Edição 196
Os princípios da segurança e do equilíbrio são os que devem ser considerados pelas entidades fechadas de previdência complementar, enquanto administradoras de planos de benefícios. Mesmo os mais leigos no assunto sabem que em hipótese alguma pode faltar dinheiro para o pagamento dos benefícios previstos nos planos. E suspeitas de déficit, fraude ou má administração em fundos de previdência são motivo de alarde, visando restabelecer a ordem quando maus procedimentos colocam em risco a poupança alheia.
Mas, no caso da Previdência Complementar, a gestão fincada em regras de Governança Corporativa, análise financeira equilibrada e o maior preparo de seus técnicos, têm surtido o efeito inesperado do superávit. A dúvida é qual destino dar a esse dinheiro a mais no patrimônio acumulado nos planos de benefícios.
Considerando-se que a legislação vigente não determina claramente a definição de superávit aplicável ao sistema de previdência complementar, as entidades fechadas adotam a que está constando no Plano de Contas, ou seja, superávit é o excesso entre o patrimônio líquido e as reservas matemáticas.
Porém, os valores associados às reservas matemáticas dependem do método e das hipóteses atuariais adotados para custeio do plano. Dessa forma, o superávit determinado de acordo com o Plano de Contas depende de variáveis, que não podem ser ignoradas quando o analisamos. Importante ainda é que, ao determinar a apuração ou destinação do superávit, não há na legislação qualquer análise sobre a representatividade do superávit perante os compromissos (riscos cobertos ou não) dos planos de benefícios. Utiliza-se a mesma regra para qualquer tipo de plano, independente dos riscos envolvidos ou do grau de maturidade do resultado apurado.
Diante do exposto, a Mercer, que vem estudando o assunto nos últimos anos, propõe a criação de quatro níveis de superávit. Esses níveis se diferem na medida em que apresentam ou não superávit apurado, se são planos jovens ou maduros, se dependem ou não de contribuições futuras para constituir reserva segura para cobrir direitos adquiridos ou futuros.
É importante lembrar que o superávit deve ser apurado na data em que se avalia o compromisso do plano, ou seja, no encerramento do exercício, jamais entre duas avaliações atuariais. Outro ponto a destacar na apuração do superávit é a sua destinação para reserva de contingência, pois também as regras da destinação para reserva de contingência são arcaicas, cujo percentual de 25% perpetuado desde 1977, não atende mais ao perfil atual dos planos. Hoje, dependendo do tipo do plano, do seu nível de risco, do seu grau de capitalização, esse percentual é questionável. De fato, no limite, há planos do tipo contribuição definida em que nenhuma reserva de contingência deveria ser formada.
Nesse sentido, a Mercer entende não fazer sentido a definição de um nível isonômico de reserva de contingência. Entende que as situações para a formação de reserva de contingência devem ser analisadas individualmente e associadas ao risco de cada plano.
Diante do cenário de incertezas, o mercado utiliza o superávit, por exemplo, para pagar o impacto decorrente de alteração de hipóteses, principalmente tábuas de mortalidade e taxas de juros; reduzir contribuições normais ou extraordinárias e implementar melhorias nos planos já existentes, entre outros fins.
O tipo do plano, o seu nível de risco, o seu nível de superávit, se está aberto ou fechado, e muitos outros aspectos devem ser considerados quando se pensa em destinação de superávit ou nas prioridades para a sua utilização. No entanto, apesar de todos esses aspectos, não há como ser totalmente justo na destinação do superávit. Há sempre a possibilidade de o superávit ser formado por uma geração e ser utilizado por outra.
A matéria é muito ampla para ter uma regulamentação restrita. A melhor seria aquela que trouxesse flexibilidade, transparência, ou seja, liberdade de ação para o sistema baseado na Governança e no papel dos Conselhos, tratamento diferente para planos diferentes, riscos diferentes e níveis de superávit diferentes.
Sônia Alencar é consultora sênior da Mercer