A queda da taxa de juros e a meta atuarial das fundações | Ana Cr...

Edição 205

Pela primeira vez em décadas os juros nominais estão abaixo de dois dígitos. A queda da Selic foi rápida e induzida por circunstâncias que em grande parte estão relacionadas com acontecimentos externos, criando incongruências. O perfil das carteiras dos poupadores refletia uma realidade diferente, ditada pelos requisitos do processo de estabilização.
Tendo que se impor ao ajuste lento dos desequilíbrios das contas públicas, a ancoragem dos preços pressupôs a atuação incisiva da política monetária, motivo pelo qual o país sempre figurou nas primeiras posições do ranking de juros. Não é por acaso que o brasileiro tem a maior parte de seus recursos em títulos públicos. Nas fundações de seguridade, 72% das carteiras estão alocadas na chamada renda fixa, o que era compatível com a meta atuarial da maioria. O problema é que em 2009 os juros reais tomando por base o IPCA devem ser da ordem de 4,5% ao ano. Em 2010, o quadro não será muito diferente. O que fazer? Recomendamos cautela. Tanto ao adotar mudanças abruptas nas metas atuariais, quanto no que se refere ao perfil das carteiras. O Brasil absorveu os impactos negativos da crise sem que os indicadores de solvência externa se deteriorassem, o que coloca o país em posição de ser percebido como um risco melhor. Assim, há que se considerar a hipótese dos juros (reais) de equilíbrio terem se reduzido. Trata-se, no entanto, de uma queda marginal. O processo de estabilização avançou lentamente nestes últimos anos e o bom desempenho no teste imposto pela crise é apenas mais um capítulo de uma história que está distante do seu epílogo. Os desafios a ser enfrentados determinarão uma convergência lenta aos padrões dos que já realizaram a lição de casa. O patamar de juros que estará em vigor neste e no próximo ano será exceção imposta pela fase do ciclo, que será longo e desembocará em um cenário diferente daquele dos anos 2002 a 2007.

2009 e 2010 – A desaceleração mundial afetou o ritmo da economia brasileira. Três são os canais de transmissão: a retração do crédito privado, o enfraquecimento do comércio mundial e a piora na confiança.
Houve um significativo ajuste de estoques com consequente elevação da ociosidade. O fechamento do hiato do produto foi responsável por trazer a inflação de volta à meta. Mesmo diante dos sinais de que a atividade esboça reação, e provavelmente voltará a crescer, será um longo caminho até que voltemos ao potencial. Sendo assim, é provável que a Selic chegue a 8,5% a.a, permanecendo em tal patamar por um período que pode se estender até o fim do terceiro trimestre no próximo ano. O cenário externo conspirará para que a retomada aqui seja tímida e nos brindará com uma pressão deflacionária decisiva para que o viés expansionista da política monetária seja mantido por um período longo.
Nos países avançados, a monetização se mostra aquém da redução do multiplicador bancário, principalmente na Zona do Euro e no Japão, onde os bancos centrais foram mais tímidos do que o FED, e onde a dependência das empresas ao financiamento bancário é maior do que a norte-americana. Os esforços empreendidos pelas autoridades conseguiram evitar o colapso, mas a normalização da operação bancária não se vislumbrará em um horizonte de pelo menos um ano. O crédito seguirá se contraindo.
Em âmbito doméstico, são poucos e limitados os fatores capazes de fazer a economia engatar uma marcha mais forte. Em que pese a queda dos juros, o crédito concedido pelo setor privado tende a registrar expansão tímida, encilhado pela liquidez internacional mais seletiva e pela alta da inadimplência. A indústria, carente da demanda pelas exportações, terá que ajustar sua folha, sob pena de vir a operar de forma perigosamente ineficiente. A ociosidade, seja em território nacional, seja a no mundo, restringirá o investimento. Os gastos do governo precisariam crescer algo como 15% (real) só para compensar a retração do dispêndio das empresas.
Portanto, o cenário é de juros baixos porque o crescimento será tímido.
Para os administradores de recursos sobram poucas alternativas: a renda fixa perde competitividade, mas a migração para os ativos de maior risco terá que ser feita com parcimônia. Sem crédito, fica limitado o espaço para a valorização dos ativos de risco. A opção pela renda variável terá que ser seletiva: a carteira terá que ser composta por papéis de empresas que tenham solidez financeira e sejam capazes de ganhar mercado. A seleção eficiente vale também para as carteiras de crédito. A recessão prolongada reduziu o tamanho do mercado de capitais e faz crescer o risco do tomador.
Para além de 2010, os juros praticados lá fora serão maiores. Além de ter que competir pelos recursos neste cenário, o Brasil enfrentará uma dinâmica doméstica de formação de preços menos benigna. A recuperação ocupará a ociosidade. O PIB potencial será menor, ressentido pela retração do investimento do biênio anterior. Preocupa a deterioração das contas públicas já contratada. Nesse cenário, os juros reais deverão subir para acima do patamar de equilíbrio.

Ana Cristina Gonçalves da Costa Boicenco é economista chefe da Bram