com sua ação, ele atraiu a poupança privada para os títulos federais, pagando altas taxas de juros. E, com uma cascata de impostos – como: IOF, CPMF e IR – restringiu a emissão de debêntures para investidores estrangeiros. Uma série de regulamentações discriminatórias foi criada contra o chamado capital especulativo. Além disso, o mercado acionário foi bastante prejudicado com a nova lei das S.A. Na realidade, o mercado de capitais está, no momento, nos índices mais baixos de capitalização e fomento das empresas.
Quando o Estado quis viabilizar as privatizações para deixar de ser empresário e realizar a desmobilização dos seus patrimônios, criou a Lei Kandir, que pune o acionista minoritário e beneficia uma maioria de controladores. Os problemas se acumularam e chegamos à situação atual.
Se o Governo não tiver uma percepção bem clara da necessidade de uma mudança na Lei das S.A., o país ficará refém do empréstimo bancário como única fonte de recursos de capitalização. E trata-se de um dinheiro caro. Como a estrutura dos juros no Brasil é composta por uma cascata de impostos, as taxas podem cair na ponta do investidor, mas o captador sempre pagará muito caro pelo crescimento alavancado com empréstimo.
O que sobrou como mecanismo de mercado de capitais para fomentar o crescimento das empresas no país? A Bolsa continua com seus volumes minguando cada vez mais. No passado, ela contribuiu para capitalização de empresas de importantes setores, como petroquímico, siderúrgico e de telecomunicações. Atualmente, no entanto, a única forma de uma empresa se capitalizar – com exceção do empréstimo – é lançando ações nos mercados mais desenvolvidos, os ADRs, que para se concretizar levam de seis meses a um ano em média.
Será que a Europa e os Estados Unidos estão errados em ter um mercado de capitais pujante e ativo, onde pessoas físicas concentram até 50% da sua poupança pessoal? A falência do mercado de capitais no Brasil será inevitável se nada for feito. É inaceitável que um país de nossa grandeza tenha um mercado tão medíocre, a ponto de seis ou sete bancos dominarem o câmbio e a dívida pública. Há pouco tempo, alguns investidores e bancos criaram condições de levar o câmbio a R$ 2,20 para auferir lucro em cima do mercado futuro. Logo depois, o vencimento despencou. Na dívida pública, é questão de tempo para que aconteça o mesmo, já que ela está concentrada nas mãos de poucos bancos.
Percebendo o perigo, o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, já começou a romper algumas amarras do mercado com recentes medidas, que no entanto ainda são insuficientes. Fraga, porém, sabe da necessidade de se ter um mercado de capitais mais forte.
No meu entender, o cerne da questão está na mudança da Lei das S.A.
Deve-se voltar a valorizar o ativo ação. Em vez de a Receita Federal dedicar-se a tributar os investimentos de risco, deveria olhar para as operações fiscais que os novos controladores das empresas recém privatizadas estão realizando. Nas incorporações, eles estão repassando o ágio da compra para o benefício fiscal, deixando assim de pagar uma série de impostos e prejudicando também o acionista minoritário.
O mercado nos Estados Unidos e na Europa é hoje, basicamente, impulsionado pelas fusões e aquisições. Lá, quando há um take over, os acionistas na maioria são beneficiados, pela extensão das ofertas a eles.
Os preços das ações sobem, enquanto aqui, quando ocorre a venda do controle – como nas privatizações – as ações despencam. Foi o que aconteceu recentemente com CESP e COMGÁS. Hoje, as ações valem em torno de 20% do preço pago pelo controle. A Lei Kandir criou uma distorção, pois, ao retirar a extensão de oferta pública e o direito de recesso nas cisões, simplesmente castrou os direitos dos minoritários para beneficiar o estado nas vendas de suas empresas.
Outro ponto fraco da nossa legislação é o da oferta pública por parte do controlador. A CVM, no entanto, está se esforçando para atenuar o problema. O Governo sabe que a legislação atual é ruim, tanto que criou salvaguardas para os minoritários das empresas de telecomunicações.
Diante desse quadro, qual é então a saída para a revitalização do nosso mercado de capitais? Acredito que um passo importante seria os investidores se unirem em torno de um objetivo comum, como criar uma associação de classe para atuar junto à CVM e ao Congresso. A apresentação de um projeto para modificar a Lei das S.A. seria uma outra iniciativa necessária, assim como a conscientização dos empresários de que a mudança será benéfica para toda a sociedade.
Ainda é tempo de salvarmos parte do nosso mercado – porque um pedaço já migrou para a Bolsa de Nova York. Estamos apenas no início de um processo de reestruturação do nosso parque industrial. Temos ainda que nos preparar para garantir dinheiro às pequenas e médias empresas através do mercado de capitais. Se trabalharmos bem, no prazo de um ano conseguiremos mudar alguns pontos da Lei das S.A. e recomeçar um novo tempo para os mercados se consolidarem como uma alavanca para o desenvolvimento.

Saul Sabba é sócio-diretor do Banco Stock Máxima