“Unificação não faz sentido”

Edição 378

Paulo Roberto dos Santos Pinto, secretário de Regime Próprio e Complementar do Ministério da Previdência Social

O Ministério da Previdência Social nunca foi consultado sobre a possibilidade de uma unificação dos órgãos reguladores Previc, Susep e CVM, conta o secretário de Regime Próprio e Complementar do MPS, Paulo Roberto dos Santos Pinto. Segundo ele, que rechaça a proposta como inadequada, “nunca fomos chamados para participar de nenhuma reunião que tratasse desse assunto”. Em entrevista à Investidor Institucional, ele fala sobre o momento das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) e dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), ressaltando que embora haja convergência entre as diretrizes da política de investimentos desses dois segmentos, eles são diferentes e com diferentes públicos. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Investidor Institucional – O TCU tem sido muito ativo na fiscalização direta de EFPCs, inclusive em relação a temas de investimento. O que você pensa sobre isso?
Paulo Roberto dos Santos Pinto
– Não cabe a mim trazer um juízo de valor sobre a fiscalização direta das EFPCs pelo TCU. Porém, mesmo sabendo que são situações bem distintas, vale lembrar que os RPPS convivem em paralelo com a fiscalização exercida pela Secretaria de Regime Próprio e Complementar e o controle externo pelos Tribunais de Contas dos Estados e Municípios. E acredito que o processo de acomodação que vem ocorrendo ao longo do tempo entre essas duas instâncias de fiscalização dos RPPS, mesmo sabendo que estes atuam no setor público enquanto as EFPC estão no setor privado, também possa vir a ocorrer entre a Previc e o TCU, evitando sobreposições ou divergências.

Mas não é função específica da Previc exercer a fiscalização e a supervisão das EFPC?
Sim, a Previc é a autarquia criada por lei com esse propósito específico, e acredito que o modelo mais adequado seria a atuação do TCU no controle de segunda ordem, focada na governança institucional do segmento, conforme posição inclusive defendida por alguns ministros daquele Tribunal.

Previc tem colocado a questão do regime sancionador como uma das prioridades, avaliando que na falta desse dispositivo os dirigentes não tomarão risco nas suas aplicações. Isso pode ocorrer?
Temos um regime sancionador amparado em um decreto editado antes da criação da própria Previc e que nunca foi objeto de revisão, ou seja, várias das atribuições que a autarquia exerce estão previstas no decreto sancionador como sendo da antiga Secretaria de Previdência Complementar (SPC), algo que por si só já justificaria a relevância de sua atualização. Mas o foco da atualização do regime sancionador não é interferir nas decisões de aplicação dos recursos, e sim gerar maior segurança jurídica para o setor, com alinhamento às boas práticas dos normativos do Bacen/CVM/Susep, dosimetria das penas, definição clara dos sujeitos ativos conforme seu nível de responsabilidade, detalhamento das infrações, redução da possibilidade de interpretações subjetivas, criação de faixas de multas (inclusive ampliando bastante os valores das multas para as infrações graves) e consolidação normativa, entre outros aperfeiçoamentos.

A falta de revisão do regime sancionador cria um apagão de canetas, entendendo essa expressão como um medo do dirigente de tomar decisões mais arriscadas?
Particularmente, não me agrada a expressão “apagão de canetas”, pois passa uma imagem de que não temos dirigentes preparados nas EFPCs para tomar decisões, o que não é o caso. A concentração em títulos públicos decorre do cenário atual mais vantajoso para investimentos em títulos públicos, considerando que são, no momento, os ativos financeiros com menor risco, melhor rentabilidade e com liquidez imediata.

Não é perigoso para entidade de investimento de longo prazo ter essa concentração em títulos públicos, ao invés de usar parte das reservas para buscar uma rentabilidade maior em ativos reais?
A concentração em títulos públicos decorre do cenário econômico atual. Temos uma Selic de 15%, com a NTN-B superando a meta atuarial das EFPC, e não existe um leque extenso de oportunidades de investimentos que propiciem uma análise de risco x retorno com rentabilidade maior em ativos reais. Cabe a cada EFPC, respeitando sua política de investimento e seu ALM, buscar as alternativas que mais se adequem às suas necessidades a cada momento. O papel do governo foi ampliar o “cardápio” de investimentos possíveis com a edição da Resolução CMN 5.202, até porque, diante do histórico dos últimos dez anos, é possível que esse cenário se altere ciclicamente. Além disso, é preciso lembrar que temos entidades que possuem diferentes planos, em diferentes estágios de maturidade, de modo que cada um tem necessidades distintas de investimentos, seja na visão de liquidez, seja na visão atuarial.

A maior liberdade no uso dos recursos do PGA, definidos na Resolução 62, poderá abrir novos mercados às EFPC?
A Resolução CNPC 62 atendeu a uma demanda de muitos anos do segmento, no sentido de permitir que as entidades possam destinar uma parcela dos recursos do PGA para operações de fomento e inovação, que compreendem gastos com prospecção, desenvolvimento, tecnologia, implantação e ampliação dos planos de benefícios. Acredito que isso trará novas oportunidades para o segmento da previdência complementar fechada.

A última reunião do CNPC trouxe propostas de mudanças nas resoluções CNPC 40 e CNPC 50. Quais são essas mudanças?
A proposta de alteração da Resolução CNPC 40 tem por objetivo principal conferir maior previsibilidade e segurança jurídica na determinação dos critérios e índices utilizados para atualização dos benefícios. Já a proposta de alteração da Resolução CNPC 50 busca trazer aperfeiçoamentos aos institutos da portabilidade e do resgate, considerando inclusive a necessidade de adequação ao novo regramento da retirada de patrocínio, estabelecido pela Resolução CNPC 59.

Que outros normativos estão defasados e também precisam ser mudados?
Há alguns nessa situação. O primeiro, e mais avançado, é a proposta de alteração da Resolução CNPC 60, que trata da inscrição automática, para estendê-la à trabalhadores cujo vínculo com o patrocinador foi formado anteriormente (“estoque”) e para permitir sua utilização nos planos instituídos por instituidores. Essa proposta foi objeto de consulta pública e é possível que seja pautada para deliberação em breve. O segundo é a revisão da Resolução CNPC 30, que estabelece procedimentos e critérios para apuração de resultados, destinação e utilização de superávit e equacionamento de déficits. Existem experiências internacionais que podem ser adequadas à nossa realidade e melhorarem nossos processos.

Um diretor do BC cogitou recentemente da possibilidade de unificar Previc, Susep e CVM. O MPS foi consultado?
O Ministério da Previdência Social nunca foi consultado sobre essa possibilidade. Nunca fomos chamados para participar de nenhuma reunião que tratasse desse assunto. Tudo que sabemos é que, no governo passado, houve uma proposta de unificação entre a Previc e a Susep que, felizmente, acabou sendo abortada. Do mesmo jeito que a fiscalização do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) não é unificada com a fiscalização do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), não faz sentido a unificação de fiscalização da previdência complementar fechada com a previdência complementar aberta, pois estas têm características muito diferentes: uma não tem fins lucrativos, a outra tem; uma é formalizada por convênio de adesão, a outra por contrato; uma exige vínculo, a outra não; os produtos são muito diferentes, uma com propósito previdenciário e alta conversão em renda, a outra com propósito financeiro e pequena conversão em renda.

A recriação do MPS, em 2023, foi importante para o segmento da previdência complementar fechada?
Todos os avanços conquistados nos últimos dois anos e meio pela previdência complementar fechada demonstram que sim. Entre outros normativos importantes desse período podemos destacar os que alteraram a retirada de patrocínio, a inscrição automática, a regra de contabilização dos títulos públicos federais e as regras do PGA. Também podemos lembrar da lei que adiou a escolha do regime tributário para o momento do benefício da aposentadoria, da não tributação das EFPC com os impostos IBS e CBS na Reforma Tributária e dos aperfeiçoamentos trazidos pela Resolução CMN 5.202, entre eles a retirada da exigência de venda de imóveis até 2030.

A legislação de investimento das EFPCs e dos RPPS parecem convergir, caminhando numa direção única. Elas podem ser unificadas em algum momento?
Embora haja de fato um processo de convergência entre as diretrizes da política de investimentos das EFPC e dos RPPS, não há o propósito de uma unificação total das regras. São segmentos diferentes, contam com diferentes públicos, estão inseridos em contextos organizacionais e políticos distintos, estão sujeitos a diferentes órgãos de supervisão e fiscalização e contam com níveis de maturidade na evolução de sua governança que não são idênticos.

Alguns EFPCs estão em situação de déficit, mas no caso dos RPPS podemos dizer que são quase todos. Como equilibrar as contas dos RPPS?
O déficit atuarial dos RPPS tem origens históricas, que remontam pelo menos à década de 1990. Podemos citar como principais problemas a efetivação de servidores a partir da adoção do regime jurídico único estatutário; a ausência de estudos prévios no processo de criação dos RPPS; a ausência de uma lei estabelecendo as normas gerais de organização e funcionamento (até o final de 1998); a ausência de um órgão responsável pela fiscalização e supervisão. A partir da Lei nº 9.717, de 1998, que estabelece regras gerais para a organização e funcionamento dos RPPS, e das Emendas Constitucionais nº 20 e nº 41, de 1998 e de 2003, deu-se início a um processo gradual voltado a viabilizar a sustentabilidade de longo prazo dos RPPS. Mas não há solução única, rápida ou simples. O déficit atuarial dos RPPS precisará ser administrado ao longo das próximas décadas.

Mas tem havido uma evolução nesse processo?
Acho que sim, temos que destacar os enormes avanços alcançados pelos RPPS nos últimos anos, com o aperfeiçoamento da normatização, a profissionalização da gestão e a melhoria da governança em geral. O Pró-Gestão, programa instituído pelo MPS a partir de proposta formulada pelo segmento, já conta com adesão de 650 RPPS, dos quais 270 já receberam certificação reconhecendo a qualidade de sua gestão. O Pró-Gestão é uma forma de segmentar os RPPS pela transparência e governança, diferentemente do que ocorre nas EFPCs, em que a Previc segmenta apenas por porte e complexidade. O objetivo do Pró-Gestão é justamente promover a eficiência e a eficácia na administração dos recursos públicos, garantindo que as políticas e programas sejam implementados de forma transparente e responsável.

Como a votação da PEC 66 pelo Senado, permitindo aos entes renegociar suas dívidas previdenciárias, afetará os RPPS?
Acho que a PEC 66/2023, que trata do Programa de Regularidade Previdenciária, entre outras coisas vai incentivar os entes federativos que não possuem o CRP, ou cuja emissão se deu por ordem judicial, a parcelarem e renegociarem suas dívidas previdenciárias, contribuindo para a sustentabilidade dos RPPS. Aliás, queria destacar a grande importância da decisão do STF no tema 968, de repercussão geral, que declarou a legalidade e constitucionalidade do CRP, preservando esse instrumento fundamental para os RPPS.

Que outras implicações terá a PEC 66 sobre o funcionamento dos RPPS?
O parcelamento especial de dívidas previdenciárias dos entes municipais em até 300 prestações mensais, previsto nessa PEC, exigirá desses entes a aprovação de reformas das regras de benefícios assemelhadas àquelas adotadas para os servidores federais na Emenda Constitucional nº 103/2019. Essa exigência criará um incentivo positivo que possivelmente amenizará a ausência de regras unificadas para os benefícios, conforme já se observou quando dos parcelamentos especiais autorizados pela Emenda Constitucional nº 113/2021. Além disso, a PEC nº 66/2023 irá limitar a incidência da contribuição para o PIS/Pasep sobre as receitas dos RPPS, o que irá gerar uma economia expressiva, estimada em aproximadamente R$ 600 milhões por ano, impactando positivamente suas contas.

A falta de regras unificadas para os benefícios dos servidores públicos municipais é um problema?
O que ocorreu a partir de 2019, com a aprovação da Emenda Constitucional 103, foi a possibilidade de existirem regras diferenciadas para os benefícios dos servidores municipais, concedendo autonomia para cada ente legislar a respeito, o que trouxe um desafio adicional à sustentabilidade da previdência dos servidores públicos. Mas, como disse acima, a PEC 66 exigirá dos entes municipais a aprovação de reformas das regras de benefícios assemelhadas àquelas adotadas para os servidores federais, o que mitiga o problema.