Edição 73
Fausto de Arruda Botelho, da Enfoque Gráfico Sistemas
A exuberância irracional dos mercados de ações dos EUA, na viva expressão do presidente do Banco Central daquele país, Alan Greenspan, povoa hoje o imaginário da maioria dos grandes investidores. Para eles, a pergunta é: quando cai? Entre eles está Fausto de Arruda Botelho, diretor geral da Enfoque Gráfico Sistemas, uma empresa que produz análises de tendências de investimentos baseados em uma leitura técnica, a qual o mercado chama de análise gráfica. Concorrente de empresas de análises e informações pesos-pesados do mercado, como a Broadcasting e a CMA, entre outras, a Enfoque Gráfico tem atualmente uma leitura bastante crítica dos mercados de ações. Para Fausto Botelho, cuja marca registrada é a empolgação com que discorre sobre uma geometria imaginária formada por linhas de suporte e resistência a investimentos, os mercados estão a ponto de entrar em uma fase de queda. “Os EUA estão em vias de sofrer uma grande correção”, diz ele em entrevista exclusiva à Investidor Institucional. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Investidor Institucional – Na avaliação de um analista grafista, como os fatores políticos e conjunturais influenciam no resultado do mercado?
Fausto de Arruda Botelho – Nós, analistas técnicos, ao invés de analisar como os fatores fundamentais irão afetar a cabeça das pessoas, deixamos que estes fatores fundamentais aconteçam e que a massa, que é a média das opiniões do mercado ponderada pelo poder de fogo de cada participante, interprete esses fatores fundamentais e aja. Nós analisamos os gráficos que, para nós, são o espelho do comportamento da massa. Eu sempre digo que fatores fundamentais não afetam os preços, mas a cabeça das pessoas, os fatores não têm o poder de passar a mão no telefone e colocar ordens no pregão. É preciso que as pessoas interpretem esses fatores fundamentais e ajam a partir da interpretação destes fatores fundamentais. Nós, analistas técnicos, quando analisamos os gráficos estamos analisando, ainda que indiretamente, todos os fatores fundamentais.
II – Que tipo de análise está sendo mais usada hoje, a gráfica ou a fundamental?
FAB – Eu acho que as escolas de análise gráfica e fundamental são absolutamente complementares. O processo de ter sucesso nos mercados de risco é muito difícil. Se não fosse assim, não haveria malandro desempregado no Brasil. Então, quem quiser ter sucesso nesse mercado tem que usar de todas as ferramentas que puder.
II – Qual sua avaliação da alta dos mercados de ações nos EUA?
FAB – O Dow Jones tem vários aspectos a serem considerados. O primeiro deles é que o mercado se encontra num processo de alta que já dura dezessete anos, o que fez o investidor americano se esquecer que o investimento na bolsa de valores é um investimento de risco. Então, se a gente considerar que o americano médio começa a investir na bolsa aos trinta anos, isso significa que aqueles com menos de 57 anos jamais viram a bolsa cair. Eles estão achando que a bolsa é um processo de renda fixa, sem riscos.
II – Mais ou menos como a caderneta de poupança no Brasil?
FAB – Claro, só que com um resultado infinitamente maior, porque acontece num ambiente onde a taxa de juros é de 4% ao ano e o índice Nasdaq subiu 19% apenas nos últimos nove pregões (até o dia 15 de fevereiro).
II – Muita gente acha que esse processo de alta é irracional. O que você acha?
FAB – Eu sou um analista gráfico, e acredito piamente que sempre que há uma curva ascendente de preços haverá depois uma curva descendente. Ou seja, é como em uma montanha, se a gente tem o lado esquerdo dela, representado por uma curva de tendência de alta, sem dúvida nenhuma vamos ter também o lado direito, que será uma curva de tendência de baixa.
II – Quer dizer que sempre há uma correção dos exageros?
FAB – Veja, quem diz isso é o mercado. É ele que tira os preços do nível de supervalorização e os traz necessariamente para um nível mais baixo. Vejamos como isso acontece: toda tendência de alta acaba sendo envolvida por um processo de euforia, que faz com que a locomotiva dessa tendência passe pelo nível do valor real e caminhe para níveis muitas vezes hipervalorizados, os quais passam a requerer uma volta para o nível de valor real. Infelizmente, ao invés de voltarem comportadamente para o seu nível real, os preços despencam.
II – Isso em todos os mercados?
FAB – Isso em qualquer mercado do mundo. E com qualquer tipo de ativo. Acontece isso no mercado de ações e no mercado de eurobonds, por exemplo. Olhando-se os gráficos históricos de longo prazo, vemos que ocorrem simetrias totais nas montanhas dos investimentos, entre as tendências de alta do lado esquerdo e tendências de baixa do lado direito. O detalhe é que, enquanto no lado esquerdo os preços sobem de escada, no direito eles descem de elevador. Eles sobem alavancados pela euforia e despencam empurrados por sua prima mais forte, que é a paúra.
II – O índice Nasdaq parece não ter o lado direito da montanha. Por quê?
FAB – Outro dia eu observava os gráficos da Nasdaq e do Dow Jones juntos, e enquanto um subia o outro caia. Os dois são os Estados Unidos, os dois são a economia americana, os dois são oportunidades e riscos. Porque ocorria isso? Acho que podem ocorrer disparidades momentâneas, às vezes de horas durante o pregão ou de dias, ou até talvez de semanas, que impliquem em pequenas oscilações. Mas se tivermos alguma coisa mais significativa, como por exemplo, queda dos níveis registrados em 89 ou 87, quando tivemos 22% de queda num único pregão, eu não tenho dúvidas de que o índice Nasdaq irá acompanhar. O Nasdaq é um jovem índice, criado há poucos anos e que está atualmente refletindo o boom que está acontecendo com as empresas ligadas à Internet, mas o Dow Jones também, de certa maneira, reflete esse boom, que é o boom da produtividade, que é o boom de novas empresas no mercado. Tanto é que o Dow Jones tem uma alta mais acentuada a partir de 95, justamente quando a Internet começou a ter uma presença muito maior. Então, eu não acredito na possibilidade de queda no Dow Jones com a manutenção dos níveis atuais no Nasdaq. Se um índice tiver uma queda violenta, todos os índices deverão acompanhá-lo.
II – Então, o Nasdaq pode despencar também?
FAB – O Nasdaq teve um grande período de acumulação e está num período de alta desenfreada, frenética, que para nós, analistas técnicos, tem todas as características do estertor de uma tendência, do último movimento de uma tendência. Infelizmente, o último movimento de uma tendência é aquele que vem carregado com o auge da euforia e o seu topo ocorre justamente quando a economia está no auge, quando está tudo uma maravilha. Muita gente, quando digo que nós estamos na iminência de uma grande queda, me apresenta argumentos de que a economia americana está uma maravilha, que a Internet é uma maravilha, mas é importante que não esqueçamos que a Yahoo!, por exemplo, está custando um absurdo e se ela custar um terço do que custa hoje ainda continuará sendo um absurdo quando comparada com as empresas americanas normais, de tijolos. Aliás, outro dia aprendi uma expressão nova, que é clics and bricks. Há pouco tempo os fundos de investimentos na internet estavam atrás de clics, hoje em dia eles já estão reavaliando essa posição e estão atrás de empresas de clics and bricks (internet e tijolos).
II – Você acha que os mercados de ações dos EUA estão prestes a fazer essa correção de preços?
FAB – Eu acredito que os EUA está em vias de sofrer uma grande correção. Em termos de análise gráfica, vimos acontecer no final do ano passado algo que não aconteceu ao longo dos dezessete anos de duração dessa tendência de alta do índice Dow Jones. Pela primeira vez ele rompeu seu topo principal, entrou em mares nunca dantes navegado em termos de cotações e, ao contrário do que nós analistas técnicos poderíamos esperar, não desenvolveu essa alta, não avançou. Pelo contrário, ele recuou numa hora em que tinha tudo para avançar e precisava avançar. Para mim, isso é uma indicação cabal de fraqueza, uma indicação muito importante de que esse domínio de dezessete anos dos comprados pode estar chegando ao fim.
II – Domínio de comprados? Mas há vendidos naquele mercado, hoje?
FAB – Há, é claro. Nós devemos entender hoje os mercados como um grande mercado de derivativos, onde através dos instrumentos de derivativos, como por exemplo as opções, os mercados futuros, é possível se tomar posições de venda. Mas não é só estas posições de venda que contam. Imaginem as pessoas que perderam a curva de alta, as pessoas que liquidaram suas posições porque acharam que já era hora de sair do mercado. Essas pessoas também estão, digamos assim, vendidas. O que indica, na minha opinião, que o troco dos vendidos na hora que passarem a dominar o processo vai ser na mesma moeda, ou seja, é uma indicação a mais de que nós vamos ter uma queda bastante violenta.
II – Mas você já fez previsões desse tipo antes, de quedas que não se concretizaram. Por que dessa vez seria diferente?
FAB – É verdade. Nas crises da Rússia e da Ásia eu também imaginei que estava começando o processo de queda e acabei fazendo previsões erradas. Mas se eu já achava isso naquela época, imagine o que eu acho agora, quando o mercado está alguns mil pontos acima do nível que estava naquela época, especificamente 8.000 pontos no topo da crise da Ásia e atingindo quase 13.000 pontos agora. Pelo menos, fica a minha coerência.
II – Por que o mercado brasileiro não tem acompanhado a alta do mercado dos EUA?
FAB – Veja, essa é a maior expansão econômica da história da humanidade, da história dos EUA e da história do planeta. Acredito que o processo da globalização fez com que os capitais tivessem uma velocidade muito grande e, em função da globalização, as crises que aconteceram em primeiro lugar no México, depois na Ásia, posteriormente na Rússia e depois no Brasil, fizeram que ocorresse o maior flight to quality, o que o americano chama de fuga de dinheiro especulativo, para os portos seguros do tio Sam. Então, o dinheiro americano, dinheiro da globalização beneficia a quem? Beneficia aos EUA, que quando tem qualquer problema no mundo recebe os capitais especulativos, capitais que estavam aplicados em países emergentes com taxas de remunerações de 20% ao ano, às vezes mais de 20% ao ano, e de repente são depositados no velho tio Sam, no velho open market americano, com uma remuneração de 4% ao ano.
II – Eles se contentam com esses magros 4%?
FAB – Eles ficam no open market mas começam a observar o mercado e resolvem fazer a sua fezinha no Dow Jones, no Nasdaq. Então, acho que esse foi um aspecto que fez com que a bolsa americana tivesse essa alta e extrapolasse. Eu me preocupo muito com isso, porque quanto maior a altura, maior a queda. Torço para que o Alan Greenspan consiga conduzir esse processo de correção de maneira sábia e que a aterrisagem seja suave.
II – Uma correção de preços nos EUA refletirá, automaticamente, no preço das ações no Brasil?
FAB – Não tenho a menor dúvida disso. Nós vamos sofrer, talvez em menor escala porque o nível do nosso mercado está muito abaixo do nível do mercado deles. Ainda nem chegamos, por exemplo, no topo da crise da Ásia.
II – De quanto poderia ser a correção dos preços no Brasil?
FAB – Os dois movimentos de alta que tivemos, o primeiro no começo de 98 e o segundo em agosto de 99, tiveram uma amplitude idêntica. Então, se o movimento atual reproduzir a correção de 50% da amplitude do primeiro movimento, isso traria os preços para um nível de 15 mil pontos considerando-se os 19 mil pontos do topo do Ibovespa futuro. Veja bem, essa correção pode ocorrer sem prejuízo da tendência de alta iniciada há dois anos, ou seja, poderíamos ter uma correção e posteriormente termos a continuação da tendência de alta com índices atingindo níveis ainda maiores.
II – O mercado brasileiro pode ter a mesma corrida às ações de internet, como ocorreu nos EUA?
FAB – Eu acredito que nós somos os EUA de dois anos atrás. Estamos vendo diariamente nos jornais a entrada de dinheiro estrangeiro vindo para o Brasil com interesses específicos em ações de empresas ligadas à Internet. Espero que muitas empresas brasileiras sejam beneficiadas com esse dinheiro estrangeiro, porque no momento em que o mercado americano tiver uma correção mais violenta esse dinheiro some. Então, quem conseguiu dinheiro conseguiu e quem não conseguiu vai demorar muito tempo para conseguir.