Para Bacha, inflação elevada foi pontual e já passou | Com um cur...

Edição 84

Edmar Bacha, da Anbid

Um dos criadores do Banco BBA, o economista Edmar Bacha, foi eleito no dia 22 de agosto para dirigir a Anbid por um período de três anos, em substituição a Pedro Henrique Mariane. Do currículo de Bacha faz parte uma profunda ligação com a política econômica em vigor, que ajudou a criar juntamente com Pérsio Arida e André Lara Resende. Anteriormente ao Plano Real, ele já havia participado da criação do Plano Cruzado, uma tentativa do governo de José Sarney de debelar a inflação em medos da década de 80.
Por conta dessa ligação com a política econômica em vigor, e por ser um dos assessores que o presidente Fernando Henrique Cardoso gosta de ouvir quando tem inquietações macroeconômicas, as avaliações de Bacha em entrevista exclusiva à Investidor Institucional ganham relevância. Entre outras coisas, o consultor sênior que deve assumir ao final de setembro a presidência da Anbid considera que a alta da inflação nos meses de julho e agosto agora está sob controle, e que o PIB brasileiro deve crescer 4,5% em 2001 e 5% em 2002. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista de Bacha:

Investidor InstitucionalA inflação dos meses de julho e agosto deu um pequeno susto no mercado. O sr. também se assustou com a alta da inflação nesses meses? Qual sua expectativa para os próximos meses?
Edmar Bacha – Eu acho que a inflação está temporariamente elevada, mas a minha expectativa é que o pior já passou. Foi uma inflação forte em julho e agosto, mas foi uma inflação pontual, focada na alta dos preços da alimentação devido à estiagem, e na alta dos preços administrados pelo setor público. Entre as altas dos preços administrados a mais importante foi, obviamente, a da gasolina, que sofreu o impacto da elevação extraordinária dos preços do petróleo lá fora. Mas acho que isso já está sob controle, que o impacto já passou.

IIEssa alta do petróleo preocupa pelo impacto na balança de pagamentos. Como o sr. vê essa questão?
EB – Acho que o impacto da alta do petróleo é bem significativo e, vem junto com um aumento das outras importações.

IIO que mais está pressionando as importações?
EB – Fundamentalmente, quatro coisas. A primeira é o preço do petróleo, mas também há um aumento das importações em decorrência da retomada do ritmo de crescimento da economia, que está sendo bem mais forte do que se esperava. Além disso, também se está importando componentes para incorporar às exportações de manufaturados, que estão crescendo muito saudavelmente, mas que também estão sendo um fator de pressão sobre as importações. Por último, temos um aumento no ritmo dos investimentos estrangeiros, que têm se mostrado mais forte do que se antecipava e junto com esses investimentos chegam também as importações. Assim, temos nada menos de quatro fatores pressionando as importações, que explicam por que elas têm sido tão mais fortes do que o estimado: aumento no preço do petróleo, crescimento da economia interna, aumento das exportações de manufaturados e elevação do investimento direto estrangeiro.

II Qual sua previsão para a balança comercial neste ano?
EB – Acho que ela não irá tão bem quanto se gostaria. Nós estamos fazendo uma redução para US$ 800 milhões.

IIQual sua projeção de longo prazo para a balança comercial?
EB – Nós estamos projetando US$ 5,1 bilhões para o ano 2002.

IIO aumento das importações, que o sr. citou, não pode pressionar o câmbio?
EB – Acho que não. O problema maior do país, hoje, certamente não é o câmbio. O câmbio está no seu lugar, é um câmbio apropriado à situação do país. Na verdade, o câmbio tem se comportado de uma maneira muito saudável, com muita pouca volatilidade nos últimos 3 meses. Acho que a introdução da taxa flutuante tem sido uma experiência de enorme sucesso para o Brasil.

IIQual sua previsão para a balança de pagamentos?
EB – Acho que a balança de pagamentos está indo bem. Estamos financiando mais de 100% com investimentos estrangeiros e, além disso, a dívida externa bruta brasileira está caindo em relação às exportações de bens e serviços. Ela já foi 4,2 vezes no final de 99. Estamos projetando que no final de 2000 ela seja de 3,5 vezes e em 2002 chegue a uma relação bem mais saudável de não mais de 3 vezes. Este será um número que certamente deverá impressionar as agências avaliadoras do “risco” Brasil.

IIElas tendem a melhorar a classificação de risco do país?
EB – Bem, essa relação entre dívida externa bruta e exportações de bens e serviços é um item que elas levam muito em conta. Quando a tendência dessa relação é fortemente cadente, o que na avaliação destas agências avaliadoras indica a capacidade de pagamento externo do país, o normal é que elas melhorem a classificação do país.

IIA questão do déficit público, que sempre foi o principal ponto de crítica à política do governo, está melhorando?
EB – Acho que estamos num bom caminho. Ainda falta muito para termos um orçamento realista. O nosso orçamento continua sendo, infelizmente, uma peça meio de ficção e corrigir isso é uma das tarefas importantes para o futuro. O ideal seria nós termos um orçamento votado pelo Congresso e que, de fato, possa ser executado ao invés de continuarmos tendo um orçamento irrealista, onde a autorização das despesas e a previsão das receitas são feitas de forma totalmente irrealista.

IIMudando um pouco de assunto, o sr. acha que o processo de consolidação dos bancos de investimento deve continuar? O mercado tende a se enxugar um pouco mais, unindo casas de investimento, as maiores comprando as menores?
EB – Acho que só o futuro dirá se isso continuará ocorrendo ou não. É difícil avaliar, porque de um lado há oportunidades para empresas especializadas em diversos nichos, mas por outro há essa questão de que os bancos terão que ter uma dimensão maior para competir no mercado em que os spreads estão sensivelmente menores do que foram num passado recente, e portanto escala é uma coisa importante. Agora, acho que existem muitos nichos de mercado nos quais os agentes especializados podem se concentrar e, portanto, conseguir ganhos importantes mesmo com uma escala menor. Em geral, eu diria que a tendência é de um maior volume de fusões e aquisições.

II Qual a perspectiva que se abre para o setor de bancos de investimento com a estabilização da economia?
ED – Eu acho que é muito favorável, porque tanto a consolidação da estabilidade quanto o início de uma fase de crescimento sustentado implicam em novas oportunidades de mercado para os bancos de investimento, como intermediários privilegiados entre a poupança e o investimento. Acho que entre as coisas importantes que vão estar acontecendo nos próximos anos estará um alongamento significativo dos prazos das aplicações, por um lado, e uma redução de taxas de juros em conseqüência desse alongamento, por outro lado. Além disso, haverá uma grande ampliação do mercado de capitais como um todo, na medida em que o crescimento econômico brasileiro se estabeleça de maneira mais firme.

IIO sr. assume a direção da Anbid ao final de setembro. Qual deve ser a sua linha de atuação à frente da entidade?
EB – Basicamente, vou prosseguir com a linha que vinha sendo seguida pelo Pedro Henrique Mariane, que tem três focos de atuação: o primeiro é ligado ao relacionamento com o Banco Central e à CVM no sentido de aprimorar a regulamentação das operações do mercado de capitais; o segundo foco é a provisão de informações cada vez mais atualizadas sobre a indústria de fundos e sobre os lançamentos de papéis para o público investidor; e o terceiro foco, que é provavelmente o mais importante dos três, é a questão da auto-regulação tanto no que se refere aos fundos de investimentos quanto ao lançamento de papéis.

IIAlém de dar continuidade a essas questões, o sr. tem algum novo enfoque, algum novo tema em mente?
ED – Não, acho que os três pontos que alinhavei já formam um programa bastante abrangente. A nossa proposta, o nosso objetivo final, é o contínuo aprimoramento do mercado de capitais de forma a permitir a ampliação tanto do volume de poupança quanto de investimentos.

IIO sr. acha que o investidor brasileiro está mais maduro?
EB – Acho que sim. Um dos sinais dessa maturidade é a ampla aceitação que vem tendo os códigos de auto-regulação da Anbid, o que caracteriza um mercado muito mais profissionalizado, muito menos oportunista que no passado. O investidor está olhando mais o longo prazo, com uma visão de que agora, com a situação econômica mais estável, é mais importante consolidar a posição no mercado do que aproveitar as eventuais volatilidades e turbulências da situação.

IIO sr. aha que essa tendência é consistente?
EB – Acho que as estatísticas demonstram isto. Houve um enorme aumento da indústria de fundos neste país, nestes últimos anos, apesar de todas as crises – o que caracteriza que estamos num movimento irreversível em direção à ampliação da intermediação financeira de longo prazo. Aqui no país, certamente, há muito o que se fazer, especialmente na área de fundos de renda variável, ações, e também fundos baseados em papéis do setor privado.

IINesse caso, a questão da regulamentação ganha importância fundamental, para dar mais confiança ao mercado. Como a Anbid está colaborando com esse processo de regulamentação?
EB – Acho esse processo ainda tem um longo caminho a percorrer, no Brasil. Nos EUA, a SEC (Security Exchange Comission) tem delegado para instituições que são suas contrapartidas no mercado, como a NASD que é a Anbid de lá, a criação de boa parte dos mecanismos de regulação de mercado. No Brasil, isso tudo ainda são atribuições da CVM. Mas creio que, progressivamente, na medida em que o mercado mature e que se crie condições jurídicas apropriadas, a Anbid deve estar exercendo um papel de auto-regulação no mercado de capitais que eu antecipo que deva ser tão importante quanto o que hoje em dia exerce a NASD, nos EUA.

II O que a Anbid pode estar fazendo para depurar esse mercado?
EB – Eu não acho que a Anbid tem que se meter em especificação de fundos. Cada um apresenta o seu produto, desde que esteja de acordo com as normas, e vai à luta. O mercado é livre para decidir, para comprar ou não.

IIQue tipo de mudança seria necessária para um avanço do setor, no Brasil?
EB – Eu acho que não é uma questão propriamente legal, é mais de comportamento, de atitude, de aprendizado, isso tanto da parte das entidades financeiras quanto da parte do investidor institucional e dos investidores individuais.