Edição 130
Adacir do Reis, da SPC
Para o novo titular da Secretaria de Previdência Complementar, Adacir do Reis, a situação administrativa do órgão que controla a vida do conjunto de fundos de pensão do país era catastrófica nesse início de janeiro, quando chegou para tomar posse indicado pelo ministro Ricardo Berzoini. Advogado de formação, Reis começou a se envolver com o sistema das fundações em meados da década passada, quando ainda trabalhava no gabinete do então deputado petista Luiz Gushiken. Quando Gushiken deixou a atividade parlamentar, Adacir partiu para um vôo solo, montando sua consultoria na área de direito de onde tem acompanhado, nos últimos anos, as grandes transformações por que passou o sistema de fundos de pensão. Nessa entrevista exclusiva a Investidor Institucional, ele fala sobre suas diretrizes à frente da SPC:
Investidor Institucional – Qual a situação da SPC quando você chegou?
Adacir dos Reis – Confesso que a realidade é bem mais precária do que eu supunha. A secretaria tem um quadro restrito de funcionários, a maioria é pessoal de apoio e apenas 14 ou 15 são cargos técnicos, contando a chefia de gabinete e os fiscais. Na minha avaliação seria preciso, no mínimo, triplicar isso.
II – Quais os projetos que encontrou parados ao chegar à SPC?
AR – Nós temos cerca de 1.500 pedidos represados e nesses 1.500 pedidos há de tudo, desde pedidos de alteração de estatuto, pedido de alteração de regulamento, alteração de planos, migração de planos, consultas de participantes, consultas das próprias entidades, consultas dos patrocinadores. Mas o que eu considero mais grave são os pedidos para patrocínio de novos planos ou pedidos para novos patrocinadores em planos já existentes, pedidos esses que se encontram parados há meses, alguns inclusive há mais de 1 ano.
II – Como eram tratados esses pedidos?
AR – O que observei é que não havia nenhuma priorização temática, nada que pudesse hierarquizar esses pedidos. Acho que um pedido que trata de um novo patrocínio tem que ter uma prioridade, e essa separação nem existia lá. Começamos a fazer essa separação agora, atendendo a uma solicitação minha. Uma outra coisa que eu notei é a ausência total de integração entre as áreas temáticas. Cada setor, cada coordenação funcionava como uma ilha, o setor de investimentos não conversava com a fiscalização, a fiscalização não conversava com o setor de atuária e esse não conversava com a área de contabilidade.
II – Como você pretende que essas áreas trabalhem?
AR – A minha idéia é estabelecer uma filosofia de integração dessas áreas, quer dizer, se somos poucos, se somos limitados, nós temos que buscar maximização das nossas forças através de reuniões entre os coordenadores gerais. Então, o setor de atuária vai avaliar o passivo da entidade, o de investimentos vai avaliar o ativo, mas os dois estarão subsidiando a área de fiscalização. Além disso, a Secretaria não pode continuar a se comportar como uma receptora passiva de informações, exigindo das entidades muitas informações, inclusive com custos para a entidade, e depois deixá-las na prateleira ou no computador sem nenhum processo de avaliação, de teste, de inteligência.
II – O número de informações solicitadas pode ser reduzido?
AR – Eu entendo que, ao invés de pedir um volume estrondoso de informações para depois não ter condições de examinar, melhor seria exigir das entidades apenas algumas informações fundamentais e colocá-las realmente à prova. A idéia é regular menos e fiscalizar mais, dar mais liberdade e contar com mecanismos de aferição e cobrança de responsabilidade.
II – As informações fornecidas pelas fundações poderiam ser melhor exploradas pela SPC?
AR – Veja, nós não temos um procedimento previamente definido de confrontar as informações trazidas num DRIA em relação a outros anos, em relação a outros planos similares, por exemplo. Então, a meu ver, há um sub-aproveitamento desse importante instrumento. Também na área de investimentos há um sub-aproveitamento das informações do DAIEA, que traz um volume considerável de informações mas que não são utilizadas em toda sua potencialidade. Até tem havido algum aprimoramento de um trimestre para o outro, mas ainda é insuficiente.
II – Essas informações estão todas informatizadas na SPC?
AR – Nós temos um sistema de protocolo e arquivo, com pastas que tem a memória da entidade desde a sua constituição, e mais recentemente uma empresa fez a digitalização desses papéis, até como medida de segurança. A avaliação que eu colhi junto aos técnicos é que esse sistema tem muitas limitações, então as pessoas continuam na consulta manual, na consulta escritural, porque o sistema de busca é de difícil manuseio. Inclusive, estamos fazendo uma avaliação mais detalhada do contrato com a empresa jurídica que fez o sistema.
II – Em que o sistema ajudaria, se fosse mais eficiente?
AR – Nós poderíamos estar potencializando as informações de outras áreas e aumentar a fiscalização daqui mesmo, internamente, cruzando informações, confrontando dados. Afinal, a fiscalização não é o ato em si do fiscal visitar a entidade.
II – A Lei Complementar nº 109 estabeleceu punições drásticas aos dirigentes. O que você pensa disso?
AR – A Lei Complementar 109 é draconiana, estabelece multas de até R$ 1 milhão e em caso de reincidência de até R$ 2 milhões, mas em muitos aspectos ela não tem conseqüência prática. Por exemplo, ela trouxe a exigência do depósito no caso da penalidade administrativa ser a multa. Como é que se dá esse depósito? Vai se dar em nome da SPC? Mas a SPC não é uma pessoa jurídica. Vai se dar em nome do Tesouro? Onde é que vai ser depositado? Não há esse disciplinamento, então a parte da fiscalização acaba não se completando. Há vários processos parados por conta disso. Então, nós vamos precisar resolver isso, e essa questão passa inclusive pela mudança do decreto 4.206, de abril de 2002, porque o decreto, a pretexto de regulamentar a lei, mudou os dispositivos da lei, deformou o que estava previsto.
II – Que tipo de deformação?
AR – A instância recursal, que antes era a câmara de recursos do Conselho de Gestão, passou a ser o Ministro de Estado. Isso não pode, em termos de interposição de recursos haver a apreciação de uma autoridade monocrática. Nós precisamos equacionar isso de modo que tenha começo, meio e fim, que a fiscalização seja feita e que o responsável seja punido.
II – Não há um enfoque muito voltado para a punição nesse tema de fiscalização?
AR – O enfoque tem que ser diferente. A Secretaria tem que fiscalizar, mas naturalmente ela tem que fiscalizar levando em conta a realidade do plano e as regras que regem esse plano. Então, o déficit de hoje é uma operação que não vai se realizar amanhã, vai ser realizada daqui a x anos, quando a realidade poderá ser outra. Então, tem que ter esse horizonte.
II – A fiscalização acaba, às vezes, em intervenção no fundo. As comunicações serão públicas ou só para o sistema?
AR – Em havendo problema nós vamos nos pautar pela transparência, agora isso não significa promover atos espetaculares, fazer sensacionalismo. A idéia é agir com transparência, mas também mostrando as especificidades do sistema, que ainda é muito mal compreendido pela sociedade como um todo. A intervenção numa fundação é uma medida extrema, porque é o Estado entrando numa entidade que é privada, seja ela patrocinada por uma empresa privada ou estatal. O Estado, na figura do interventor, entra e substitui a administração, com poderes de gestor, então esse é um ato extremo que só deve ser adotado num caso de anomalia extrema.
II – As intervenções dos últimos anos não se guiaram por essa visão?
AR – Eu acho que, em alguns casos, houve uma politização disso e uma tentativa de ressaltar a atuação do órgão oficial, até como auto afirmação. Mas isso não contribui para o aprimoramento do sistema. Nós vamos precisar, naturalmente, construir uma agenda e colocar as partes que compõem o sistema numa discussão, num entendimento. Por exemplo, em alguns planos em que há discussão judicial quanto a migração de uma modalidade de plano para outra, acho que a SPC pode desempenhar um papel de aproximação, de busca de uma convergência, de ponderação em relação às partes. E ao mesmo tempo, há uma orientação do ministro Ricardo Berzoini no sentido de construir uma agenda afirmativa, mobilizando todos os atores envolvidos no sistema.
II – Como isso se daria?
AR – Nós precisamos trabalhar na discussão de um aparato regulatório e fiscalizatório mais estável e isso passa por um aprimoramento do Conselho de Gestão da Previdência, de ser um órgão colegiado com mais legitimidade, com maior capacidade de decisão.
II – A atual composição do Conselho de Gestão, que tem 9 representantes do governo entre os seus 15 membros, poderia ser modificada no sentido de uma participação mais equilibrada das entidades que não são governo?
AR – O Conselho de Gestão tem atribuição de regular o sistema, mas eu creio que o Estado deve ter a hegemonia nesse processo. O Conselho tem que ser um espaço valorizado e que funcione como um fórum de discussões e um fórum de deliberação, e essa deliberação deve estar revestida de legitimidade, mas acho que o Estado deve ter a hegemonia. Algumas coisas podem ser feitas para aprimorar os procedimentos de funcionamento, o seu regimento, em termos de garantir o debate, garantir que as deliberações sejam precedidas de exame, de estudo, de avaliação técnica dos impactos. Então, uma orientação do ministro é valorizar o Conselho de Gestão enquanto aparato regulatório.
II – E quanto à SPC, a idéia é caminhar na direção de uma agência regulatória?
AR – A orientação do ministro é que nós caminhemos para um aparato que seja mais forte, seja mais estável. Se isto vai ser uma agência, se vai ser uma superintendência, é algo que não está previamente definido. Se vai caminhar para uma fusão com órgão das entidades abertas, isso também é uma questão que não está posta. O fato é que, como está, não pode ficar. Num sistema que, por natureza, trabalha com um horizonte de longo prazo, nós precisamos garantir minimamente esta estabilidade, essa segurança jurídica, a memória que o sistema precisa ter. Precisamos ter um órgão que tenha procuradoria própria, que tenha orçamento próprio, que tenha um quadro permanente de técnicos.
II – Qual é o orçamento da SPC para este ano?
AR – A Secretaria tem um orçamento modesto, de R$ 1,77 milhão para este ano. É o orçamento mais baixo dos últimos anos, é muito limitado. Eu pedi um quadro comparativo dos últimos 4 anos: nós tivemos um orçamento de R$ 2,33 milhões em 1999, de R$ 5 milhões em 2000, de R$ 4,80 milhões em 2001 e de R$ 1,89 milhão em 2002. Então, é muito limitado.
II – Você falou da necessidade de mudanças na Lei 109. Com relação à Lei 108, deve ser revisto o capítulo que estabelece o voto de Minerva dentro do conselho das fundações?
AR – Eu acho que para as entidades que já tinham uma composição paritária ou mais favorável aos participantes, a própria lei admite uma neutralização do voto de qualidade. Eu entendo que a lei, em caráter excepcional, contempla essa hipótese. Agora, como uma regra, a abolição do voto de qualidade dependeria de mudança da própria lei, o que não é simples. De qualquer maneira, eu entendo que essa questão do voto de qualidade deveria se inserir num processo de discussão entre os atores envolvidos e essa discussão poderia caber dentro desse trabalho de aprimoramento da legislação.
II – Sem o voto de qualidade, as decisões dentro da fundação não poderiam emperrar?
AR – Como regra não, a experiência mostra que em um ou outro momento isso até poderia acontecer, mas não como regra. Sobre o voto de qualidade poderia haver outros elementos a considerar, como por exemplo o perfil do plano, se é BD ou CD. Isso muda um pouco, é um referencial nessa discussão.
II – Como a SPC pretende tratar da questão do estabelecimento de um valor para a portabilidade?
AR – A nossa intenção é constituir uma comissão integrada pela SPC, Abrapp e Anapar para, num prazo a ser definido, fazer a identificação de pontos que permitam um aprimoramento dessa estrutura normativa. Eu não consigo discutir portabilidade sem ver também a questão do vesting, do benefício proporcional diferido e do próprio resgate. E aí, em relação a esses institutos que a lei prevê como obrigatórios e o Conselho, nos últimos meses, chegou a deliberar e aprovar algumas resoluções, isso nós vamos ter que integrar. Acho que essa questão do valor a ser portado é uma questão-chave e está mal equacionado. Então, nesse sentido, eu não diria que vou zerar tudo o que foi produzido, mas nós vamos ter que fazer um esforço de integração e aprimoramento dessas normas.
II – A 2.829 deve ser simplificada?
AR – A Resolução 2829 tem pontos positivos, tem aspectos que merecem ficar, mas a orientação do ministro é no sentido de caminhar para uma flexibilização, aliada a uma fiscalização mais eficiente. Hoje, por exemplo, a Resolução trata de maneira linear um grande fundo, em termos de limites máximos de aplicação, e um fundo médio ou um fundo pequeno. Sem pretensão de zerar o que foi acumulado, nós vamos caminhar no sentido da flexibilização, de levar em conta as especificidades do plano, o porte da entidade em termos de ativo, o seu grau de compromisso, de responsabilidade e, aliado a isso, mecanismos mais inteligentes de acompanhamento dos investimentos.
II – Continuará a obrigatoriedade dos fundos de pensão publicarem seus balanços anuais no Diário Oficial ou jornal de grande circulação?
AR – Essa determinação de publicação obrigatória em jornais de grande circulação, em Diário Oficial, não me parece muito eficaz. Eu não conheço nenhum participante que leia Diário Oficial. Nós temos que garantir que as informações sejam disponibilizadas, que cheguem ao participante, mas cada entidade tem discernimento para avaliar como é que essas informações podem chegar ao seu participante. Depois a SPC vai avaliar, vai fiscalizar se aquele meio é um meio eficiente, se está garantindo ao participante o acesso à informação.
II – Essa flexibilização visa a reduzir os custos da entidade?
AR – A questão de custo é, sem dúvida, relevante. Hoje, a estrutura das entidades em termos de processamento de informação é uma estrutura pesada. Isso, em grande medida, tem a ver com todo esse arcabouço de obrigações do ponto de vista dos investimentos. O que puder ser feito para reduzir custos, reduzir burocracia sem prejudicar a qualidade, vai ser feito. Nós tivemos no passado as aplicações mínimas compulsórias, hoje a impressão que se tem é que nós temos as contratações mínimas compulsórias.