Os efeitos negativos da CPMF sobre a economia | Gustavo Loyola

Edição 63

Quando presidi o Banco Central pela primeira vez, entre novembro de 1992 e março de 1993, participei das discussões que levaram à instituição do Imposto Transitório sobre Movimentação Financeira – IPMF, que deveria vigorar apenas durante dois anos. Naquela época, já se vislumbrava os efeitos negativos que um tributo dessa natureza poderia ter sobre a economia do País e, em especial, sobre a atividade de intermediação financeira. Sabia-se de antemão que a taxação das transações financeiras provocaria uma série de distorções, aumentando o custo para as empresas e reduzindo a competitividade do País. No entanto, apesar da oposição do Banco Central, acabou prevalecendo a idéia da instituição deste novo tributo, que teria natureza emergencial e transitória, até que a revisão constitucional programada para 1993 pudesse trazer em seu bojo as tão sonhadas reformas estruturais que equilibrariam as contas públicas.
Apesar de sua alardeada transitoriedade, seis anos após ainda encontra- se em plena vigência aquele tributo, agora transformado em Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF. Nesses últimos seis anos, o Brasil pôde experimentar na pele, com muitos agravantes, todas as consequências perversas que haviam sido inicialmente previstas. Em 1993, o País ainda sofria dum processo inflacionário crônico que mitigava os impactos desse tributo sobre a intermediação financeira e sobre o mercado de capitais. Ademais, naquela época, estava-se apenas iniciando a abertura comercial e financeira da economia brasileira e eram menos evidentes os prejuízos que o tributo traria sobre o mercado de capitais.
Hoje, com a inflação baixa e com maior liberdade de movimento de capitais, os efeitos de um tributo sobre movimentação financeira são muito mais contundentes.
A CPMF reduz a competitividade das empresas brasileiras, porque não há como desonerar as exportações dos ônus desse tributo. Com isso, torna- se mais difícil para o País obter as divisas necessárias para o pagamento das importações e de outras despesas no exterior. Num contexto de abertura comercial, a ausência de competitividade implica diretamente menor capacidade de crescimento econômico.
Mas é sobre o mercado financeiro e de capitais que as consequências da CPMF são mais devastadoras. Um atributo fundamental para o eficiente funcionamento desses mercados é a liquidez. Ou seja, a faculdade dos investidores mudarem a composição de sua carteira de investimentos, com baixos custos. É justamente a existência de mercados secundários fortes que impulsiona os mercados primários. Dessa maneira, o acesso das empresas ao mercado de capitais depende diretamente da existência de centros de liquidez, as bolsas de valores, nas quais as transações com ações são realizadas de modo transparente e com custos relativamente baixos. A CPMF incide diretamente sobre a intermediação financeira, tornando-a cara e ineficiente. Num mercado financeiramente globalizado, a existência deste tributo leva à transferência das operações para o exterior. É o que está acontecendo com os negócios no mercado de ações, crescentemente transferidos para Nova York.
Há uma absoluta contradição entre a trajetória de abertura financeira que o Brasil vem percorrendo nos últimos anos e a cobrança deste imposto.
Até bem pouco tempo, a preocupação era que os bancos e corretoras estrangeiros pudessem invadir o mercado financeiro doméstico, tomando o espaço das instituições nacionais. Porém, com a abertura financeira, a questão relevante passou a ser a manutenção do mercado aqui no Brasil, já que ativos de emissão de empresas brasileiras podem ser livremente transacionados no exterior e, ao mesmo tempo, é permitido a residentes manterem recursos fora do País. Neste contexto, a CPMF gera um brutal incentivo para a “exportação” do mercado, com evidentes prejuízos para o País.
O primeiro segmento a sofrer com isso é o mercado de ações, já que no bojo da liberalização o governo brasileiro permitiu a criação de mecanismos que facilitam a negociação de ações em bolsas estrangeiras (ADRs). Nesse mercado, onde a liquidez é fundamental e os spreads de intermediação são muito baixos, a incidência da CPMF representa um diferencial de custos incontornável para o investidor, que acaba migrando para mercados onde a tributação tem alguma racionalidade. Os números estão aí para comprovar o estrago que este tributo está acarretando. Hoje, para os principais papéis brasileiros, o mercado nova-iorquino já detém a maior parte das operações, sendo seus preços formados basicamente na bolsa de Nova York.
O esvaziamento do nosso mercado de capitais prejudica principalmente as empresas emergentes, que não têm condições de acessar mercados estrangeiros. Umas poucas empresas podem se dar ao luxo de ter ADRs negociados em Nova York, mas são justamente os papéis dessas empresas que dão consistência e liquidez às bolsas de valores, possibilitando a criação de uma cultura de mercado acionário e abrindo espaço para emissões de papéis de segunda linha.
Por outro lado, a migração da liquidez das principais ações de nossas empresas para o Hemisfério Norte causa prejuízos para os investidores institucionais brasileiros que, por Lei, são obrigados a transacionar apenas nos mercados domésticos. Esses investidores terão que se contentar em operar no segmento menos líquido do mercado, com evidente elevação dos seus custos de transação, sem contar a possibilidade de diminuição da transparência no processo de formação de preços.
Por tudo isso é que deve ser fortemente repelida a idéia de perpetuar a CPMF, seja na forma atual, seja travestida de um outro nome e com a possibilidade de compensação com o IR. Neste sentido, o recém divulgado relatório do deputado Mussa Demes, relator da reforma tributária na Câmara dos Deputados, é alvissareiro. Esperamos que, ao longo das discussões, seja mantida esta disposição e que, principalmente, o governo não se deixe dominar por considerações míopes de curto prazo e volte a insistir na manutenção deste monstrengo tributário que é a CPMF.

Gustavo Loyola é ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendência Consultoria Integrada