Edição 380

A Vivest, maior fundação de patrocinadores privados do País, está surfando forte nos juros altos, praticando o que o mercado convencionou chamar de “política de imunização”, marcando títulos públicos na curva e garantindo a meta atuarial dos planos BDs. Mas está atenta também à mudança da direção dos ventos, para quando os juros começarem a cair e ela tiver que buscar rentabilidade em várias outras classes de risco. “Nós não desmobilizamos nossas equipes, na medida em que as taxas de juros caírem a gente voltará, paulatinamente, para os ativos de risco, usando os conhecimentos dessas pessoas e dessas equipes que têm especialização”, explica o presidente da fundação, Walter Mendes. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que concedeu à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – Como você avalia a política de imunização, adotada hoje por praticamente todos os fundos de pensão?
Walter Mendes – Essa política de marcar os títulos públicos na curva faz sentido em planos BDs (Benefício Definido), onde você não tem entrada e saída de recursos expressiva, sendo a grande maioria deles, inclusive, já saldados. Nossa obrigação nesses planos BDs é garantir uma rentabilidade acima da meta atuarial. É isso que a gente está fazendo, colocando títulos públicos marcados na curva na carteira, aproveitando esse momento raro de uma taxa de juros muito superior à meta atuarial.
Quer dizer, é um movimento para aproveitar a escalada dos juros?
Veja, nos últimos dois anos as NTN-Bs subiram do patamar de IPCA mais 5% para IPCA mais 7,5%, mais ou menos, com metas atuariais que estão em torno de IPCA mais 5% ou 5% e alguma coisa. Então, é um nível de taxa historicamente muito alto. Na última vez que se chegou a 7,5% foi naquela crise do governo da Dilma. Então, você está garantindo aos BDs uma alta performance em relação à meta atuarial. E veja que fazer imunização não é algo simples, você tem que criar uma curva de títulos públicos compatível com as necessidades de caixa do plano, você tem que fazer um trabalho de cash flow match para casar as necessidades de caixa com o vencimento dos títulos, tem que fazer um acompanhamento constante.
Mas essa imunização não está tirando um pouco a capacidade do gestor de fundo de pensão de analisar outras classes de risco?
Não entendo assim. Volto a dizer, essa política é para os planos BDs, que estão fechados e não crescem mais, não se aplica aos planos CDs (Contribuição Definida) e CVs (Contribuição Variável). E hoje o crescimento dos fundos de pensão acontece exatamente nos planos CDs e CVs, nos CDs principalmente. Então, é exatamente nos planos CVs e CDs, onde tem fluxo, onde ainda tem formação de capital, que você toma risco. Você exerce essa capacidade de tomar risco, de fazer diversificação de carteira, nessas outras carteiras.
A Vivest, por exemplo, sempre teve uma ótima equipe de análise de investimentos imobiliários. Ao não atuar, não corre o risco dessa excelência se perder?
A equipe não foi desmobilizada, mas está atuando de forma diferente. Nós tomamos a decisão, bastante tempo atrás, de rumar de imóveis físicos para os fundos imobiliários. Isso porque o número de fundos imobiliários disponíveis cresceu, as opções de fundos imobiliários também. Então, é muito mais lógico, e muito mais eficiente para nós, investir em imóveis através de fundos imobiliários ao invés de ficar dispendendo tempo e energia da equipe para administrar um imóvel físico, algo que envolve trabalho de participação em assembleias, de aprovação de reformas etc.
Dá para diversificar as estratégias imobiliárias só com fundos?
Sim, hoje você tem uma disponibilidade de fundos imobiliários com características bem diferentes. Tem fundo de shopping, de centro de distribuição, de galpões, de lages corporativas, tem muitas opções para diversificar investindo em fundos imobiliários.
Como está o estoque de imóveis físicos de vocês?
Hoje, a gente só tem dois imóveis físicos, que são dois shoppings, e eles estão em processo de venda. Mas não posso dar detalhes das negociações.
E como está a participação da Vivest em outras classes de ativos, fora a renda fixa, que é preponderante?
Hoje a gente tem realmente uma concentração grande em renda fixa, mas nós temos também alguma participação em fundos imobiliários, um pouquinho de fundos no exterior, um pouco em fundos multimercados. Mas tudo realmente em percentuais bem pequenos, em função da taxa de juros que é muito alta. Mas como nós não desmobilizamos as equipes, como eu já disse, na medida em que as taxas de juros caírem a gente voltará, paulatinamente, para os ativos de risco, usando os conhecimentos dessas pessoas e dessas equipes que têm especialização nesses ativos.
Alguns apostam que os juros caem já no final deste ano, mas a maioria acha que só caem a partir do início do ano que vem. Com a perspectiva da queda, que ativos estão na mira de alocação da Vivest?
A gente acompanha o mercado de ações, pois temos aplicações em ações, temos imóveis, temos crédito privado de empresas, mas nesse segmento os spreads estão muito baixos hoje, não está valendo muito a pena. Já os FIDCs são produtos que cresceram muito nesses últimos anos, e vemos algumas boas oportunidades. Nosso pessoal tem estudado bastante, acompanhado, e a gente provavelmente vai começar a investir em FIDCs, mas não dá para dizer agora o que vamos fazer lá na frente, quando a taxa de juros cair, porque eu não sei como é que vai estar o mercado naquele momento.
Você disse que os spreeds do crédito privado de empresas não estão valendo a pena. Eles estão fora do radar?
Como eu falei, o crédito de empresas, hoje, está muito baixo. Mas se lá na frente eles estiverem mais interessantes, quem sabe a gente possa aumentar nossa participação nessa classe. Vamos ver também como ficarão os fundos imobiliários, normalmente quando a taxa de juros cai os fundos imobiliários tendem a subir. Então, como eu disse, vai depender do momento.
E exterior, vocês têm apetite por investimento no exterior?
Hoje, pouco. Porque a taxa de juros no Brasil está muito interessante. Mas vamos lembrar que em 2021 a gente chegou a ter 14% da carteira em investimento no exterior. Os 10% regulamentares mais 4% em BDR de ETF. Então, hoje a gente tem muito pouco, pouquíssimo, mas como eu falei, é uma posição que resulta das altas taxas de juros.
Tem diminuído bastante o apetite dos grandes investidores globais por ativos nos Estados Unidos. Como você analisa esse movimento?
Os investidores internacionais têm feito uma diversificação, saindo um pouco do mercado norte-americano e investido em outros países, por duas razões. Uma é simplesmente a alta exuberante do mercado americano nos últimos anos, que tem subido desde 2023. Então, hoje o valuation, os indicadores de preço do mercado americano, já estão bastante altos. Por exemplo, em tecnologia subiu muito e de forma concentrada, então existe aí uma propensão para a realização de lucros. A segunda razão para essa saída dos investidores dos Estados Unidos é essa incerteza em relação ao papel do país no futuro, com essa imposição de tarifas do governo Trump, que tem sido um pouco surpreendente.
A desvalorização do dólar, também pesa nessa decisão?
Claro, além de tudo tem essa questão do dólar, que tem caído, até um pouco forçado por esse movimento de venda dos ativos dos Estados Unidos. Mas se você olhar, essa diversificação dos investidores em relação à Estados Unidos é relativamente pequena, levando em conta o tamanho dos ativos norte-americanos.
Quer dizer, num mercado tão grande a saída de investidores seria até natural?
Sim, acho que é um movimento meio que natural, de realização, que se junta a uma situação de aumento do nível de incerteza.
A Vivest vai começar a fazer a gestão do plano de benefícios da Volkswagen. Qual a importância disso para a fundação?
Em 2019, o Conselho da Vivest fez um planejamento estratégico que colocou como um dos pontos mais importantes exatamente ter uma atuação ativa para atrair novas patrocinadoras. Já naquela época a gente percebia uma tendência, uma discussão de uma possível consolidação do setor, e a gente se via como um consolidador. De lá para cá já ganhamos os planos da Sabesp, da Ford, da Roche, da Alpargatas e da Vem, que é uma empresa do grupo Vibra, além do plano instituído da Abrapp. E terminamos de ganhar o plano da Volkswagen.
Por que a Viveste queria ser uma consolidadora?
Primeiro porque a gente é um plano maduro, já temos bastante tempo, um histórico grande, e o fato é que quanto mais patrocinadores você tiver mais recursos administrados você tem, então o seu custo relativo de administração é menor. O negócio de serviços financeiros é um negócio de escala, ao trazer novos patrocinadores, com novos recursos, nós não temos a necessidade de aumentar a nossa estrutura na mesma proporção do valor de recursos que a gente traz. A gente pode administrar com pouco investimento adicional na nossa estrutura. Isso traz um ganho para os patrocinadores que já estão aqui, porque eles dividem a conta com mais gente, digamos assim.
E para os novos patrocinadores, quais as vantagens?
Para quem vem também tem uma redução de custo, porque normalmente ele está saindo de uma entidade com um patrimônio muito menor, que obviamente tem um custo de administração maior, e entrando numa entidade com um patrimônio muito maior, de estrutura mais robusta, com um custo menor. Então, tem vantagem para quem já está e tem vantagem para quem entra, é um ganha-ganha.
A nova patrocinadora participa, de alguma forma, da gestão do seu plano?
Nossa estrutura ajuda, já há muito tempo, a ser uma multipatrocinada de muitos patrocinadores. Além do Conselho Deliberativo, da Diretoria e do Conselho Fiscal, que são os três órgãos obrigatórios da legislação, e da Assembléia, que no fundo é um Conselho um pouco mais estratégico, nós temos os comitês gestores. O que são esses comitês gestores? São comitês de patrocinadores, cada patrocinador tem um comitê formado por quatro membros, sendo dois da empresa e dois dos participantes, um ativo e um assistido, que são responsáveis por acompanhar e deliberar sobre as mudanças dos seus planos específicos e sobre a política de investimento.
As decisões desses comitês são acatadas pelo Conselho?
As decisões tomadas nesse comitê de gestores, se forem por unanimidade, vão para o Conselho só para homologação. Se não forem por unanimidade, elas vêm para o Conselho e são decididas por dois terços dos votos. O patrocinador pode estar no conselho, pode não estar no conselho, mas os assuntos particulares, digamos assim, relativos à política de investimento e relativos ao regulamento dos planos, eles são tratados especificamente nesse comitê de gestores. É como se fosse uma delegação do Conselho.
Esses comitês têm suporte para a tomada de decisões?
Claro, eles têm o todo o apoio da nossa área atuarial, que conta com 12 atuários, além do atuário externo que nós contratamos. Também têm o apoio de toda nossa estrutura de investimentos para acompanhar o seu plano. Por exemplo, as decisões de imunização foram todas discutidas pelos comitês gestores com o apoio da área de investimentos, e cada um deles decidiu o que queria fazer. Tem uns que querem uma imunização de 90% dos títulos, outro quer só 80%. A equipe de investimentos auxilia na discussão e depois executa o que foi decidido, entendeu?
A Vivest tem uma área de saúde que, no passado, chegou cogitar de se separar da área de previdência. Como está hoje essa idéia de separação?
Essa ideia de criar uma empresa à parte é algo que chegou a ser cogitado mesmo, mas depois a déia foi deixada de lado e não existe mais essa discussão.
Por quê a idéia foi abandonada?
Porque você teria perdas importantes de sinergia, perdas importantes no compartilhamento de custos, além de questões fiscais envolvidas nessa separação. Então, quem fez essa separação meio que se arrependeu. A gente viu essa experiência de outras instituições, a gente analisou todos os riscos envolvidos e a gente resolveu que não valia a pena.
Como está essa área hoje?
A nossa área de saúde é bem grande, nós criamos novos planos para essa área e, ao contrário de outras instituições que têm problemas na sua gestão de plano de saúde, a gente tem uma situação financeira muito sólida. Alguns anos atrás a gente trocou todas as gerências, todas as lideranças da área de saúde, trouxemos pessoas muito competentes, muito experientes, do mercado, e investimos bastante em tecnologia. Hoje a gente usa inteligência artificial em vários processos na área de saúde, a gente automatizou muitos processos. Com isso a gente tem reduzido custos, o nosso custo administrativo em relação ao total das despesas médicas é o mais baixo do mercado entre as instituições médias e grandes.
Quais são as metas nessa área?
Nós temos o objetivo de crescer na área de saúde, mas a gente enfrenta duas limitações, uma dada pela legislação da Previc e outra da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). A regra da Previc diz que a gente não pode oferecer plano de saúde à quem não oferecemos planos de previdência. E a regra da ANS determina que não podemos oferecer plano de saúde, mesmo se oferecermos plano de previdência, se não forem empresas do setor elétrico. Isso porque, originalmente, ainda como Fundação Cesp, a gente só oferecia planos de previdência para empresas do setor elétrico. Então estamos meio limitados. Mas nós estamos muito próximos da possibilidade de uma mudança dessas regras, liberando as autogestões para oferecerem planos de saúde para outros segmentos.
Isso é esperado para breve?
A medida já esteve em consulta pública, já teve muitas sugestões, esse assunto já andou lá na ANS e a gente tem uma esperança de que em pouco tempo haja uma mudança da regra. Como a gente está trazendo novos patrocinadores na previdência, se houver essa liberação a gente vai poder oferecer planos de saúde a eles também. Não sabemos se esse oferecimento vai ter sucesso ou não, mas a mudança da regra abre um potencial de crescimento bastante interessante para nós.