Edição 139
Norman Sorensen, da Principal International
A Principal Financial Group, sócia do Banco do Brasil na Brasilprev, é uma das mais importantes empresas do mundo com atuação no segmento de previdência. A empresa administra nada menos de US$ 128 bilhões em recursos previdenciários, atuando em 12 países, na maioria sozinha, mas em três ou quatro deles através de parcerias como a que tem no Brasil com o BB. Para o presidente da Principal International, Norman Sorensen, que esteve no Brasil ao final de setembro, para discutir com os sócios brasileiros os rumos da Brasilprev, a reforma da previdência implementada pelo governo Lula errou ao impedir que os futuros fundos de pensão públicos, da União, estados e municípios, possam optar por fazer seus planos a partir da previdência aberta. “O servidor deveria ter a liberdade de escolher outros planos de previdência privados que existem no sistema atual (além do fundo público). Pelo texto da reforma, essa liberdade não existe”, criticou Sorensen.
Em entrevista à Investidor Institucional, ele falou dessa e de outras questões, como a questão política brasileira. Segundo Sorensen, o governo Lula está conseguindo implementar a agenda de reformas apesar das limitações que elas apresentam em alguns aspectos. Segundo ele, em alguns anos a reforma da previdência terá que ser aprofundada.
Ainda sobre o governo Lula, ele diz que o atual presidente “não teve de reestruturar a economia porque ela já estava inserida na economia global. Lula herdou uma economia relativamente bem sucedida, com os acordos com o FMI sendo cumpridos, metas sendo cumpridas e por isso ele não teve que repavimentar a rodovia sem interromper o trânsito”, como o Fernando Henrique teve que fazer. Na sua opinião, FHC pegou uma economia que “não era bem planejada, era hiperinflacionária, indexada, e que não fazia parte de uma economia global. O presidente anterior teve que mudar a economia brasileira nos primeiros 3 ou 4 anos, para criar uma economia global, e no segundo mandato, em que deveria fazer as reformas necessárias, o cenário não ajudou. Havia a intenção, mas o cenário não ajudou”, diz Sorensen.
Veja, a seguir, os principais trechos da sua entrevista à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – Como o sr. analisa a situação do atual governo, por conta das reformas previdenciária, tributária que foram aprovadas nos poucos meses do atual governo – reformas estas que o governo anterior não alcançou esse sucesso?
Norman Sorensen – O governo anterior tinha problemas estruturais para resolver, a economia brasileira, na visão de um investidor estrangeiro, tem apenas 9 anos; a economia brasileira antes de 9 anos atrás não era bem planejada, era hiperinflacionária, indexada, e não fazia parte de uma economia global. O presidente anterior, Fernando Henrique Cardoso, teve que mudar a economia brasileira, nos primeiros 3 ou 4 anos, para criar uma economia global. O presidente Lula não enfrentou esse mesmo problema, ele não teve de reestruturar a economia porque ela já está inserida na economia global. Lula herdou uma economia relativamente bem sucedida; os acordos com o FMI estão sendo cumpridos, as metas estão sendo cumpridas, significando que o presidente não precisou repavimentar a rodovia sem interromper o trânsito. O segundo mandato do presidente Cardoso procurou naturalmente mudar a filosofia desse cidadão brasileiro sobre a poupança interna do país, o mercado de capitais, a moeda e a própria economia. Em termos geo-políticos ele ficou sem tempo para essas mudanças; se ele tivesse tido mais 1 ou 2 anos, isso aconteceria. Havia a intenção, mas o cenário não ajudou. Já o presidente Lula teve a oportunidade e herdou uma economia relativamente boa. Mesmo assim, apesar dos esforços as reformas enfrentam a influência política de vários setores da economia que não querem abrir mão de sua situação individual para beneficiar o país. É muito egoísmo de certos setores que ainda não têm a consciência que gostaríamos de ver.
II – Qual sua opinião sobre a reforma da previdência?
NS – Estamos estudando as suas conseqüências mas, como ela ainda não foi finalizada, não é profissional que eu me pronuncie. Tomara que ela seja aprovada até o final do ano, mas acho que ela é incompleta e insuficiente.
II – Incompleta e insuficiente? Porque?
NS – Porque não permite ao servidor escolher a forma de se proteger no futuro. O servidor não deveria estar abrigado dentro de uma fórmula só, que é o fundo de complementação de natureza pública. A falta de opção do servidor, que está impedido de eleger um plano de previdência que seja diferente da previdência sugerida pelo governo, é um erro.
II – Como seria, na sua opinião, a melhor forma de resolver essa questão?
NS – É muito simples. Em todas as democracias do mundo os servidores têm perfeita liberdade para definir como vai ser a sua previdência, se será privada ou pública. Acima de um certo limite, para a qual valeria um plano básico da previdência pública, o servidor deveria ter a liberdade de escolher outros planos de previdência privados que existem no sistema atual. Pelo texto da reforma, essa liberdade não existe.
II – Sua avaliação da reforma é bastante crítica. Que outros problemas apresenta a reforma?
NS – Em primeiro lugar, tem essa questão da falta de liberdade para escolher os planos depois da previdência básica, depois do teto de R$ 2.400,00 que ficou colocado. Essa é uma questão importante, mas além dela têm também outros aspectos técnicos que, na minha opinião, vão ter que ser modificados nos próximos anos.
II – Quais são esses aspectos técnicos?
NS – Um deles é a falta de um regulamento em termos de administração e gestão dos ativos dos fundos públicos, quer seja do município de Ribeirão Preto ou de uma pequena cidadezinha. Então, essa é uma questão técnica importante: falta regulamentação. Nos Estados Unidos, a General Motors teve que colocar US$ 13 bilhões no ano passado no seu fundo fechado e ainda está devendo US$ 6 bilhões! O buraco, portanto, era de US$ 19 bilhões, somente de uma companhia. Então, cuidado, porque uma omissão nessa área de regulamentação pode resultar num problema técnico-atuarial no futuro, um problema como foram os montepios no passado. E um segundo aspecto técnico que não foi contemplado, mas que nós achamos muito importante para a reforma previdenciária, é a equalização entre as condições de competição da previdência privada, da indústria aberta e da indústria fechada.
II – Na sua opinião, essas falhas exigiriam que a reforma fosse aprofundada numa segunda etapa?
NS – O governo vai precisar fazer uma reforma 2, seja nesta administração ou na próxima. Para evitar, por exemplo, que ocorram problemas de má gestão ou falta de regulamentação em algum fundo de complementação de estado ou município e que isso chegue a afetar os benefícios de 10 mil ou 20 mil pessoas. Então, essa primeira reforma, infelizmente, teria de ser repensada. O governo tem inteligência suficiente para saber que esses ajustes têm de ser feitos.
II – Sim, mas sabemos que a reforma da previdência é um assunto difícil de ser resolvido no mundo todo. Também os países da Europa estão tentando reformar sua previdência e encontram todo tipo de dificuldades, o que mostra que esse não é um assunto simples. Não basta querer.
NS – É verdade. Mas a boa notícia é que o Brasil não tem os problemas de população demográfica que a velha Europa tem. A demografia brasileira tem ainda uma população relativamente jovem. Já a Alemanha, França, Itália e Espanha têm populações que não estão crescendo, estão cada vez mais idosas e seus fundos fechados de benefício definido são verdadeiras bombas-relógio. Os governos já não têm capacidade para cumprir as promessas que fizeram no momento em que os servidores estavam na ativa. Os déficits que os europeus estão enfrentando, nesse momento, na previdência pública, são espantosos. E são justamente esses déficits que o governo brasileiro poderia evitar, para o futuro, com uma reforma bem feita.
II – Quer dizer, nesse aspecto temos uma vantagem em relação aos europeus?
NS – Sim, e o governo brasileiro já deu o primeiro passo da reforma, o que é bom. Precisa aprofundar, e nisso ele é ajudado pela demografia, que apresenta um bom nível para os próximos 10 anos. A situação demográfica brasileira ajuda, porque a relação entre jovens ativos e funcionários próximos da aposentadoria ainda é favorável.
II – Mudando um pouco de assunto, quais são os planos da Principal para o Brasil?
NS – Nós temos uma parceria muito bem sucedida com o maior banco do Brasil, o Banco do Brasil, que está comprometido estrategicamente com a Brasilprev. Nós também temos um compromisso estratégico com o Brasil e com o Banco do Brasil, e achamos que os nossos planos, dentro de 5 ou 6 anos, serão de estar batendo na porta do varejo oferecendo previdência privada.
II – A Principal adota essa estratégia de parcerias também em outros países?
NS – Nós temos parcerias similares em vários países do mundo. Na Malásia, por exemplo, firmamos uma parceria de previdência privada com o segundo maior banco do país, que é o Commerce Bank; na Índia, segundo país mais populoso do mundo, a Principal tem uma parceria em joint-venture com o segundo e com o quarto maiores bancos do país, que são o Pungab National Bank (PNB) e o Vijaya Bank. O PNB possui 4.500 agências e atende aproximadamente 33 milhões de clientes, enquanto o Vijaya Bank tem cerca de 1.000 agências e atende aproximadamente 4 milhões de clientes. No Japão temos um joint-venture com o ING, que é uma companhia mundial de previdência privada. Temos, então, parcerias com bancos e instituições financeiras em três ou quatro países do mundo.
II – Quanto a Brasilprev administra em recursos previdenciários no Brasil?
NS – Nós temos R$ 4,5 bilhões em reservas de previdência privada e 1 milhão de clientes, um incremento de 20% em relação ao ano passado.
II – Aquilo que o sr. aponta como falhas da reforma da previdência, podem comprometer esse crescimento da empresa?
NS – O Cássio Casseb, presidente do Banco do Brasil, e eu, temos procurado falar com pessoas próximas da reforma previdenciária para relatar algumas das experiências que a Principal já vivenciou fora do Brasil. Queremos mostrar que o Brasil é parte de uma economia global e não pode ficar isolado em termos de previdência privada. Esse primeiro passo dado pelo governo, com a aprovação da reforma no Congresso, corrigiu certos problemas fundamentais de déficit, como os gerados pelas aposentadorias precoces dos servidores. Eram aposentadorias totalmente generosas e que estavam quebrando a economia do país! Isso, pelo menos, já foi corrigido e tomara que a reforma saia aprovada no Senado antes do fim do ano.
II – E se não sair?
NS – O investidor estrangeiro vai ver isso muito negativamente. O investidor estrangeiro está confiando na aprovação dessas reformas, pois é tão evidente que isso tem de ser feito no país.
II – E a reforma tributária, como o sr. vê essa questão no Brasil?
NS – O sistema tributário brasileiro é oneroso e complicado demais. Eu achava que o sistema tributário norte-americano era o mais complicado do mundo. Errei! Para entender o sistema tributário brasileiro precisa ter doutorado em economia. Então, isto tinha de ser corrigido. Mas vejo que a reforma previdenciária é realmente o alvo principal do presidente e admiro-o por fazer força para aprová-la. Tomara que ele consiga isso rapidamente.
II – O sr. acha possível alterar o ponto que impede as empresas abertas de previdência de atuarem junto aos fundos de pensão públicos?
NS – Duvido que isso aconteça e que o Senado, ou mesmo a Câmara, estejam realmente interessados em dar ao servidor a opção de escolher a melhor forma de fazer a sua previdência complementar. Mas seria o ideal.
II – Porque o sr. enfatiza tanto essa questão de permitir ao funcionário público escolher que tipo de previdência complementar fazer? Isso faz muita diferença, do ponto de vista da formação da poupança interna do país?
NS – Veja, a economia brasileira tem só 9 anos de estabilidade, é uma economia nova. A confiança no país, nas instituições, na moeda, na previdência, no INSS, tudo é novo. Tem pessoas de 40 a 50 anos que ainda não têm confiança nesses processos, então acho que a reforma seria bem mais sucedida sem forçar em uma só solução. Mas acho que vamos ter que esperar, daqui a um ano, um ano e meio, para ver como a coisa vai ser demonstrada em sua liquidez. O que torço é que o regulamento, a fiscalização desse segmento de previdência pública seja tão boa quanto a que a Susep está fazendo com as companhias de previdência aberta. Todos os nossos passos, a cada semana, cada mês, cada semestre, cada ano são publicados, são transparentes, todas as reservas estão aí. O indivíduo sabe que o dinheiro está aí e se ele fez uma má escolha em termos de investimento, seja em renda fixa, variável, soberano, dinâmico, agressivo, etc, ele pelo menos, sabe onde o dinheiro está aplicado.
II – O sr. apontou os problemas da reforma. E qual é a sua parte boa?
NS – A parte boa da reforma é muito simples. Ela conseguiu fazer certa equalização, embora insuficiente, mas que já nivelou um pouco melhor as idades de aposentaria. Ela terminou com aquela farra de permitir que um servidor público se aposentasse aos 45 anos, com 100% do seu último salário, por exemplo. Isso são coisas que o governo fez de muito bom. Também teve o aumento do teto para R$ 2.400,00 que irá produzir reflexos positivos em termos de déficit do governo, porque vai arrecadar mais e reduzir o déficit. Mas essa questão do teto tem também aspectos negativos e um deles é que vai tirar recursos do consumidor, dentro de uma economia que está meio estagnada. O segundo aspecto negativo é que as obrigações vão ser muito maiores dentro de 15 anos. Mas, até lá…