Ponto Frio não está à venda

Edição 148

Eliane Lustosa, do Ponto Frio

Os fornecedores e prestadores de serviço do Ponto Frio que se preparem. Eliane Lustosa está há um mês no comando financeiro da rede e, a julgar pelo seu histórico à frente da Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, pretende arrumar a casa, rediscutir contratos, reduzir custos e redefinir caminhos.
E não está sozinha. Para reconquistar a fatia de mercado perdida para a Casas Bahia, a sua principal concorrente, o Ponto Frio colocou um time de peso à frente do Conselho de Administração. O ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan, e o ex-presidente da Petrobras, Francisco Gros, encabeçam essa lista.
Sempre firme e cautelosa em suas respostas, a economista formada pela PUC do Rio diz que a profissionalização do Ponto Frio alavancará o resultado da empresa. Avalia que o novo entra nesse processo exatamente porque questiona e “não pavimenta a trilha da vaca”. Para ela, aliás, a novidade será ver no departamento comercial a área mais importante da empresa, ao contrário da sua experiência na Petros.
Consciente dos desafios que tem pela frente, Eliane também demonstra empenho em fortalecer a governança corporativa no Ponto Frio. Membro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), ela aproveita o tema para alfinetar a Lei das S/As, que “ainda deixa a desejar” e para dar um puxão de orelha nos fundos de pensão, que não participaram ativamente do seu debate.
Ainda rememorando os seus tempos de previdência complementar, Eliane dá uma deixa: “talvez haja espaço para os atuais limites de investimentos serem um pouco mais flexíveis”. Atenciosa durante todo o tempo, Eliane só muda o tom quando diz não ver sentido nos persistentes boatos de venda do Ponto Frio.

Investidor InstitucionalA sua gestão na Petros foi marcada pela defesa dos direitos dos acionistas nos fundos de pensão. Por que, mesmo assim, esses direitos têm sido tão desrespeitados?
Eliane Lustosa – A consciência sobre a importância das boas práticas de governança corporativa tem avançado bastante no Brasil. Nos fundos de pensão, esse processo foi interessante porque a participação nas empresas foi reforçada a partir da privatização, quando os fundos pagaram ágio para entrar no bloco de controle e, em muitas situações, não houve um acordo de acionistas adequado. Isso fica mais preocupante no contexto em que a Lei das S/As não é adequada do ponto de vista da garantia do direito dos acionistas.

IIAinda hoje você acha que a Lei das S/As é inadequada?
EL – Acho. Melhorou com a revisão em 2001, mas ainda deixa a desejar. Houve alguns ganhos, como a aprovação do tag along parcial de 80%, apesar de a proposta ter sido de 100%. Também foi aprovado o direito dos preferencialistas de escolherem membros no Conselho, embora a decisão só vigore a partir de 2005. Houve ganhos, alguns imediatos, outros mais de longo prazo.

IITambém houve retrocessos?
EL – Também. Na minha avaliação, um deles é o artigo 118, que permite aos acionistas firmarem acordos sobre a compra e venda de suas ações. É uma questão específica, meio complicada, que infelizmente passou junto com a lei das S/As. Mas, em geral, a lei foi boa. Trouxe ganhos para os minoritários, embora ainda existam as ações preferenciais. Apesar de ter baixado o porcentual de preferenciais para as novas emissões, o ideal é o conceito de uma ação, um voto.

IIOs fundos de pensão tiveram uma participação ativa na elaboração da lei?
EL – Não muito. O processo avançou sem um acompanhamento tão próximo dos fundos de pensão. Especificamente com relação ao artigo 118 eu diria que eles tentaram uma reversão tardiamente. Em geral, os fundos poderiam ter participado de uma maneira mais ativa.

IIPor que isso não ocorreu?
EL – As fundações têm muitas atribuições. E, a partir da privatização nos anos 90, elas passaram a se deparar não só com os seus problemas, como também com os das empresas que viraram acionistas. Ou seja, além da administração do seu portfólio, os fundos passaram a “gerir” as empresas, sem um conhecimento prévio.

IIEsse conhecimento superficial fez a participação dos fundos ser desrespeitada em muitos casos?
EL – Acho que sim. Porém, houve uma mudança no perfil dos fundos de pensão. Os gestores passaram a monitorar adequadamente a administração das empresas, já que tinham esse ativo em seus portfólios. Até porque, muitas vezes, há uma liquidez baixa no mercado de ações brasileiro e o fundo que participa do controle da empresa não pode simplesmente bater a porta e ir embora. Então, passou a existir a percepção de que uma gestão adequada pode se reverter em maiores dividendos ou no aumento do valor da empresa para o próprio fundo de pensão. Esse círculo virtuoso incentivou os gestores a serem mais ativos.

IIO fundo de pensão deixou de ser visto, então, como financiador e passou a ser notado como parceiro?
EL – Essa percepção de “não me atrapalhe” aconteceu no passado. O fundo colocava dinheiro e a empresa administrava, não tendo o interesse de trabalhar com aquele sócio. De fato, o fundo não tem que gerir a empresa, mas acompanhar, pedir informação, monitorar. Isso sim é sua atribuição. Para o fundo ser só financiador, em um contexto de juros altos como no Brasil, é melhor aplicar em um mercado de menor risco e com algumas garantias, como o de renda fixa. Agora, se o fundo vai entrar no mercado acionário e ter participações de baixa liquidez, então ele tem que poder monitorar e agregar valor a essas participações.

II Como o fundo de pensão deve fazer isso?
EL – Ele deve acompanhar assembléias, sobretudo quando há a prerrogativa de indicar membros para o Conselho de Administração e para o Conselho Fiscal. Esse é um dever fiduciário do fundo de pensão. Algumas situações desagradáveis, em empresas que acabaram sendo provisionadas, levaram à percepção de que é preciso acompanhar mais de perto as empresas, é preciso ter a possibilidade de investir em empresas com accountability (prestação de contas).

IIO que falta para o mercado de capitais descobrir os fundos de pensão mais amplamente como parceiros?
EL – Acho que os fundos, hoje, são vistos dessa forma. Quando eles entraram nas empresas foi tudo muito novo. Não havia uma demanda anterior dessas garantias que pudessem compensar uma lei não muito adequada do ponto de vista dos direitos dos minoritários. Hoje já existe essa consciência. Se alguém quiser apresentar algum projeto para os fundos sabe que deve ter o mínimo de disclosure (transparência).

IIEntão, a sua percepção é de que hoje os fundos estão mais adiantados que a lei?
EL – Sim. E é fundamental que estejam. O próprio Novo Mercado não foi uma imposição da lei; foi uma auto-regulação, o que é melhor ainda. A lei é importante, principalmente nos momentos em que se precisa discutir pontos específicos, mas eu acho que o papel dos fundos de pensão como importantes influenciadores nesse processo também é fundamental. Isto porque o mercado vai ter que se adequar às regras de boa governança.

IIOs atuais limites de investimento dos fundos de pensão são adequados?
EL – Na época em que saiu a Resolução 2.829, posteriormente substituída pela 3.120, considerei os limites rígidos. Mas eles mostraram uma preocupação do regulador em tentar direcionar os fundos de pensão para um caminho mais adequado, tendo em vista os seus passivos e considerando algumas situações inadequadas do passado. Hoje, tendo em vista o tempo em que se convive com essas regras e o histórico dos fundos, talvez haja espaço para ser um pouco mais flexível. Mas não vejo como inadequado o regulador ter tido essa preocupação. A lei direciona os fundos para a responsabilidade fiduciária, o que está claro nas Leis Complementares 108 e 109 [ver site www.investidoronline.com.br].

IINa Petros, a sra. encampou um acordo de responsabilidade fiduciária com a Mellon Brascan, que acabou sendo rompido pela atual gestão. Esse tipo de controladoria fiduciária é fundamental?
EL – Sou suspeita para falar, porque participei ativamente durante dois anos do processo de escolha de um controlador fiduciário. Discutimos amplamente a adequação do contrato para ambas as partes e também as regras que pudessem permitir o controle e o acompanhamento da gestão dos recursos. Foi uma tentativa de auto-regulação. Uma tentativa de mostrar para os participantes que um agente externo teria a prerrogativa de monitorar as ações nos diversos setores da fundação. Cansei de ouvir de um ex-presidente da CVM que em quase todas as operações complicadas havia um fundo de pensão em uma das pontas, geralmente a perdedora: comprando caro e vendendo barato.

IIMas, no caso da Petros, a busca pela transparência precedia o interesse de se colocar no mercado como captadora de recursos.
EL – Exatamente. Tínhamos um projeto de sermos multipatrocinado. A maneira como o mercado nos via era muito importante para conquistarmos a confiança de novos patrocinadores. Discutimos muito e entendemos que não bastava ser; precisávamos parecer também muito corretos em relação à condução de nossa política. A Mellon teria exatamente a prerrogativa de informar ao Conselho Deliberativo da Petros qualquer não conformidade com as regras definidas na gestão dos ativos e também colocaria no site do fundo essa informação para os participantes, que são os donos dos recursos.

IIOs participantes de planos de Contribuição Definida (CD) devem ficar ainda mais atentos à gestão do fundo?
EL – Sim, porque se houver uma má gestão por parte do administrador do fundo de pensão o participante será diretamente prejudicado, já que terá um montante capitalizado menor. No caso do fundo de Benefício Definido (BD), quem pagava a conta podia até ser a patrocinadora, no caso de uma estatal, mas agora esse espaço foi reduzido com o Decreto 20 onde se instituiu a paridade. Assim como na governança das empresas o elo com o acionista vem via dividendo, no caso da governança interna o elo com o participante vem na capitalização do seu fundo.

IIQuais foram as maiores dificuldades que a sra. encontrou ao assumir a gestão de recursos da Petros?
EL – A dificuldade deveu-se ao tamanho, ao volume, à diversidade de operações e à quantidade de empresas no seu portfólio. Foi uma dificuldade conhecer os contratos e o contexto para poder renegociá-los quando possível. Rediscutimos vários contratos caso a caso, principalmente na parte imobiliária cuja dificuldade é a falta de benchmark (parâmetro). Afinal, na renda fixa você pode comparar a rentabilidade com o CDI e na renda variável com o Ibovespa, mas no setor imobiliário não há um índice que permita verificar a sua adequação com o mercado. Também renegociamos taxas de FACs, de FICs e de custódia.

IIE conseguiram reduzir bastante essas taxas.
EL – Bastante. Eu me lembro muito bem da taxa de 1,5% de um FIF de R$ 100 milhões e, em um primeiro telefonema, em uma primeira discussão, passamos para 1,2% em cima de R$ 100 milhões. Depois, reduzimos ainda mais. Ou seja, tinha muita gordura para ser renegociada.

IIE agora no Ponto Frio? Que tipo de dificuldade a sra. espera encontrar?
EL – O que é interessante é que, assim como foi na Petros, eu estou entrando em um processo de reestruturação. No ano passado, o Pedro Malan tornou-se presidente do Conselho de Administração do Ponto Frio. Entraram também o Francisco Gros e logo depois o Roberto Britto. Foram passos dados no sentido da profissionalização da empresa e eu faço parte dessa reestruturação. Estou me propondo a rever processos e a ajudar na definição das regras de política de investimento para que, então, possa haver uma maior prestação de contas.

IIOnde essa reestruturação levará?
EL – O objetivo é, justamente, o de reduzir despesas operacionais e alavancar o resultado da empresa. Identificar oportunidades de ganhos e diminuir custos.

IIComo o Ponto Frio pretende reverter a perda de faturamento diante de seu principal concorrente, a Casas Bahia?
EL – Tem-se que avaliar como comparar números de uma empresa aberta e de outra fechada, como é a Casas Bahia. De qualquer forma, o Ponto Frio está redefinindo caminhos, está em um processo de recuperação, de melhoria de todos os seus indicadores. Quando não se tem uma visão de fora, às vezes, se pavimenta a trilha da vaca; segue-se por um caminho tortuoso. Quando vem alguém de fora da empresa o objetivo é otimizar os processos, é ajudar a juntar dois pontos com uma reta. O novo questiona.

IIQuais são os próximos passos do Ponto Frio?
EL – A empresa ainda está em um processo ainda de discussão. Não sabemos ainda quais vão ser os próximos passos, mas alguns já estão sendo tomados e que são objetivamente os de reduzir custos. Estamos ainda no início; eu, particularmente, estou aqui há um mês. O “para onde vamos” ainda está em discussão. Temos alguns estudos em andamento, mas não há nenhuma decisão.

IIFalamos tanto em governança corporativa, mas até hoje persistem os boatos de que a principal acionista do Ponto Frio, sra. Lilly Safra, tem o interesse em vender a participação na empresa. O que há de fato?
EL – Eu desconheço e não vejo nada nesse sentido. Sei que houve esses rumores no passado. Hoje, não vejo muito sentido nisso, já que a empresa tem investido bastante em tecnologia.

IIA tua experiência em governança corporativa será usada para o Ponto Frio fazer, futuramente, um aumento de capital para dar maior liquidez às suas ações?
EL – Esse assunto ainda não foi discutido. Em um primeiro momento, estou aplicando a minha experiência em governança corporativa na prática, ou seja, redefinindo processos, prestando contas e separando, em um processo decisório, quem faz, de quem monitora. A empresa está para dentro, definindo seus próprios processos para que eles possam entrar em um ritmo mais adequado.

IIAfora o passivo de longo prazo, quais são os pontos comuns entre administrar recursos de um fundo de pensão e de uma empresa privada como o Ponto Frio?
EL – Os conceitos são os mesmos: de transparência, de eqüidade e de prestação de contas. No fundo de pensão, definimos a liquidez necessária para fazer frente aos pagamentos e, nesse contexto, diversificamos o portfólio seguindo o que qualquer livro básico de finanças aconselha: não colocar todos os ovos na mesma cesta. Já no Ponto Frio há uma integração total com a área comercial, que é a área mais importante e para quem você deve prestar serviços. Então é o foco diferente.