“Tem lugar para todos”

Edição 131

Osvaldo do Nascimento , da Anapp

O novo presidente da Associação Nacional de Previdência Privada (Anapp) passou mais de 20 anos trabalhando na área de telecomunicações do Itaú, desde 1973 quando ingressou na empresa. Com formação em engenharia eletrônica e mestrado em ciência da computação na Universidade de Michigan (EUA), Osvaldo do Nascimento ficou surpreso quando recebeu o convite para dirigir a área de previdência aberta do Itaú em 1995. “Não entendia quase nada de previdência”, revela. A experiência na área tecnológica acabaram facilitando a aprendizagem dos aspectos mais técnicos da previdência, como a atuária e a legislação dos planos.
Em pouco tempo, Nascimento já estava atuando como diretor da Anapp com a incumbência de propor novos produtos para os órgãos reguladores do governo. Por suas mãos passaram importantes projetos que deram origem aos PGBLs e VGBLs, carros-chefe do mercado de previdência aberta da atualidade. Em substituição ao ex-presidente Fuad Noman, ex-Brasilprev, Osvaldo do Nascimento enfrenta um novo desafio em sua carreira no comando da associação que representa as empresas que administram cerca de R$ 30 bilhões em reservas de planos previdenciários.

Investidor InstitucionalComo o sr. avalia o crescimento do mercado de previdência aberta na era FHC?
Osvaldo do Nascimento – Acredito que a premissa básica para o desenvolvimento desse mercado está baseada na estabilidade econômica. Sem isso fica muito difícil desenvolver poupança de longo prazo. Então, o governo FHC trouxe esse aspecto para o setor: a estabilidade econômica. A segunda variável, nesse período, surgiu com as discussões sobre o INSS. No período do governo FHC é que foi desenvolvida a reforma da previdência social dos funcionários do setor privado. Foi uma reforma bastante agressiva, bastante expressiva sob o ponto de vista de impacto. As discussões sobre a reforma da previdência social no setor privado lançaram o tema para discussão da sociedade e a previdência passou a ser elencada pela sociedade como uma das três principais preocupações do brasileiro.

IIQual foi o impacto disso, em termos numéricos, no crescimento da previdência aberta nos últimos anos?
ON – Nos últimos 6 anos, de 1996 até 2002, as reservas da previdência aberta saltaram de R$ 3 bilhões para R$ 30 bilhões, ou seja, cresceram 10 vezes! O setor tem crescido a uma taxa, em termos de receitas, que varia de 38% a 46%. Então, esses fatores foram importantes, mas além deles eu diria que foi muito importante o trabalho desenvolvido pela Anapp.

IIComo o sr. avalia a atuação da Anapp para a modernização do ambiente regulatório e como é a sua relação com a Susep.
ON – Começamos em 1996, quando o mercado ainda tinha planos com grandes dificuldades de serem entendidos pelos clientes. Nós, então, estabelecemos algumas prioridades e acho que a principal delas foi criar produtos de previdência para o mercado que fossem transparentes. Outro ponto que nós definimos como prioritário foi a segregação de ativos. Então, utilizamos toda a estrutura regulatória dos fundos de investimentos financeiros. Passamos a utilizar esse mecanismo regulatório como base para estruturação dos novos planos de previdência, que foram os PGBLs, os VGBLs.

IIComo é que vocês pensaram os produtos para cada tipo de público?
ON – Olhamos a sociedade e perguntamos: o que temos como público-alvo? Temos pessoas que fazem declaração completa de imposto de renda e que, portanto, o apelo do diferimento fiscal é relevante. Então, para esse público a família de produtos acabou sendo o PGBL. E depois, diante do grande número de pessoas isentas, que fazem declaração simplificada porque estão na economia informal, ou que simplesmente não pagam imposto de renda – em uma empresa mais de 85% dos funcionários não pagam imposto de renda –, desenvolvemos a família VGBL. Desenhamos esse produto tanto para pessoas físicas, que são aquelas que fazem declaração simplificada, que estão isentas ou estão na economia informal, como também embalamos na pessoa jurídica que foi algo inovador.

IIComo o sr. analisa as orientações do novo governo na área de previdência e as perspectivas para a previdência aberta?
ON – Eu, pessoalmente, já me encontrei com os ministros Ricardo Berzoini, Jacques Wagner e também com o secretário da Receita Federal, o Jorge Rachid. Acho que o governo está muito preocupado em reformar a previdência do setor público, colocando para o funcionário público que se ele deseja se aposentar com salário da ativa ele deverá fazer uma previdência complementar. Mas parece que isso só pode ocorrer através de fundos de pensão. Nossa visão é que o mercado vai se desenvolver através de todos os veículos de captação: dos fundos fechados, dos fundos multipatrocinados e dos planos de previdência abertos, tanto empresariais quanto individuais. Para mim, vai existir mercado em todos os segmentos. Enxergo o mercado crescendo com diversas opções.

IIO que o sr. acha das propostas de Reforma da Previdência?
ON – Entendo que a previdência social é fruto de um pacto inter-gerações, ou seja, as pessoas que estão trabalhando concordaram em sustentar os aposentados, por isso é que o sistema opera em regime de repartição. Nesse conceito, não resta a menor dúvida que a universalização do sistema seria, até em respeito ao cidadão, mais adequada. Quando ele optou por um pacto, ele não parte do pressuposto de ser tratado de forma diferente dos outros. Acredito que a universalização seria o ideal, mas isso significa mexer no status quo. Isto, sem sombra de dúvida, gera uma discussão porque mexe em expectativa de direito.

IIO secretário de Previdência Complementar já falou em incentivar os fundos de instituidores para atender a um novo público. O sr. não acha que esses fundos concorrem com a previdência aberta?
ON – Não acredito. Os EUA passaram exatamente pelo mesmo processo pelo qual o Brasil passa hoje, só que há 30 ou 40 anos. Lá existem os fundos de instituidores e setoriais de associações de classe e sindicatos, há o individual retirement account e existem os planos de previdência aberta que são os 401k. E o mercado norte-americano cresce em todos os segmentos. Então, os fundos de instituidores têm muito espaço para crescer no Brasil, basta que tenha instrumentos regulatórios adequados.

IINo governo anterior percebemos um avanço muito grande na regulação de novos produtos para previdência aberta, enquanto na área fechada ocorreu o oposto, com o estabelecimento de uma regulação bastante engessada. À medida que o novo governo possa incentivar mais o setor de previdência fechada, o sr. analisa que haveria uma maior concorrência entre as abertas e as fechadas?
ON – Não vejo concorrência, até porque são segmentos distintos. O mercado vai se desenvolver na medida em que todos esses veículos se aperfeiçoarem, se comunicarem, tiverem boa governança. Não vejo o mercado crescer polarizadamente. Vejo crescer como um todo, se houver, tanto da SPC quanto por parte da Susep, um empenho em melhorar a regulamentação, avançar na transparência, aperfeiçoar o tratamento tributário. Nossa previsão é que no governo Lula o índice de crescimento da previdência aberta vai se manter. Até notamos, depois das eleições, de dezembro a janeiro, que o mercado se aqueceu mais. Estamos prevendo que o mercado vai continuar com os índices de crescimento até mais acentuados, principalmente diante de nosso posicionamento de tipificar novos produtos e de dar maior transparência.

IIPartindo de uma análise mais próxima, como o sr. avalia o desenvolvimento do mercado no ano passado?
ON – O mercado cresceu no mesmo ritmo dos anos anteriores. A previdência aberta cresceu 47% em reservas de 2001 para 2002. Em captação, o mercado cresceu 37%, mantendo o ritmo de crescimento. O mercado cresceu mais, fundamentalmente, por ter lançado um produto para os excluídos, o VGBL. O público de baixa renda, que não paga Imposto de Renda, foi o foco do mercado nesse ano. Quando falamos de público de baixa renda estamos falando tanto do público que está nas empresas privadas quanto das pessoas físicas.

IIE no segmento empresarial, qual foi a avaliação do ano passado, que foi marcado pela instabilidade econômica e por ser um ano eleitoral? E quais as perspectivas?
ON – As grandes empresas, diante de um cenário de indefinição política, postergaram suas decisões. As micro-empresas continuaram a vida normalmente porque o mundo para elas está sempre complexo, na realidade, vivem apertadas sempre. As empresas grandes é que recomeçam agora, na medida em que têm uma visão melhor de qual é a estratégia do novo governo. Num cenário em que você tem um alto índice de desemprego, você não tem problema de atrair mão de obra, então a conjuntura atual não favorece muito a grande corporação a fazer plano de previdência. Não favorece porque ela vai ter uma despesa a mais com o objetivo que é atrair mão de obra, mas o mercado tem mão de obra ofertante. Então, realmente o cenário atual não é um cenário que favorece.

IIComo o sr. avalia as perspectivas de migração da previdência fechada para aberta?
ON – A meu ver, assim como a empresa tem a capacidade de fazer um fundo fechado ou um plano aberto, também deveria ter a capacidade de encerrar o fundo e fazer o que ela julga melhor para ela, obviamente dentro das regras em vigor. A forma como a Secretaria da Previdência Complementar vai agir é que vai determinar o crescimento ou o não crescimento do mercado, porque se hoje uma empresa faz uma fusão ou incorporação é muito dificil você trabalhar a questão do fundo de pensão. Então, deve se criar instrumentos regulatórios que facilitem a vida dessas empresas para que isso não prejudique o core business dela. Se não forem criados esses instrumentos, a corporação vai ter a sensibilidade de que aquele veículo de previdência atrapalha o core business dela e aí ela pode achar que é melhor sair daquele veículo e ir para outro. O próprio secretário Adacir Reis comentou, quando assumiu, sobre a falta de equipe que existe na SPC, do quanto os processos são lentos. Quando a empresa percebe que isso começa a criar problema, começa a questionar a decisão dela. Então, eu acho importante a SPC estar instrumentalizada para a dinâmica do mercado, com isso o mercado cresce e você desmistifica a necessidade de ter que sair de um instrumento e ir para outro quando na prática talvez aquele instrumento fosse o mais adequado, mas você está de certa forma limitado a desenvolver o seu core business porque o processo é muito lento.

IIQuais são seus planos no comando da Anapp?
ON – Sempre parto do pressuposto de que todo trabalho que a gente desenvolve no sentido de fazer com que o mercado cresça como um todo, é positivo. Não entendemos que o mercado é só previdência privada aberta. Entendemos que o mercado é um todo, com espaço para fechados, multipatrocinados, instituidores, setoriais e planos abertos. Então, a nossa política não considera que o mundo gire em torno de uma única solução. Temos um foco muito intenso na regulamentação, queremos melhorar a governança corporativa, dar mais transparência e vamos trabalhar fortemente nesses dois quesitos. E cada vez mais na tipificação de novos produtos.

IIQue produtos ainda faltam no mercado brasileiro?
ON – Ainda não há um produto adequado para empresas que fazem balanço pelo lucro simples ou pelo lucro presumido. Acho que é necessário desenvolver produtos para estas empresas. Temos como uma de nossas prioridades trabalhar esse segmento e isso vai envolver obviamente Susep, a Secretaria da Receita Federal e o Ministério da Fazenda.

IISobre a agência única da previdência complementar, qual o seu ponto de vista como representante da Anapp?
ON – Não resta a menor dúvida de que o ideal seria ter um órgão regulador único para previdência complementar. Se você analisar bem, o tratamento tributário hoje é o mesmo, o mecanismo de alocação de ativos, que chamamos a política de diversificação de ativos, hoje é muito parecida e a lei complementar 109 é a mesma. A portabilidade existirá entre os diferentes tipos de fundos. Se a dinâmica desses mercados for bem desenvolvida como é no mercado norte-americano, o mercado como um todo se desenvolve e para isso uma agência, obviamente um órgão único, seria interessante. Resta saber se o governo, hoje, não tem outras prioridades. Não acho que o governo nesse momento se preocuparia com esse assunto, até porque ele tem outras prioridades, como a própria Reforma da Previdência.

IIQueria que o sr. falasse um pouco dos planos do Itaú, da Itauprev para esse ano, quais são as metas e se estão planejando novos produtos?
ON – O Itaú, no ano passado, foi muito feliz. Nós, que começamos em 1996 como a sétima empresa no ranking de previdência complementar, hoje somos a segunda em receita em PGBL. Em VGBL somos a segunda em receita e em reservas. Tivemos um crescimento em receita de 100% em relação a 2001 e as nossas reservas cresceram 87%. Temos hoje uma posição muito forte no mercado, porque a nossa estratégia se baseia em desenvolver produtos para cada segmento. Temos produtos para o varejo, para o mercado de média renda, que é o nosso público personalité e para alta renda. No segmento empresarial também segmentamos e agora temos produtos para micro empresas, médias empresas e para grandes corporações. Adicionalmente, o Itaú tem o seu fundo multipatrocinado.

IIDesde quando está funcionando este multipatrocinado?
ON – Desde que o Itaú comprou a Lloyds Asset Management, incorporamos o Lloyds Multipatrocinado, que trocamos o nome para Fundo Multipatrocinado Itaú. Cabe lembrar que o Itaú, no segmento de fundo fechado, é o maior custodiante e um dos maiores asset management. Prestamos serviços e realizamos a gestão do passivo e outros serviços a participantes. Então, o Itaú opera em todos os segmentos da previdência complementar.