Rumo ao PIB negativo | Aperto fiscal e monetário jogam PIB para b...

Edição 267

Com 24 membros, alguns ex-diretores do Banco Central e maioria de economistas-chefe dos principais bancos brasileiros, o comitê macroeconômico da Anbima vem reduzindo as projeções para o crescimento do PIB brasileiro em seus últimos encontros. Na mais recente reunião realizada no final de janeiro, reduziu de 0,6% para 0,2% e, seu presidente, Marcelo Carvalho, economista chefe do BNP Paribas, indica que a tendência de queda deve continuar. “Podemos ter uma projeção negativa sim. Não me surpreenderia se na próxima reunião chegarmos a isso”, diz o economista com PhD pela Universidade de Illinois, com passagens pelos bancos Morgan Stanley, J.P. Morgan e Bank of America, além de ter sido diretor do FMI.
Em uma entrevista para a Investidor Institucional, em que participou também o vice-presidente do comitê, o economista chefe da Bram, Fernando Honorato Barbosa, os dois executivos traçaram um cenário sombrio para o PIB brasileiro em 2015. Fatores como o ajuste fiscal e o aperto monetário, além do reajuste dos preços administrados, apontam para um cenário recessivo convivendo com uma inflação acima do teto. Mas nem tudo é pessimismo na projeção dos economistas. O programa de afrouxamento monetário do Banco Central Europeu e as medidas da nova equipe econômica, apesar de amargas no curto prazo, são fatores que dão uma ponta de otimismo, ainda que os resultados apareçam apenas em 2016. Confira e entrevista:

Investidor InstitucionalComo tem sido o processo de revisão do crescimento do PIB do Brasil nas últimas reuniões do comitê macro da Anbima?
Marcelo Carvalho – As revisões têm sido feitas em uma direção claríssima, para baixo. Há várias reuniões isso vem acontecendo. E tem sido revisões expressivas, a última de 0,6% para 0,2% ao ano. E esse número é de consenso, é a mediana, por isso representa uma diversidade grande. Para chegar a isso, quer dizer que tem vários membros no território positivo e vários outros, no negativo. O teor e o humor do grupo indica um viés de baixa. Não me surpreenderia se na próxima reunião do comitê tivermos números menores.

IIVocê prevê então que as próximas projeções podem apontar para um cenário de recessão?
MC – Sim, podemos ter uma projeção negativa sim. Não me surpreenderia se na próxima reunião chegarmos a isso. Na última reunião já vários membros apontavam para um cenário negativo para o PIB de 2015. De lá pra cá, alguns dos membros do comitê divulgaram novas projeções em suas instituições já no campo negativo. Parece razoável imaginar que o consenso será para baixo. Claro que tem um debate semântico sobre o que é recessão, se é apenas dois trimestres seguidos com PIB negativo ou se importa o resultado do ano como um todo, mas claramente o teor do debate no comitê e a realidade dos números, sugere um quadro muito difícil.
Fernando Barbosa – O critério técnico para a recessão é o PIB negativo em dois trimestres seguidos. Tem alguns outros critérios mais amplos, considerados pelo Codace, Comitê de Datação de Ciclos, que leva em conta não apenas o PIB negativo em dois trimestres, mas depende também do emprego, do investimento, da indústria. Mas enfim, temos uma projeção que aponta para um quadro recessivo. Mesmo que o PIB seja 0%, também indica um quadro com contornos recessivos.

IIQuais os principais fatores que estão pressionando o PIB para baixo?
MC – Eu destacaria alguns fatores que estão pressionando para esse viés de baixa. Primeiro é o aperto da política econômica, quando digo isso, é a política econômica e a fiscal. Em ambas políticas, o grupo do comitê acredita que haverá maior aperto. O consenso aponta que o juros ainda ia subir, antes da última reunião do Copom, como realmente subiu. E o resultado da mediana é que sobe ainda mais. Então tem o fator de aperto de política monetária. O outro fator é o aperto fiscal. Felizmente há o aperto fiscal, é uma política que caminha na direção contracionista e reflete a credibilidade da equipe de Joaquim Levy a frente do Ministério da Fazenda.

IIO ajuste fiscal é um fator positivo, mas que pressiona o PIB para baixo, não é mesmo?
MC – Sim, digo felizmente do ponto de vista da manutenção do grau de investimento, é uma correção necessária. É contraditório porque no final das contas será positivo, mas é muito ruim para a atividade no curto prazo. Ou seja, é ruim hoje, mas será bom amanhã. Outros dois fatores que jogam contra a atividade do PIB é o risco de racionamento de energia e água e por último, o efeito da Petrobras.

II E a previsão de inflação também foi revista para acima do teto da meta, para 6,82%. Quer dizer que o aperto monetário continua?
MC – É verdade, a previsão é que não só ficaremos acima do centro da meta, mas acima do teto da meta, com mais de 6,5%. É um resultado impressionante, porque estamos no começo do ano, ainda no mês de janeiro, quase ninguém acredita que vamos ficar dentro da banda de inflação. E o contexto pra essa revisão, claramente tem a ver com o reajuste de tarifas, eletricidade em particular. Claramente tem o reajuste de tarifas que foram represadas no passado e que foram liberadas agora. De novo, no médio e longo prazos tem que ser isso mesmo. O caminho é esse mesmo, é correto, tem que fazer o ajuste tarifário, ninguém discorda disso, que o pessoal está chamando de realismo tarifário.

II Mas no curto prazo gera maior pressão inflacionária?
MC – Claro, no curto prazo tem uma implicação para pressionar a inflação para cima. Esse realismo tarifário que fez todo mundo rever as projeções de preços administrados, o que impactou a inflação para 2015. Para o ano que vem, a inflação será um pouco menor, mas poucos acreditam que a taxa vai ficar em 4,5%. O consenso indica algo entre 5% e 6%. Mas o que é mais certo é que este ano passa do teto da meta, o que quer dizer que o Banco Central ainda tem muito serviço para fazer.

II Em relação aos fatores externos, há algum deles, como por exemplo, o programa de afrouxamento quantitativo (QE) do Banco Central Europeu pode ajudar a dinamizar a economia dos países emergentes e do Brasil?
MC – Pode sim, pode ajudar. Tem fatores externos que podem atrapalhar, mas tem outros como o movimento do Banco Central Europeu, de afrouxar as condições monetárias, pode sim, ter uma vazamento de fluxo de capital para os países emergentes, para o Brasil inclusive. Do outro lado, há a expectativa que o Banco Central americano, o Fed, suba os juros. Tem um debate lá de quando isso vai ocorrer. Alguns acham que será em meados do ano, outros que ocorrerá mais no segundo semestre e outros que acham que será no ano que vem. Mas que está a caminho, ninguém tem dúvida.

II São movimento contrários entre o Fed e o BCE, não é mesmo? O que vai predominar?
MC – Sim, há um debate sobre o que vai predominar, se é o Fed que está apertando ou se é o BCE que está aliviando. Na verdade, pode até ter os dois efeitos: em um primeiro momento um alívio e depois um aperto. Outro fator importante no cenário global é o preço das commodities, não apenas petróleo, que despencou nos últimos meses, mas o preço de commodities em geral, principalmente daqueles produtos que a gente exporta, soja, minério de ferro, que também estão caindo.

II O que mais afeta o preço das commodities neste momento, é o menor crescimento da China em comparação com anos anteriores?
MC – Tem vários fatores impactando, um deles é o próprio dólar que vai aumentando. Enquanto o dólar se fortalece em todo o mundo, se fortalece em relação a algumas moedas contra outros ativos financeiros como as commodities. Mas o fator mais importante, realmente, é a China, e todas as projeções indicam que a economia chinesa vai crescer menos nos próximos anos. O número varia, mas todos têm a mesma direção. Então, é difícil ser otimista com o fator China.
FB – O cenário para os emergentes poderia ser pior. Se fosse desenhar o cenário ao longo de 2014 para os emergentes, 2015 poderia ser pior. O Fed poderia subir os juros mais precocemente. Com a subida do juros americano e a queda das commodities, criaria um ambiente muito ruim. Mas depois veio o quantitative easing europeu, que comprou tempo para os emergentes. Deu uma certa folga, certo alívio, até para a China, que vinha em desaceleração.

II E o programa do BCE surpreendeu pelo tamanho e pela duração?
MC – Surpreendeu sim, mais de um trilhão de euros, e pode ser mais. Tem uma questão de quanto disso já estava na conta. Mas de modo geral, acho que sim surpreendeu pelo tamanho e pela duração também, por mais de um ano e pode ser mais tempo também.
FB – Realmente surpreendeu, também tinha o programa do Banco Central Japonês (BOJ) e o Fed que estava reduzindo. Daí veio o Banco Central Europeu que pensou, tem que ser um programa arrasa quarteirão. E o BCE estava flertando com a deflação e no fundo, eles não podiam errar, não podia parecer hesitantes. E o impacto sobre o euro foi impressionante, e faz parte do tamanho do ajuste.

IIQuais são as projeções para o câmbio, em relação ao dólar e ao euro?
MC – Neste caso, cada casa tem uma projeção. Mas em geral, vemos uma projeção de desvalorização cambial daqui até o fim do ano. O resultado será um real mais desvalorizado. Até porque existe uma ideia que o dólar está se valorizando no mundo inteiro. O dólar está cada vez mais forte, com crescimento da economia americana mais acelerado, com perspectiva de aumento do juros em algum momento, isso tudo favorece que o dólar se fortaleça. A própria volatilidade desse mercado já mudou de figura. A volatilidade que era muito alta já mudou, a volatilidade implícita desses mercados muda quando tem esse tipo de evento.

IIO cenário atual de juros lá fora é de taxas baixas nos países desenvolvidos e vários países passaram a cortar também. Por que o Brasil está na contramão?
MC – É verdade, vários mercados já cortaram, o Peru, alguns países da Ásia. Em parte relacionado ao movimento do BCE, e parte não. Aqueles que podiam cortar juros, foram em frente. O Brasil fica na contramão, porque estamos em situação diferente. Assim como estávamos em situação diferente quando cortamos expressivamente lá atrás. E agora temos uma situação muito diferente em relação à inflação. No resto do mundo se debate o risco de deflação. Isso que o BCE está tentando combater, ainda mais com o petróleo em queda. No Brasil a situação é outra. Aqui tá pegando fogo.
FB – Tem uma análise de um banco grande, que não gostaria de citar o nome, mas que dos 22 mercados que ele monitora, 12 vão cortar os juros, 9 vão manter e apenas um, deve aumentar. Por acaso é o Brasil.

II E com o aumento da liquidez mundial e os resultados do ajuste fiscal aqui dentro, os juros mais longos não tendem a recuar?
MC – Sim, tendem a recuar. Agora o juros mais longo é bem diferente do juros mais curto. O juros mais longo reflete a perspectiva de risco país, a perspectiva de rating e o ajuste fiscal. A ponta mais curta do juros reflete o que o Banco Central está fazendo para segurar a inflação. Algumas vezes vão em direções contrárias. Neste momento, podemos ter um aumento mais agressivo do juros curto, com a queda do juros longo. Você tem um Banco Central mais comprometido com o controle da inflação. São dinâmicas diferentes. Então, o ajuste fiscal contribui para derrubar a ponta longa do juros, mas cabe à autoridade monetária que o juros curto suba bastante pra segurar a inflação.

IIComo os economistas estão recebendo as medidas anunciadas pela nova equipe econômica? O mercado continua recebendo positivamente?
MC – Temos recebido muito bem. Há um enorme otimismo e torcida pelo Joaquim Levy e a nova equipe econômica e há uma convicção muito maior que o ajuste fiscal é possível com esse time. Então, a leitura é muito positiva. Claro que os desafios são muito grandes. Por outro lado, não é fácil imaginar alguém mais bem qualificado que o Joaquim (Levy) pra fazer o ajuste com crebibilidade.

IIVocês acreditam que a nova equipe econômica vai continuar atuando com autonomia?
MC – Repito o que o próprio Joaquim (Levy) respondeu quando fizeram essa pergunta para ele. Respondeu que a autonomia será verificada no dia a dia. Até agora tivemos um conjunto de medidas que foram aceitas e são corretas. São medidas tanto do lado da arrecadação quanto dos gastos que são corretos.
FB – A cirurgia é difícil e o paciente está debilitado. Mas o cirurgião é competente. O resultado da cirurgia vamos descobrir daqui algum tempo. O pós-operatório também será importante.

IIVocê acredita que o início da atuação da nova equipe econômica já está ajudando a reduzir o risco de perda do grau de investimento para o Brasil?
MC – Sim, está ajudando muito. No mínimo postergou e até pode evitar o downgrade da nota das agências. O risco ainda existe, ainda há a expectativa do que as agências vão dizer da dinâmica da dívida, da atividade econômica, do resultado fiscal. Então, se você tiver um ano de ajuste com atividade baixa e o resultado fiscal ainda aquém do necessário, mas apontando na direção de um futuro melhor, acho que as agências de risco devem ter a tendência de dar ao Brasil o benefício da dúvida. Elas devem esperar para ver se a mudança é realmente para valer. No cenário anterior, o risco era iminente. Agora com a nova equipe você reduziu e talvez consiga evitar.