Edição 88
Francisco de Oliveira, pesquisador do IPEA
Para o pesquisador Francisco de Oliveira, um dos mais renomados técnicos de previdência no Brasil, a intenção do governo de taxar as aplicações dos fundos de pensão repete a história do homem que come as sementes para aplacar a fome momentânea, ao invés de plantá-las para esperar que brotem, cresçam e dêem frutos saborosos. Pesquisador do IPEA há 20 anos, Oliveira faz questão de ressaltar que suas posições refletem unicamente opiniões pessoais. Não é por acaso que faz a ressalva, já que nos últimos anos ele foi um dos mais próximos colaboradores do economista André Lara Resende, que desenhou junto com o técnico do IPEA um ambicioso e radical projeto de reforma da previdência. Tão radical e ambicioso que encontrou severos opositores em vários segmentos da sociedade. Ao final, o projeto não emplacou, “por problemas políticos, porque não conseguimos fazer o ministro”, conta Oliveira. Veja, a seguir, os principais trechos da sua entrevista à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – Como você vê essa questão da tributação dos fundos de pensão?
Francisco de Oliveira – Precisamos ver se a tributação vai ser aprovada e a forma como será exercida. Acho que se for aprovada, ninguém vai requerer o pagamento à vista do passado provisionado, que soma algo como RS$ 9 bilhões. Isso obrigaria alguns fundos a desmobilizar patrimônio imediatamente, e isto pode ser complicado para o mercado. Mas o principal problema não são os atrasados, como muitos estão dizendo, mas sim que efetivamente você está taxando uma forma de poupança de longo prazo.
II – Isso pode desestimular o setor?
FO – É claro. Isso é contraditório com toda a orientação que o governo vinha dando até o momento, de isentar as aplicações dos fundos de pensão, tanto que a regra do diferimento já tinha até sido aprovada. Em todos os países em que os fundos de pensão deram certo o sistema de tributação é diferido. Isso nos Estados Unidos, Inglaterra, Holanda e Suíça, por exemplo.
II – Quem, no governo, está pressionando pela taxação dos fundos?
FO – Não sei, mas antes de mais nada é preciso que se diga que essa questão ainda está sob júdice. Portanto, me parece que é um pouco prematuro discuti-la, acho que seria de bom tom aguardar o Supremo se posicionar sobre a matéria.
II – O problema do déficit previdenciário foi resolvido com o fator previdenciário?
FO – Ele vai decrescer durante os próximos anos, mas depois recrudesce para chegar, na minha opinião, a 5% do PIB e na opinião do Banco Mundial a 6% do PIB.
II – Então ele não resolveu o problema?
FO – Não, as pessoas vão retardar a aposentadoria, mas na hora de aposentar vão receber pelo salário cheio. Nós trocamos 5 anos agora por um acréscimo de mais de 40% no futuro. O Banco Mundial também chegou a essa conclusão, que fizemos um mau negócio.
II – Você foi uma das pessoas que ajudou a elaborar o fator previdenciário.
FO – Eu fui um coadjuvante. De fato, já se tinha avançado tanto na questão do fator previdenciário que, sob o ponto de vista da estabilidade macroeconômica, não havia alternativa. Haveria uma crise de confiança se ele não tivesse sido adotado. Então, eu colaborei tecnicamente. Mas acho que o fator contém uma série de falhas técnicas e uma série de problemas.
II – Quais seriam esses problemas?
FO – Digamos que ele é uma fórmula não atuarial, uma fórmula que até contém alguns elementos atuariais, como expectativa de vida, níveis de contribuições etc, mas elas não estão bem definidas. Por exemplo, a expectativa de vida do fator não é a expectativa de vida da massa relevante, que é a massa segurada do INSS, mas a expectativa geral de vida Brasil.
II – O emprego informal continua crescendo no Brasil. Quais as conseqüências disso para a previdência?
FO – É verdade, o PIB está crescendo mas o emprego formal continua estagnado. Não vou nem ousar traçar as consequências disso na questão do déficit da previdência, porque seria catastrófico. Mas é claro que, com estes custos trabalhistas e previdenciários que nós temos, o emprego informal vai crescer.
II – Isso pode fortalecer os fundos de pensão por instituidor?
FO – Veja que você tem dois tipos de informalidade no emprego, uma a informalidade da pobreza, que não tem direito nenhum, e a outra a da classe média, que prefere receber por fora e investir num fundo de previdência complementar. Talvez a criação da figura do instituidor, instituições ligadas a associações de classe, sindicatos etc seja realmente um grande impulsionador dos fundos de previdência.
II – Você se refere aos fundos fechados?
FO – A rigor, essa questão da previdência aberta ou fechada vai ficar cada vez mais fluída. A figura do instituidor já é um meio de campo para isso, porque num fundo fechado você tem um patrocinador que tem responsabilidade solidária com o fundo, mas quando você tem só um instituidor, que não faz aportes, ele não tem essa responsabilidade. Então, o instituidor é simplesmente um facilitador, ele não é o catalisador desse processo como é o patrocinador.
II – Semelhante ao papel de uma empresa de previdência aberta?
FO – A sua responsabilidade é semelhante à da empresa de previdência aberta. De fato, você está aproximando estes dois universos, o que é muito saudável. Então, acredito que essas novas modalidades de previdência complementar melhoraram muito.
II – Fala-se em dar algum tipo de incentivo presente ao funcionário público, algum dinheiro hoje, para ele renunciar à aposentadoria integral no futuro. Você acha que funciona?
FO – Funciona. É no inverso que ninguém acredita, em promessas de dinheiro no futuro.
II – O governo diz que quer incentivar o mercado de capitais mas, com a outra mão, tenta matar o negócio dos fundos de pensão, que é quem poderia alavancar esse mercado. Por que isso acontece?
FO – São dois interesses conflitantes, já deu para perceber. De um lado tem a busca do desenvolvimento sustentado que, não tenho nenhuma dúvida, será lastreado pelos investidores institucionais. Se a gente quer uma economia com grau de eficiência, sem os erros dos bancos estatais que têm uma série de investimentos mal feitos, de baixíssimos retornos econômico e social, diga-se de passagem, precisamos das poupanças previdenciárias. De outro lado tem o “olho gordo” do Estado, e aí é que mora o perigo, pois começa a querer taxar e aí acaba matando o que estava dando certo, acaba matando a galinha dos ovos de ouro.
II – O desenvolvimento do país dependeria, em última instância, dessa poupança previdenciária?
FO – Sim, mas deixa eu explicar em que sentido. Para crescer ao nível de 5% precisamos aumentar drasticamente o nível de poupança interna, colocar 5 ou 6 pontos percentuais na taxa de poupança, o que é complicado porque significa alterar radicalmente o comportamento dos agentes, que são as famílias, as empresas, etc, levando-os a pouparem muito mais. Mas isso você não consegue por decreto, você só consegue por reformas estruturais, e leva tempo. A outra forma de crescer seria o governo fazer uma poupança dessa magnitude, mas para isso precisaria gerar superávits primários, que é também muito complicado. Então, o que você tem no curto prazo é aumentar dramaticamente a produtividade da alocação da poupança já existente, o que você consegue, pelo menos pela minha ótica, pelo aprofundamento da atuação dos investidores institucionais no mercado, ou seja, expandindo o seu campo de atuação.
II – Em algumas áreas específicas?
FO – Não, de uma forma descentralizada e pulverizada, mas ao mesmo tempo com perspectivas de aplicações mais de longo prazo, buscando melhores taxas de retorno agregada. Então, você não altera o nível de investimento, você altera o retorno que esse mesmo investimento vai dar.
II – Comenta-se num compromisso de colocar os R$ 9 bilhões em impostos provisionados em aplicações de interesse do governo, caso seja mantido o diferimento do imposto de renda. O que você acha disso?
FO – Isso é péssimo. Isso desvirtua completamente o objetivo do fundo de pensão, de garantir a segurança e a rentabilidade de seus participantes. É justamente a somatória das ações isoladas de cada fundo de pensão que tem sustentado a revolução tecnológica no crescimento da economia americana. Não é a revolução da Internet, existe uma revolução do capitalismo que é a revolução dos fundos de pensão. Hoje em dia as famílias americanas possuem grandes ativos, não só diretamente mas através dos seus fundos de pensão.
II – Você trabalhou no projeto do André Lara Resende, de uma reforma profunda no sistema previdenciário brasileiro. Por que esse projeto foi abandonado?
FO – Foi por uma questão política, não foi por uma questão técnica. Em última instância, o que faltou foi nomear o ministro. O projeto estava basicamente pronto, mas para executar precisava ter à frente do ministério alguém que estivesse comprometido com o projeto, o que não ocorreu. Houve um acidente de percurso, de natureza política. Corre um folclore que havia despesas muito concentradas, os chamados custos de transição, mas tudo isso é folclore, é besterol. Havia sim, mas isso não é um impeditivo. Na verdade, você reconhecia a despesa, mas não desembolsava imediatamente.
II – O fator principal da reforma radical da previdência não avançar foi a questão política?
FO – Sim, foi a questão política. Não havia nenhuma chance de se implantar um projeto desse se não houvesse solidariedade absoluta da parte do ministro da pasta.
II – Como você analisa a Resolução nº 2.720?
FO – É uma pedra. As intenções são muito boas, tem vários pedaços bons, busca criar mecanismos de transparência, mas aumenta muito os custos, obriga os investimentos em ações de alta liquidez e limita os investimentos em média e baixa liquidez, que seria onde os fundos de pensão poderiam investir, por serem de longo prazo e poderem ajudar a maturar investimentos. É um grau de ingerência muito forte no mercado. Eu acho, particularmente, que foi um exagero. Em última instância, ela gostaria de ter coisas do tipo asset liability matched, que quer dizer casar ativos com passivos, mas isto é um negócio totalmente utópico no Brasil.
II – Porque é utópico?
FO – O Brasil não tem mercados comprados, então como é que você vai fazer um casamento entre as duas? Quando você fala em minimizar riscos você está brincando, entende. Por vários motivos, até porque quando se fala em mercado acionário você está falando de um mercado acionário altamente concentrado.
II – Você acha que deveria ter mais liberdade para os investimentos dos fundos de pensão?
FO – Não tenho nenhuma dúvida sobre isso. Deveria ter menos controle e mais responsabilização do administrador, o que no exterior é chamado de ‘a regra do homem prudente’. A regra do homem prudente te dá cada vez mais liberdade, não há nenhuma restrição, mas primeiro você tem que dizer o que vai fazer e, em segundo a responsabilização do administrador é total.
II – É a ‘regra do homem imbecil’?
FO – Foi assim exatamente com o império colonial português, que quebrou porque tinha regras até não poder mais. Na época tinha 400 mil regulamentos editados pelo império sobre o comércio, enquanto isso os anglo-saxões condecoravam os piratas.