Edição 149
Marcelo Trindade, da CVM
Marcelo Trindade quer mudar a imagem de que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia que preside há três meses, não pune. Para isso, vai lançar mão de um princípio que consta da Lei 6.385, que dá ao órgão a possibilidade de priorizar o julgamento de casos cujo efeito seja educativo ou que afetem um grande número de pessoas. “A Comissão não é leniente, mas se a opinião pública acha que devemos punir mais esse é um sinal que não pode ser desprezado”, afirma.
Convidado para ser o novo “xerife” em meio a uma das discussões mais contundentes dos últimos tempos, envolvendo a Ambev e seus acionistas minoritários, o advogado de 39 anos acredita que a imagem da CVM não foi arranhada com o episódio. Otimista, ele prefere ressaltar que, mesmo após este imbróglio, três companhias já abriram capital com sucesso – dentro e fora do País. “Sob as nossas leis e sob a nossa proteção”, lembra.
Com a nova Instrução para os fundos de investimento em mãos, a primeira unificada depois da ida dos fundos de renda fixa para o guarda-chuva da CVM, Trindade parte para realizar outra “promessa de posse”. Quer mandar para audiência pública, já em outubro, uma instrução que visa criar vários níveis de registro para companhias abertas. Dessa forma, pretende dar sua contribuição para o mercado acionário. “Queremos dar a chance de essas empresas serem registradas em um nível simplificado, para permitir que se acostumem a se relacionar com o órgão regulador”, explica. A seguir, os principais trechos de sua entrevista à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – O seu nome foi anunciado para dirigir a CVM em meio ao fogo-cruzado da operação entre Ambev e Interbrew. Em resposta a uma reclamação da Previ, os técnicos da autarquia responderam que não existem elementos que caracterizam a operação como lesiva aos minoritários. Qual a sua opinião sobre isso?
Marcelo Trindade – Não vou falar de um caso isolado, até porque esta questão ainda está sendo analisada pelo colegiado da CVM (até o fechamento desta edição, não havia uma decisão sobre o caso). O que existe, por enquanto, é um parecer da equipe técnica. Não acho que a autarquia tenha perdido a confiança dos investidores ou a reputação de guardiã das informações e do mercado de capitais. Ao contrário, estamos em uma fase de boas notícias, que são as três aberturas de capital que aconteceram na Bovespa (Gol, ALL e Natura), no Nível 2 e no Novo Mercado. Os investidores estrangeiros vieram aqui comprar sob as nossas leis, sob a nossa proteção. Setenta por cento da Natura foi vendida para o mercado internacional.
II – Há motivos para contestar a operação da Ambev e Interbrew?
MT – O mercado brasileiro está em constante evolução, no sentido de entender que a maior proteção custa mais dinheiro. Portanto, o investidor já sabe que vale a pena pagar um preço mais alto pelas ações se elas são emitidas em um ambiente mais protegido, como é o Novo Mercado e Nível 2, e as companhias já percebem que oferecendo esse tipo de proteção adicional conseguem captar recursos a um custo menor. Esse encontro de vontades, de posturas do investidor com as companhias, é o melhor caminho para se construir um modelo adequado para o mercado de capitais. Claro que se qualquer companhia que vier a lançar ações nesses ambientes regulados e protegidos descumprir as regras, seus administradores e controladores serão punidos pela CVM. O que os investidores – internos e externos – querem é ter a certeza de que existem regras e que o agente regulador vai aplicá-las.
II – A CVM está tomando providências para que os processos sejam avaliados com mais rapidez?
MT – Particularmente, acho que a CVM julga bastante. Ela examina mais de 80 processos por ano. Como advogado, nunca senti a autarquia leniente, nunca contei com a sua omissão em nada que eu tenha feito. No entanto, acho que se a opinião pública entende que a CVM deveria punir mais é um sinal sobre o qual devemos refletir. Tenho que concordar que o prazo médio de resposta da autarquia é um pouco elevado, mas isso acontece porque os mecanismos de averiguação são formais e as investigações são prolongadas.
II – Qual sua proposta para mudar essa imagem, então?
MT – É usar um mecanismo previsto na Lei 6.385, que regula a CVM, e que permite à autarquia priorizar o exame das infrações que ela considera de maior efeito educativo ou que afetem um maior número de pessoas no mercado. Acho que temos dois deveres de casa: o primeiro é julgar o maior número possível de processos que estão no estoque, e temos feito isso por meio de um esforço concentrado, com a colaboração de todos os diretores; o segundo é focar nossa atuação nos casos mais relevantes e importantes, que podem educar e dar ao investidor a sensação de proteção e de fiscalização efetiva. Isso não significa julgar no calor das notícias dos jornais, sem conferir ou investigar adequadamente as questões. O papel da CVM não é se vingar, é ser correta e punir quem deve ser punido.
II – Que balanço o sr. faria de seus três meses no cargo?
MT – Está sendo um período muito produtivo. A vantagem de você voltar a um lugar onde já trabalhou (Trindade foi diretor da CVM entre 2000 e 2002) é que a relação com as pessoas já está construída. Isso facilitou a continuidade do trabalho da gestão anterior e um bom exemplo disso foi que a gente conseguiu, em pouco mais de 60 dias, soltar a Instrução 409. Esta foi, digamos, uma “promessa de posse”: editar este documento logo após o final do mandato do Cantidiano (Luiz Leonardo Cantidiano, a quem Trindade substituiu). Foi uma homenagem à importância dele na construção dessas regras.
II – Quais os principais avanços da Instrução 409?
MT – Ela é importante porque unifica as regras para a maior parte dos fundos à disposição dos investidores (as carteiras de privatização da Petrobras e Vale do Rio Doce, por exemplo, ficam de fora, por já terem regras próprias). Antes, existiam normas diversas regulando estes investimentos, algumas feitas pelo Banco Central (BC), outras pela CVM, e os investidores tinham mais dificuldade em comparar os produtos. Quando se unificam as normas a comparação é facilitada. Além disso, a 409 aumentou o nível e a qualidade de informação para o investidor, que passa a ser prestada de forma muito completa e fácil de ser entendida. Uma parte da 409 trata dos prospectos, facilitando o entendimento dos produtos, mas fomos além e pedimos aos administradores que, ao constituírem um fundo, criem uma política de informação para o investidor.
II – A melhor definição das responsabilidades na contratação de serviços terceirizados, como a custódia por exemplo, ajuda a proteger o investidor?
MT – Ficaram definidas as responsabilidades das diversas instituições que se envolvem na prestação de serviços e na gestão dos investimentos. O administrador contrata vários serviços que o investidor recebe quando se torna cotista de um fundo. Co-gestão e custódia são dois exemplos. A divulgação desta informação foi ampliada, para que o aplicador saiba que todas estas pessoas são responsáveis pela carteira, e não apenas o administrador. Com isso, aumentam as chances de o investidor ser ressarcido e a possibilidade de a CVM puni-las em caso de descumprimento das condutas devidas.
II – Esse maior volume de informações não pode onerar os fundos de investimento e resultar em aumento das taxas de administração?
MT – A indústria é extremamente competitiva e é muito difícil que os administradores consigam repassar para os fundos um eventual acréscimo de gastos. À medida que as administradoras competem os custos são empurrados para baixo. Há muitos players, muitos produtos, muita diversificação por faixa de investidor, e até acho que a tendência é uma diminuição de custos. Isso porque, a partir da vigência da conta-investimento (marcada para 1º de outubro), o aplicador vai poder migrar de fundo para fundo sem pagar CPMF, o que deve fazer com que ele se interesse mais em analisar e aplicar nos produtos que oferecem melhor relação entre risco e rentabilidade.
II – A divisão dos fundos em sete categorias básicas, como especifica a nova regra, facilita o entendimento da natureza do fundo?
MT – A Anbid, com seu código de auto-regulação, já vinha obtendo resultados bastante satisfatórios. O que a gente fez foi criar categorias muito fáceis ao entendimento do investidor e, ao mesmo tempo, permitir que o administrador acrescente a esta denominação termos que indiquem situações específicas – para indicar os produtos diferenciados. Se for uma aplicação de longo prazo, isto é, para carteiras compostas por títulos com vencimento médio superior a 365 dias, o administrador pode inserir esta informação no nome do fundo. Isso é bom para o investidor, porque como hoje este investimento tem uma vantagem tributária, vai ficar bastante claro que, se for para aquele tipo de fundo, ele vai ter o benefício.
II – A 409 eleva para acima de R$ 300 mil o tiquet de entrada do investidor qualificado, R$ 50 mil a mais que na legislação em vigor anteriormente. Por que este valor foi ampliado?
MT – Isso, na verdade, foi a atualização de um dado. Mais relevante que o valor foi criar a declaração obrigatória do investidor qualificado, que é o Anexo I. O objetivo é fazê-lo refletir sobre o fato de estar sendo considerado um investidor qualificado. É como dizer a ele: pense bem antes de assinar este documento, você é qualificado, isso tem uma série de repercussões e vai abrir mão de uma série de proteções. Se, por um lado, temos que aumentar a proteção do investidor, por outro não podemos tutelá-lo a ponto de ele entender que está em um investimento sem risco. Queremos criar a cultura da reflexão antes do investimento.
II – Qual sua opinião sobre a MP do Ministério da Fazenda que trata da tributação dos fundos, ampliando o imposto para o curto prazo e reduzindo o tributo para quem mantiver os investimentos? Ela não conflita com a conta-investimento?
MT – Não, acho que elas se complementam. O esforço claro do governo é no sentido de levantar barreiras que existam na decisão de investimento, por parte do investidor. Este é um dado. Outro é permitir que o investidor aloque uma parcela do investimento dele em um produto com um tempo de maturação maior. Isto significa que uma parcela do dinheiro que fica no curto prazo vai ter mobilidade sem o pagamento de CPMF e a outra parte, direcionada para o longo prazo, terá vantagem tributária. Então, não vejo conflito.
II – O que há para ser divulgado ainda este ano? Depois dos fundos de investimento, quais são as prioridades regulatórias da CVM?
MT – Estamos trabalhando em uma Instrução sobre os níveis de companhias abertas. Vai regular não só o registro de todas as empresas abertas na CVM como criará níveis diferenciados de companhias. Isso vai permitir que empresas de menor porte abram seu capital – desde que com valores mobiliários destinados a investidores qualificados, mercados de acesso ou emissões de valor pequeno – e, aos poucos, se acostumem com o fato de ser companhias abertas. Isso para que, no futuro, quando ganharem corpo e necessitarem de maior quantidade de recursos, possam acessar o mercado já com uma certa experiência. Queremos dar a chance de essas empresas já estarem registradas em um nível simplificado, mas que vai permitir que se acostumem a essa outra parte, que é se relacionar com o órgão regulador e ter auditoria feita por profissionais registrados na CVM, por exemplo.
II – E quando sai a Instrução?
MT – A primeira minuta já está no colegiado da CVM e passa a ser nossa prioridade regulatória. Acredito que até meados de outubro a gente consiga colocar o documento em audiência pública.
II – Recentemente o sr. classificou o Projeto de Lei 3.741, atualmente na Câmara, como uma grande evolução nas normas contábeis. A prestação de contas de empresas de capital aberto é uma questão preocupante?
MT – Acho que a grande importância desse projeto diz respeito à harmonização das regras contábeis brasileiras com as regras contábeis internacionais. Em geral, no entanto, temos demonstrações contábeis muito boas. Não por acaso, não tivemos no Brasil escândalos e situações delicadas em relação a este tema. Mas não podemos ter uma certa soberba no sentido de imaginar que se está dando certo não é preciso melhorar nosso padrão. Espero que o projeto esteja aprovado até o final do ano.
II – Como está o projeto da CVM de lançar um site dedicado a investidores interessados no mercado de ações?
MT – Esta é minha menina dos olhos. Está a todo vapor e pode ser que entre no ar no início de 2005, em fase experimental. Está em licitação e como envolve recursos do Banco Mundial (Bird), a concorrência é internacional. Ele será interativo, em linguagem acessível e dará ao investidor a possibilidade de comparar os produtos financeiros regulados pela CVM e que estão à disposição no mercado. Nossa idéia é que o internauta possa fazer simulações de investimento em ações, sem colocar dinheiro. É um projeto de grande importância na CVM.