Um negociador de soluções

Edição 157

Vânio Aguiar,  chefe do departamento de supervisão indireta da autoridade monetária

No ano em que completou vinte anos de Banco Central, Vânio Aguiar foi convocado para o que, provavelmente, está sendo um de seus maiores desafios profissionais: intervir no Banco Santos. Mas a tarefa não se resume em achar uma solução para o rombo de, pelo menos, R$ 2 bilhões que se estima haver na instituição financeira. Aguiar tem mesmo é que administrar emoções.
Afinal, desde que assumiu o banco, em novembro de 2004, sua jornada de trabalho de 12 horas tem sido toda preenchida com reuniões. A maioria delas com credores – impacientes, como qualquer credor, e inconformados, como todo investidor que perde uma quantia considerável de dinheiro.
Como se não bastasse, os empregados do Banco Santos querem saber até quando terão emprego; a imprensa quer escancarar as operações irregulares feitas pela instituição de Edemar Cid Ferreira; os advogados de defesa recorrem a todo tipo de expediente jurídico – sempre buscando mais tempo –, enquanto os advogados dos credores cercam e pressionam por todos os lados.
Tanto que um deles suscitou um episódio, digno de filmes policiais, em que Aguiar teria corrido pelas escadas e fugido pela porta dos fundos do Banco Santos para não cumprir uma liminar que determinava o pagamento a um dos credores. O interventor diz que não houve fuga; apenas uma consulta ao dentista, que o fez deixar a instituição naquele momento.
Formado em administração e ciências contábeis, Aguiar já foi assistente de liquidação e de intervenção do Banco Econômico e do Banco de Desenvolvimento do Estado do Paraná. Hoje é chefe do departamento de supervisão indireta da autoridade monetária. É um homem de fala rápida, impaciente e gaguejante. Não é para menos. Confira o por que nos principais trechos da entrevista concedida à Investidor Institucional:

Investidor InstitucionalQual a pior parte de um processo de intervenção?
Vânio Aguiar – O psicológico. Os credores batem à porta e os devedores somem, quando seria preciso exatamente o contrário. Seria preciso um certo nível de tolerância e de entendimento do processo por parte dos credores, que permitisse ao interventor realizar o seu trabalho, que é a recuperação de ativos, a busca por uma solução ou a organização da liquidação.

IIQuantas pessoas estão lhe ajudando no Banco Santos?
VA – Tenho dez assistentes mais os empregados do próprio banco que, de uma maneira ou outra, são profissionais e também têm que ser olhados como vítimas desse processo. Tínhamos 800 pessoas aqui e precisávamos dizer a elas o que fazer. Precisávamos administrar emoções, traumas, surpresas. É um processo inicial complicado.

II – Como têm sido as reuniões com os credores?
VA – Têm sido diárias. Tenho que trazê-los a uma solução negociada, uma vez que se levarmos todas as decisões para uma execução judicial será um caminho rápido para ficarmos mais cinco anos sem receber, sem entrar um dinheiro no caixa do banco.

II – Antes mesmo da intervenção, o Banco Central já estava na instituição e…
VA – É, como todo processo normal de inspeção, que resulta numa decisão do Banco Central. E para resultar é porque ele estava acompanhando a situação do banco. Até porque o Santos tinha uma proposta de tentativa de alienação do controle acionário.

II – Desde quando o BC estava no Santos antes da intervenção?
VA – Não tenho essa informação.

II – Teriam sido muitos meses…
VA – Sem dúvida, porque é um processo onde se vai acompanhando passo a passo todas as operações e localizando as que são irregulares. No caso do Banco Santos, devido a uma certa ação conjunta entre devedores e o banqueiro, o Banco Central não pôde perceber de forma adequada o modus operandi do banco, que, quando entramos na intervenção, revelou um valor de desvios além do apurado pelo pessoal da equipe de campo.

II – De quanto estaríamos falando?
VA – Um valor relevante.

II – Qual o custo da gestão de intervenção no Banco Santos?
VA – Era de R$ 15 milhões. Hoje está em torno de R$ 1,5 milhão a R$ 2 milhões.

II – Não dava para agüentar muito tempo, não é mesmo?
VA – Sem dúvida. É uma folha muito cara. Até porque não se pode manter uma estrutura daquele porte quando não se têm receitas mais.

II – Foi uma redução drástica, o que foi cortado?
VA – Sim, de quase 90%. Primeiramente, limei da folha de pagamento, que é o grande peso. Ela foi reduzida em 75%. Também reduzimos custos com aluguel, com serviço terceirizado, custos com água, luz, telefone, com agências de notícias e assim por diante. Tudo que fossem custos de serviços de terceiros foram reduzidos violentamente.

II – Quantos empregados foram demitidos e quantos ainda estão no Banco Santos? E os salários, estão atrasados?
VA – De 800 empregados fomos para 200. Os salários nunca estiveram atrasados.

II – Por mais quanto tempo dá para agüentar os gastos atuais do Banco Santos?
VA – Esses valores, em uma intervenção ou até mesmo em uma liquidação, são razoáveis. Mas, claro que a medida que o tempo passa, esses custos vão sendo cada vez mais reduzidos.

II – E qual tem sido a receita do banco?
VA – Não temos esse número porque estamos trabalhando com regime de caixa. Não fazemos mais contabilização de receita, uma vez que a maioria das operações de crédito está sob ajuste, ou seja, não vamos fazer receita de operação duvidosa.

II – O ex-presidente do Senado, José Sarney, sacou R$ 2 milhões às vésperas da intervenção no Banco Santos. Como o BC vê o ocorrido?
VA – Como um hábito normal. Nós não encontramos vazamento no Banco Central. O fato de as pessoas tomarem decisões até a última hora da intervenção são decisões normais. Eu estaria preocupado se a decisão de saque tivesse sido tomada por algum conhecimento privilegiado da informação, o que nós não detectamos.

II – Mas como constatar isso?
VA – Pode ser pelo vazamento do próprio controlador. Se o controlador chega para o seu cliente e diz “eu vou quebrar amanhã”, e o cliente retira os recursos, o que o Banco Central pode fazer? Nada.

II – Mas há suspeitas de que exatamente isso tenha acontecido. O Sarney jantou dois dias antes com o Edemar Cid Ferreira, com quem nutre amizade há anos.
VA – Hein? Isso… eu… eu não quero… Olha, se algum investidor toma alguma decisão baseada em informações que não são do Banco Central, o BC não tem nenhuma preocupação em punir ou em tentar esclarecer essa situação, porque as pessoas têm a liberdade de tomar a decisão que for melhor. Pode ser que o próprio controlador tenha avisado que ia acontecer isso e o que nós podemos fazer? Absolutamente nada, porque isto é legal.

II Pois é, mas a Investidor Institucional fez uma matéria em dezembro mostrando que não só o Sarney sacou às vésperas da intervenção, como também outros 967 cotistas fizeram isso entre setembro e novembro. E como ficam os outros investidores?
VA – Claro, os saques já vinham ocorrendo. Por que o Santos quebrou? Foi problema de caixa. E o que é problema de caixa? São saques expressivos nas reservas do banco. Por que as pessoas sacaram? Porque iam fechando informações e perdendo a confiança em receber no banco. Temos que tomar cuidado com isso porque parece que o Banco Central tem que avisar previamente para todo mundo que um banco vai quebrar. Não. O banco se quebra aos poucos.

IIO BC não foi muito moroso nesse processo?
VA – A história do Banco Central nesse processo pode ser vista por alguns como muito tarde ou pode ser vista pelo próprio controlador como muito cedo. Então, é uma decisão de Sofia. Eu devo entrar antes ou depois? Se eu entrar antes, o controlador pode dizer que ele tinha expectativa de recuperação. Se entrar depois, o credor vai dizer “poxa, você poderia ter entrado antes”. Mas antes quando? Não existe o melhor momento.

IIO problema é que os números do Banco Santos (de saques e queda de patrimônio) saltavam aos olhos sem que o BC tomasse uma atitude.
VA – O que você faz quando o patrimônio fica negativo? Chama o controlador para botar capital.

IIE o BC chamou o Edemar?
VA – Não… eu não… Esse é um problema anterior à intervenção. Não sei quando é que o Banco Central chamou [o Edemar] e não sei o que aconteceu. Mas, em tese, quando isto acontece, a Lei nº 9.447 diz que se um banco estiver em situação de dilapidação patrimonial se convoca [o dono] e pede um plano de recuperação econômica. Isso significa o quê? Colocar capital, desmobilizar ativos, ou, no extremo, transferir o controle acionário, que é o que ele [Edemar Cid Ferreira] estava procurando fazer quando houve a intervenção.

II Ficou comprovado que alguns fundos do Banco Santos tinham suas cotas precificadas de forma incorreta?
VA – Elas foram sempre precificadas de forma correta. O que tinham eram ativos que, após a intervenção, se mostraram insubsistentes. E, como os ativos que compunham esses fundos eram de longo prazo, não havia caixa para pagar os cotistas. Mas, à medida que vão sendo recebidas as Cédulas de Crédito Bancário, as cotas vão retornando ao valor original. O que os cotistas têm que esperar é a cobrança dessas Cédulas para que possam reaver seu dinheiro.

IIEsperar quanto tempo?
VA – Como os ativos são de médio e longo prazos, o retorno dos recursos pode demorar mais do que se fosse um fundo renda fixa normal, que tem título público em sua carteira. Essa é a diferença. Eu não posso vender uma Cédula de Crédito Bancário hoje. Para vender, eu precisaria que alguém me pagasse o valor dessa Cédula. Como, hoje, não tem nenhum banco disposto a comprar essas Cédulas, sou obrigado a esperar o vencimento para receber, e se ela não pagar aos seus devedores o caminho é executar. E se for para execução leva-se ainda mais tempo do que o normal.

IIComo o BC avalia o comportamento das agências de rating no caso do Banco Santos?
VA – As agências de rating não têm acesso ao coração, ao cerne de uma instituição financeira. Avaliam à vista dos números apresentados, pelo nível de transparência que cada banco dá a cada agência. E a credibilidade delas baseia-se no nível de acerto. As agências erram? Erram. O Banco Central erra? Todo mundo erra. O investidor erra. As avaliações não são isentas de erro, porque elas se baseiam em informações que lhe apresentam.

IIApós a quebra do Banco Santos, vários bancos pequenos foram afetados pelo chamado “efeito dominó”. Muitos alegam que o BC deixou a situação correr solta por muito tempo, mexendo apenas no compulsório. Como o sr. vê isso?
VA – Quando se entra em um processo de intervenção ou de liquidação de um banco não há, em um primeiro momento, uma avaliação precisa de risco sistêmico. O que parece, nesse caso, é que foi muito mais uma avaliação precipitada, fruto de uma histeria coletiva dos gestores, dos investidores e dos fundos de pensão, e sobre a qual o Banco Central tem baixo domínio. E não havia fundamento para isso pelo que conheço dos bancos desse segmento. Então, acredito francamente que brevemente nós teremos uma situação de normalidade.

IIComo está a situação dos fundos de investimentos do Banco Santos hoje?
VA – Os fundos do Banco Santos estão todos sob a gestão do Banco Santos, com exceção dos fundos exclusivos – que estavam no banco por seus bons controles, gestão e equipe técnica. É natural que os donos desses fundos levassem seus recursos para outros bancos, que buscassem um porto mais seguro, já que em um banco sob intervenção a credibilidade se reduz bastante.

II E qual o status dos outros fundos?
VA – Os resgates vão sendo efetuados à medida que os ativos são transformados em caixa e em valores cujos porcentuais foram aprovados pelas assembléias. Por exemplo, quando houver 5% ou 10% do patrimônio em caixa é feito um rateio entre os cotistas.

IIEntre os maiores investidores do Banco Santos estavam os fundos de pensão, sobretudo de empresas de energia e de bancos estaduais. Mera coincidência?
VA – Não tenho nenhum juízo de valor sobre isso porque não sei o que moveu esse tipo de segmento a aplicar aqui ou ali. Acho que eles têm liberdade para colocar os investimentos aonde quiserem. Acho que cada administrador é livre para decidir dentro dos porcentuais de aplicação e acho que todos eles trabalharam dentro dos limites de segurança adequados.

IIEstima-se que o patrimônio líquido negativo do Santos passe de R$ 2 bilhões, ou seja, três vezes o valor estimado inicialmente pelo BC. O número é esse mesmo?
VA – Esse número ainda não está apresentado.

IIMas ele é muito maior do que vocês previam?
VA – Em relação à intervenção, sim. Havia pouco acesso às entranhas do banco e, com a intervenção, os computadores foram acessados, as operações abertas e os devedores mostraram como é que foram montadas as operações. E as operações que se achavam sólidas mostraram-se não tão sólidas assim.

IIA Procid Participações e Negócios, controladora do Banco Santos, por ser uma instituição não-financeira, não pode sofrer intervenção do BC…
VA – Ela é uma holding, mas o Banco Central só intervém nas instituições financeiras, podendo estender a intervenção se no seu juízo de valor verificar que essa intervenção pode trazer ativos à massa. Nesse caso, não verificamos ainda motivo relevante para que se faça essa intervenção, onde só se tem passivos e não ativos.

IIO relatório da intervenção está pronto e nas mãos do BC. Agora, a discussão é arrumar uma solução para o banco. Qual seria a mais factível?
VA – Esta análise está dependendo de uma proposta de reestruturação que o controlador apresentou aos credores, onde essa situação poderá ser revertida ou não.

IITem alguma solução descartada?
VA – Regime especial.

IIA primeira saída é a liquidação judicial?
VA – Claro. Mas se a situação for de insolvência quase total você pode ir direto para a falência. Se for um processo de intervenção monitorada, se a proposta de reestruturação for confiável e sólida se pode realmente ir para uma intervenção, trabalhar dentro do prazo legal de intervenção que é de seis meses, prorrogado por seis meses.

IIQuais as conseqüências da quebra do Banco Santos para o mercado financeiro e para a própria imagem do País?
VA – A quebra de bancos é um fenômeno natural em qualquer sistema financeiro. É claro que ninguém gosta, mas várias situações fazem com que os bancos quebrem. Esses acontecimentos podem representar um aperfeiçoamento dos instrumentos de gestão e de supervisão. Os fundos de pensão, por exemplo, vão olhar com mais rigor as avaliações das empresas de rating e vão separar as boas empresas das médias.

IIÉ verdade que o sr. fugiu do advogado de um credor pela porta dos fundos do Banco Santos?
VA – O que ocorreu nesse caso foi a tentativa do advogado de forçar um atendimento da decisão judicial de uma maneira fora dos padrões éticos, na base da pressão verbal e com o uso de força. E a versão do ocorrido que foi dada à jornalista na época foi a do advogado. Até hoje achamos que a decisão foi em prejuízo dos credores. O interventor não pode estar à frente de um processo desses com as portas abertas para quem quiser sacar o dinheiro sem base legal.

IIMas o sr. fugiu ou não?
VA – Não houve da minha parte nenhuma fuga porque neste dia, por coincidência, eu tinha um tratamento dentário marcado para as 16 horas e lá é que eu soube que tinha um mandado no Banco Santos. E retornei mais tarde, às 19 horas, para cumprir o mandado. Isso foi um pouco mais de propaganda do escritório para dizer como era machão. Por que eu deveria fugir? Estou cumprindo com as minhas obrigações. Obrigações da justiça se cumprem.

IIAté o meio do ano temos uma solução para o Banco Santos?
VA – Sem dúvida.