Edição 288
Esqueça o processo de globalização mundial tão falado e estudado a partir do início da década de 90. O cenário internacional atual aponta justamente para a direção oposta: de desglobalização, segundo termo utilizado por Marcos Troyo, coordenador do BRICLab da Universidade de Columbia, de Nova York. Fatos como a decisão de retirada da Inglaterra da União Europeia e a eleição de DonaldoTrump para a Casa Branca reforçam a tese que a tendência de globalização está seriamente ameaçada. E as conseqüências da eleição de Trump apontam para dias difíceis de maior volatilidade nos mercados mundiais.
Membro do laboratório de estudos de países emergentes (BRICs) de renomada univesidade americana, Troyo explica, porém, que nem tudo é negativo no cenário atual. Apesar das dificuldades com a nova política da Casa Branca, os emergentes podem ser beneficiar do processo de “fechamento” da economia americana. O especialista acredita que a redução da participação dos EUA no comércio e na política mundial, caso confirmados, deve abrir espaço para a maior atuação dos emergentes, em especial, da China. E o Brasil deve aprofundar ainda mais as relações não apenas com a economia chinesa, mas também com a Índia e outros países da América Latina. Confira a seguir a entrevista na íntegra:
Investidor Institucional – Explique a tendência de “desglobalização” que o mundo está enfrentando nos último anos.
Marcos Troyo – Há uma verdadeira reversão na lógica do contexto internacional que tínhamos há 25 anos. Naquela época, no início da década de 90, tínhamos um fortalecimento do processo de globalização. Hoje esse processo é questionado pela política industrial de vários países do mundo com o favorecimento de conteúdo local. Isso impõe maiores dificuldades para a circulação de bens, serviços e pessoas. Essa circulação já foi muito maior que hoje.
II – Cite alguns sintomas desse fenômeno anti-globalização?
MT – A ideia de fortalecimento de organismos multilaterais como a ONU ou a Organização Mundial de Comércio tem sido criticada como instituições pouco funcionais. Há o aumento do sentimento e dos valores nacionais. O número de acordos de comércio internacional tem decrescido desde 2009. Ou seja, deixamos de ter uma certeza que tínhamos há 25 anos de que o processo de globalização seria crescente. Hoje vemos um novo sentimento que aponta para a desglobalização.
II – Quais são os fatos históricos que reforçaram o fenômeno de desglobalização nos últimos anos?
MT – Temos alguns marcos muitos claros. Por exemplo, em abril de 2008 houve a quebra do Lehman Brothers, que gerou mais restrições à globalização financeira e aumento das regulações. Houve aumento dos controles macro-prudenciais, maior fiscalização do mercado financeiro. Depois veio 2011, com a crise das dívidas soberanas do sul da Europa, o que levou a uma perda de fôlego daqueles que defendem o processo de integração a partir de Bruxelas, de consolidação da União Europeia.
II – Além da União Europeia, outros blocos também são questionados, não é mesmo?
MT – Sim, também está sendo questionada aquela certeza que tínhamos há alguns anos que o mundo estava se reorganizando em termos de blocos em construção, o Mercosul aqui, a União Europeia lá, o Nafta na América do Norte. Isso era um fenômeno que levaria a impulsionar um processo mais globalizante. Todas essas certezas foram deixadas pelo caminho e agora estamos, eu nem diria com nacionalismos, mas com individualismos nacionais.
II – Em relação aos EUA e Europa temos percebido o aumento da tendência protecionista desde 2008. Como isso afeta o processo contra a globalização?
MT – Tanto os EUA quanto a União Europeia vieram adotando como remédio à crise internacional de 2008 a redução internacional mediante o comércio, com as chamadas salvaguardas comerciais, que cresceu muito nessas duas grandes regiões. O argumento de proteção comercial cresceu muito nos últimos oito anos. Isso acabou revertendo uma tendência histórica e uma discussão defendida pelos EUA que vinha defendendo o livre comércio desde o final da segunda guerra mundial. E a União Europeia também, com exceção do setor agrícola, a Europa sempre defendeu uma grande plataforma de globalização.
II – A decisão de saída da Inglaterra da União Europeia é outro grande marco, não é?
MT – Dentro da tendência anti-globalizante, aparecem dois fortes marcos em 2016, que é a decisão britânica de sair da União Europeia e mais recentemente, a eleição nos Estados Unidos de um candidato que é abertamente contra o comércio internacional e que defende medidas fortemente protecionistas.
II – Então, a vitória de Donald Trump pode ser explicada como expressão dessa tendência de desglobalização.
MT – Realmente o movimento anti-globalização tem na vitória de Trump seu principal símbolo porque ele, não apenas aparentemente fecha a porta para novos acordos, como é o caso do tratado Transpacífico, como também quer rever acordos que os EUA fazem parte há mais de 20 anos, como é o caso do Nafta, o na América do Norte. Também não sei qual é o futuro de outro mega tratado em negociação, entre EUA e Europa. É inegável que a tendência de desglobalização foi reforçada com a vitória do Trump. Isso não vem para o bem dos Estados Unidos e da economia global.
II – Qual deve ser o impacto da eleição do Trump para a América Latina?
MT – Acredito que no comércio funciona mais ou menos como na física em que os espaços vazios tendem a ser ocupados. Acho que pela característica complementar da América Latina, que é tradicionalmente exportadora de commodities agrícolas e minerais, com a economia chinesa, que é exportadora de bens manufaturados e que pode investir na infraestrutura. Acho que China virá para ocupar o espaço. É como se os Estados Unidos estivessem dando para a China as chaves da globalização. E como se dissessem olha, agora toca você, que estou cansado disso. Então, vai haver um distanciamento claro dos Estados Unidos de países por exemplo como México, Colômbia e Chile, se derem com a cara no muro com o mercado americano, vai estreitar os laços com a China.
II – No caso do Brasil também deve haver um fortalecimento das relações comerciais com a China?
MT – No caso do Brasil, que é a maior economia da região, que é um país muito carente de investimentos em infraestrutura. E o segundo lugar onde existe capital em abundância para esse tipo de investimento é na China. Então, acredito que haverá um efeito de substituição, cada vez mais os países da América Latina deverão trocar Washington como bússsola, pela China.
II – Então, a política de Trump terá um efeito positivo para a América Latina?
MT – Não vejo como um efeito positivo. O melhor seria ter todas as opções na mesa. No caso das relações entre Brasil e Estados Unidos é uma lástima observar que as duas maiores democracias do ocidente, as duas maiores economias das Américas tenham um intercâmbio comercial tão pouco expressivo, tão abaixo do potencial.
II – De qualquer maneira, a eleição de Trump deve fortalecer a relação entre os países do BRICs, não é mesmo?
MT – Sim, acho que um dos efeitos colaterais do resultado eleitoral nos EUA é o fortalecimento dos BRICs como aliança. Sem dúvida alguma, os BRICs saem fortalecidos. Para quem achava que os BRICs estavam mortos, pelo contrário, acho que saem fortalecidos com o resultado. Eles se fortalecem como alternativa à política e comércio exterior de países como o Brasil.
II – Além da China, outros países do BRICs como a Índia pode estreitar os laços comerciais com o Brasil?
MT – Claro, que também podemos aproveitar nossa vocação de exportações agrícolas para outros países como a Índia, que é um país em crescimento, é um país gigante que pelo segundo ano consecutivo terá uma taxa de crescimento superior à chinesa. E quando se cresce nessa velocidade a partir de uma base baixa, como é a economia indiana, que é uma economia com renda per capta de três mil dólares, muitos dos esforços da economia vão na direção de aumentar a ingestão de calorias, os investimentos do país em infraestrutura, em construção civil. Tudo isso significa uma grande janela de oportunidades para o Brasil.
II – O que significa a gestão de Trump para os mercados financeiros mundiais? Haverá maior volatilidade?
MT – Sim, deve representar maior volatilidade. Primeiro que não se pode negar a característica pessoal do Trump que é um sujeito instável, mercurial, que se irrita facilmente. Será uma presidência tensa, não apenas em relação ao resto do mundo, mas em relação ao parlamento, com sua própria equipe. Sua gestão na Casa Branca promete ser bastante instável. Depois temos as propostas da campanha de Trump que devem gerar menor lucratividade para as empresas americanas porque a medida que se mexe na cadeia de valor da economia americana para trazer de volta determinadas classes laboriais, isso vai impactar na lucratividade das empresas, o que deve gerar repasses nos preços dos produtos, que pode gerar uma corrida inflacionária.
II – O aumento da inflação deve exigir uma ação do Fed, não é mesmo?
MT – Com a ascensão da inflação, o Federal Reserve (Fed) deve responder com aumento dos juros para combater essa escalada inflacionária. Com o aumento dos juros americanos, isso deve criar uma bomba de sucção da liquidez mundial, impactando o direcionamento de capitais para emergentes, como é o caso do Brasil. Ou seja, deve diminuir a entrada de capitais em mercados emergentes. Imagine companhias como o Walmart ou o Starbucks que tem uma grande cadeia de valor, por exemplo, na China, a medida que se muda a estrutura de fornecimento global, isso terá um impacto muito negativo no balanço patrimonial dessas empresas.
II – Então a China deve aproveitar o vácuo criado pelo cenário pós-Trump?
MT – Acredito que a China, após a reunião dos países que participam do grupo de cooperação da Ásia e Pacífico, dá sinais claros que pretende aprofundar a globalização econômica. China está gostando de jogar o jogo da globalização econômica em uma escala cada vez maior. E será beneficiada da retração cada vez maior dos Estados Unidos na economia global.
II – E como fica a Europa?
MT – A principal incógnita nessa equação é o que a Europa irá fazer. A Europa está com um problema de imigração e ainda não resolveu plenamente os problemas em economias como da Grécia. A Europa tem eleições no ano que vem onde despontam candidatos populistas como na França e na Alemanha. Ou seja, há muitas incertezas na Europa.
II – Quais são as possibilidades?
MT – Temos que ver se a Europa irá também para uma posição mais protecionista ou se vai apostar na abertura de novos canais de comunicação e intercâmbio. Por exemplo, a Europa poderia tirar da gaveta o acordo de comércio com o Mercosul e a União Europeia.
II – No caso de uma tendência de maior abertura da Europa poderia haver benefícios para o Mercosul, por exemplo?
MT – Sem dúvida alguma, há um potencial que os países do Mercosul de fornecer produtos agrícolas para a Europa por exemplo e outras áreas.
II – Que outras iniciativas dos países dos BRICs podem avançam nesse novo cenário que está se desenhando?
MT – Acredito que podem aumentar a carteira do banco dos BRICs, não apenas de recursos colocados pela China, mas também pelo aumento do quadro de sócios, como por exemplo, o México, Indonésia e até Coreia do Sul. Acho que isso pode gerar maior nível de comércio entre os países do BRICs, com a criação de mecanismos de facilitação de comércio, com posições conjuntas na OMC. Podem surgir acordos para incentivar o comércio e investimentos relacionados à infraestrutura, entre outros.
II – Como o processo de ascensão e crescimento da China impacta sobre o cenário mundial?
MT – O curioso é que o processo de ascensão da China nos últimos anos tem um vetor também desglobalizante, que tem a ver com o mecanismo de compras governamentais, como instituto de formação da demanda. A medida que a China usa o poder de compra do governo para formar a demanda, para realizar sua política industrial, isso tem como efeito a concentração de capitais na China. Eu cito o exemplo da Embraer. Vem o governo chinês e diz, quero comprar aviões da Embraer, mas quero que a empresa produza na China. Isso é um vetor de desglobalização.
II – Mas tem outros fatores na economia chinesa a favor da globalização?
MT – Tem elementos que apontam para outra direção. Como os custos lá também estão subindo, as empresas chinesas estão buscando realocar suas produções em outros países com menor custo relativo como a Índia, Vietnã, Miamar, Indonésia. Esse é um fator de globalização, para países de produção com menor custo relativo.