Edição 289
“Vamos devagar que eu tenho pressa”. A frase é do Ministro da Fazenda Henrique Meirelles, mas bem que poderia ser o lema da equipe responsável pelo PPI, programa que tem a missão de destravar as concessões e o financiamento da infraestrutura no Brasil. Comandado pelo agora ministro Moreira Franco, o novo programa quer superar as dificuldades enfrentadas pela gestão anterior, de Dilma Rousseff e Joaquim Levy, que não conseguiram impulsionar o programa anterior, o PIL – programa de infraestrutura e logística.
Marcelo Allain, secretário para articulação de investimentos e parcerias do PPI, explica que uma das diferenças essenciais do novo programa em relação ao anterior, são os prazos para a análise e apresentação das licitação até a realização do leilão. Antes eram 30 a 45 dias e agora, no mínimo 100 dias. Com os prazos anteriores e com dificuldades básicas que iam desde a inexistência de materiais em inglês (apenas em português) até a falta de estudos detalhados sobre os riscos jurídicos, de engenharia e ambientais, o resultados é que as operadoras e investidores internacionais acabavam desistindo de participar dos consórcios e do financiamento dos projetos.
Ex-executivo do Barclays e ex-consultor do governo do estado de São Paulo, Allain tem longa trajetória tanto no setor privado quanto na área pública e acredita que os fundos de pensão domésticos devem começar a participar também no financiamento dos futuros projetos. O secretário acredita, porém, que essa participação se dará principalmente através da dívida, de debêntures com garantias mais fortes e não diretamente no equity. Leia entrevista exclusiva na íntegra:
II – O que muda no programa de concessões do governo Temer em comparação com o programa da gestão anterior de Dilma Rousseff e Joaquim Levy?
MA – Estamos mudando totalmente a forma como são realizadas as concessões no que diz respeito à governança e ao modelo de financiamento. No passado, as concessões eram feitas com certa pressa, de maneira atabalhoada. Não havia tempo suficiente para preparar o projeto, para analisar se o projeto de engenharia estava bem feito, com estudos adequados de demanda. Não havia tempo suficiente para os interessados entenderem efetivamente quais as dificuldades do ponto de vista de licenciamento ambiental, do patrimônio histórico, entre outras questões importantes.
II – Poderia dar um exemplo que não deu certo na gestão anterior?
MA – O trem bala, que ia ligar São Paulo ao Rio de Janeiro. Não houve o devido estudo, pelo menos se existiu, não foi explicado claramente ao setor privado. Vai ter demanda para isso? A tarifa ficaria mais cara ou mais barata que a tarifa aérea? Será que tiraria demanda da ponte-aérea? Como seria a chegada do trem à São Paulo onde não tem espaço para chegada de via férrea? Tudo isso não foi respondido na época.
II – E quais as principais mudanças na governança dos novos projetos?
MA – Procuramos colocar novas diretrizes por parte do conselho do PPI. Definimos que os projetos devem estar mais maduros no momento que chegam para a licitação. As dúvidas de questão ambiental, de licença prévia, sobre demanda, questões de engenharia, modelagem econômico-financeira, jurídico, tudo deve estar bem examinado e claro.
II – Os estudos dos projetos da gestão anterior eram incompletos?
MA – Sim, esse é um motivo que alguns projetos apresentados no governo passado foram suspensos pelo TCU (Tribunal de Contas da União), que reclamou da qualidade dos estudos, que estava insatisfatório. A diretriz agora é “vamos fazer menos projetos” que os planos ambiciosos que foram lançados de 2007 a 2013, mas vamos fazer projetos que tenham financiabilidade assegurada.
II – A ideia é concentrar em número menor de projetos? Quantos projetos fazem parte da primeira rodada do PPI?
MA – A proposta central é “vamos fazer” os projetos que já estão maduros. São 34 projetos. Alguns deles começam crus e que vão sendo modelados ao longo do tempo. Desses 34 projetos, alguns deles estão no início e outros, na fase final.
II – Como melhorar a concorrência nos leilões?
MA – É importante dar maior prazo.No passado, o prazo entre a divulgação do edital e a realização do leilão era de 30 a 45 dias. Conversamos com vários investidores que disseram que não havia tempo suficiente para estudar e contratar consultores para verificar o preço justo para lançar no proposta. Eles disseram que não tendo esse tempo, ficava impossível participar. Por isso, o conselho do PPI decidiu que o prazo mínimo para abertura do edital e o leilão é de 100 dias. Além disso, decidimos que os materiais do edital serão disponibilizados em português e inglês. Isso mostra que os internacionais são bem vindos.
II – Antes não se divulgavam os materiais em inglês?
MA – Antes se divulgava apenas em português, com um prazo mais curto. Isso muitas vezes inviabilizava a participação do estrangeiro.
II – Com os novos prazos e exigências não há o risco de demorar muito tempo para chegar à licitação e perder o timing das oportunidades?
MA – Essa é a diferença entre o importante e o urgente. No passado essa urgência já existia, foram realizadas licitações apressadas e vimos processos de licitações e projetos que pararam. Um exemplo é o aeroporto do Galeão.
II – Existe a intenção de atrair a participação de operadoras internacionais?
MA – Um ponto muito importante é que uma concessão tem o objetivo de prestar um serviço para o usuário, que pode ser, por exemplo, a manutenção de uma rodovia, pode ser de socorro mecânico, entre outros. No passado, se enfatizava muito as obras envolvidas. Por isso, as empreiteiras eram as principais interessadas em compor os consórcios. E as operadoras puras de infraestrutura, que são muito comuns no exterior, não vieram para participar dos projetos.
II – O modelo anterior era muito apoiado na figura da empreiteira, do construtor, não é mesmo? E agora vocês estão propondo um outro modelo.
MA – Sim, estamos propondo um outro modelo. Estamos saindo da necessidade se ter um construtor no consórcio e enfatizando a presença do operador que vai prestar o serviço, que tenha um bom projeto de engenharia, com a liberdade de subcontratar a empreiteira que irá construir. É um modelo diferente, que aproxima o que temos no resto do mundo.
II – Qual a vantagem do novo modelo? Ele ajuda a reduzir ou eliminar os conflitos de interesses?
MA – Um ponto importante é o que chamamos de contratação de partes relacionadas. O BNDES coloca uma cláusula que para conceder financiamento para os novos aeroportos e rodovias, o consórcio pode contratar uma construtora vinculada, por exemplo, através de uma negociação de “partes relacionadas”, mas ele deve ter uma negociação feito pelo conselho de administração da concessionária no qual são feitos comparativos de preços no mercado.
II – E como será o modelo financeiro?
MA – O modelo financeiro anterior era muito baseado no modelo do BNDES. Praticamente você tinha o financiamento de 70% a 80% em alguns casos de recursos provenientes do BNDES, no financiamento de longo prazo. E um grupo de bancos, um sindicato de bancos, que entrava com o chamado “empréstimo ponte”, nos primeiros dois anos da concessão, até sair o financiamento do BNDES. E aí a gente sabe que no mundo todo, há os investidores institucionais, os fundos de pensão, as seguradoras, os fundos de infraestrutura, os fundos soberanos, os endowments, todos eles financiam projetos de longo prazo, onde eles têm um retorno melhor que o retorno de dívida pública de curto prazo.
II – E por que não acontecia?
MA – Não é que os fundos de pensão não participavam dos projetos. Na verdade, os fundos entravam nos projetos, mas entravam no equity, a mando do governo. Por uma orientação política, entravam para viabilizar um grupo de acionistas em um determinado consórcio. O que propomos, é que o modelo financeiro atraia os investidores institucionais a financiar a infraestrutura na dívida e se for do interesse deles, também no equity, mas sem orientação política.
II – Então, é preciso mudar o esquema de empréstimos subsidiados do BNDES?
MA – Claro, quando se tem os juros subsidiados do BNDES, nenhum investidor consegue emprestar a mesma taxa que o banco estatal, que oferece um funding muito barato. Queremos reduzir a participação do BNDES, até porque a situação fiscal não permite fazer isso.
II – Quais os investidores potenciais que você acredita que podem participar no financiamento dos projetos?
MA – Temos um horizonte de trabalhar com os projetos até o final de 2018. Nesse horizonte, acreditamos que haja um forte interesse do estrangeiro de participar tanto no equity, ou seja, entrar como acionista, ou entrar na dívida, para comprar debêntures ou bonds. Vemos um interesse crescente dos fundos de pensão, das seguradoras, dos fundos de infraestrutura, que comprarão as debêntures incentivadas. Estamos vendo algumas assets se preparando para lançar fundos de debêntures, que tem o benefício da isenção para pessoa física.
II – Como você percebeu esse interesse dos investidores estrangeiros?
MA – Fizemos um road show em Nova York, Londres, Paris e Madri para conversar com investidores, em setembro, outubro e novembro de 2016. Nestes lugares tivemos contato tanto com financiadores quanto com operadoras, com construtoras do mercado internacional.
II – Acredita que fundos internacionais devem entrar nos primeiros projetos?
MA – Já conversamos com vários private equities que estão mobilizados para as concessões dos aeroportos, previsto para março. Já temos cinco operadoras internacionais que estão constituindo consórcios para disputar os quatro aeroportos. Temos fundos de pensão internacionais, considerando participação da dívida.
II – Quais dificuldades ainda persistem
MA – Para o estrangeiro vejo que há o risco cambial. E isso vai variar de concessão para concessão. No que diz respeito aos fundos de pensão e aos institucionais de maneira geral, existe a concorrência com o título público. O título público hoje paga uma taxa de retorno nas NTN-Bs próxima da meta atuarial de vários fundos de pensão. Estamos falando de 5% ao ano acima do IPCA. Olhando para o horizonte até final de 2018, os empreendimentos de infraestrutura estarão remunerando acima desse nível.
II – Qual a sua projeção para as taxas dos títulos públicos e qual o ponto de entrada dos fundos de pensão?
MA – Acredito que a taxa dos títulos públicos virá abaixo dos 5% ao ano. Isso já elimina o atrativo de que as fundações dizem hoje que se comprar dívida pública já garante a meta.
II – Os grandes fundos de pensão têm ainda o argumento contra novos investimentos em infraestrutura que já possuem grande alocação em empresas de infraestrutura, por exemplo, na Vale. Como você enxerga essa resistência?
MA – É verdade, mas essa alocação está concentrada no equity, nas ações. Estamos propondo a participação agora na dívida. Para isso, desenhamos no modelo de financiamento, na participação do BNDES, um estímulo para que o financiamento seja feito através de debêntures de infraestrutura, mas com uma forte garantia.
II – Como funciona essa garantia?
MA – É a fiança completion que beneficia o debenturista que cobre o risco de finalização da obra, que beneficia o debenturista, de forma que o investidor tenha a garantia de receber juros e principal da dívida durante a fase de construção. Isso aumenta muito a atratividade para o institucional, que não terá que analisar o risco de construção do projeto.
II – Como isso pode beneficiar um investidor fundo de pensão?
MA – A garantia permite que um fundo de pensão pequeno ou médio, que não tem equipe para avaliar projetos, engenheiros, não tem contratos com consultores pra fazer isso, poderá comprar um título desses.
II – Qual a alocação básica da carteira de um fundo de pensão em infraestrutura?
MA – Isso varia muito de um caso para outro. Há necessidades diferentes em termos de diversificação. Mas considerando a experiência internacional, os fundos de pensão lá fora mantêm uma média de 3% a 5% no mínimo em investimentos de infraestrutura.
II – Você acha que o cenário e as incertezas da Lava jato e da política nacional podem afastar os estrangeiros?
MA – Tive perguntas sobre a Lava Jato e incertezas sobre o cenário político em setembro e início de outubro. Depois não tive mais questionamentos. É o contrário, acho que avanço da Lava Jato traz uma maturidade para o sistema político. Tanto a transição política que o país passou com o impeachment e o novo governo tanto com a valorização da questão fiscal, quanto com a Lava Jato que é uma operação bem conduzida e que está mostrando que o país está mostrando uma nova relação entre o público e o privado.