Edição 141
Manoel Felix Cintra Neto, da BM&F
O presidente da Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), Manoel Felix Cintra Neto, tem sido incansável na sua atividade de promover e divulgar os contratos de futuro que comercializa em sua bolsa. Até para a China ele já foi, para estabelecer uma conexão financeira com aquele país. O nome derivativos, que até bem pouco tempo atrás soava como um palavrão para muitas pessoas, hoje já é pronunciado com uma certa naturalidade por elas. O novo desafio de Cintra Neto será lançar os contratos minis de futuro, de valor mais baixo e destinados a serem comercializados através da internet para o investidor pessoa física. “Estamos disponibilizando pela internet contratos de 5 mil dólares. O que não quer dizer que pessoa física só seja investidor, às vezes ele precisa comprar dólares para outro fim, aí não é uma operação de risco”, diz ele em entrevista exclusiva à Investidor Institucional, Veja, nas páginas seguintes, os principais trechos da sua conversa conosco:
Investidor Institucional – Gostaria que o sr. falasse um pouco sobre o crescimento da carteira de derivativos no mundo e como a BM&F se insere nesse contexto.
Manoel Felix Cintra Neto – Os derivativos são hoje fundamentais para a economia mundial. Os Estados Unidos só não tiveram um problema sério depois das crises asiáticas, russa, crises na América do Sul, porque eles têm um mercado de derivativos altamente desenvolvido. E o Brasil também superou rapidamente a sua crise, por ocasião da grande desvalorização cambial em 1999, porque nós tínhamos instrumentos fortes de hedge, principalmente cambial, que possibilitou que as empresas não perdessem tanto. Assim, os bancos superaram rapidamente o problema, o país se recuperou e passamos a trabalhar dentro de um novo regime de câmbio exatamente porque os mercados de derivativos estavam desenvolvidos.
II – Qual a posição da BM&F entre as bolsas de futuro do mundo?
MFCN – A BM&F é hoje a 5ª ou 6ª bolsa do mundo em derivativos, mas é a principal bolsa de derivativos dos países em desenvolvimento. Hoje, com a globalização, a comunicação entre os mercados é uma realidade e, nesse sentido, a BM&F se instalou já há alguns anos em Nova York, já temos uma clearing lá, e a tendência mundial é que os mercados se fundam. Tanto é que, hoje, o que está em pauta nos EUA é o desejo da Eureka, a bolsa européia, de operar no mercado americano. Ela está pleiteando ao órgão regulador americano para se instalar lá e lançar seus produtos para o mercado americano.
II – Embora as bolsas de futuro tenham se constituído, originalmente, com o sentido de proteger ativos reais, gradativamente elas foram avançando para mercados de índices. Como o sr. vê essa mudança?
MFCN – Qual a finalidade de uma bolsa de futuro, de derivativos? São duas: uma realmente é oferecer um sistema de proteção para controlar a atividade, num sistema de proteção patrimonial; a outra é encontrar um preço presente dos ativos futuros e, cada vez mais o mercado está trabalhando com ativos de longuíssimo prazo, de 30 anos, 60 anos. Isso já está ocorrendo nos países desenvolvidos, não é ainda o caso do Brasil, mas nós também estamos planejando lançar contratos de seqüestro de carbono de longuíssimo prazo. Então, o mercado de derivativos passa a ser o principal instrumento para o exercício de política monetária.
II – Como será esse contrato de sequestro de carbono?
MFCN – O Protocolo de Kyoto propõe que os países ou as empresas que poluem, que geram carbono, comprem certificados emitidos por empresas ou projetos que seqüestram poluição do ar, sequestram carbono. E o Brasil vai ser um grande emissor desses certificados, porque está provado que esta parte da terra ocupada pelo Brasil é a parte que mais rapidamente produz esse seqüestro de carbono. Nós temos uma faixa grande de terras agriculturáveis, e hoje está provado que uma soja crescendo, uma grama crescendo, uma árvore crescendo, seqüestram muito mais rapidamente poluição do ar do que uma floresta adulta. Uma floresta amazônica é importante porque ela já seqüestrou carbono e o carbono está guardado dentro daquelas árvores grandes, mas do ponto de vista do seqüestro ela é muito menos eficiente.
II – O que propõe a BM&F?
MFCN – Como se sabe, o Acordo de Kyoto ainda não foi regulamentado porque depende da assinatura de um dos quatro grandes países, os EUA não assinou, a Rússia não assinou, tem a China e o Japão. Mas, independente dele entrar em vigor, nós identificamos que já existem projetos em andamento, projetos sendo feitos, e a partir de janeiro de 2004 a BM&F estará registrando esses projetos para oferecimento a nível primário. Nosso grande propósito é criar um mercado secundário desses certificados, para que sejam comercializados e se encontre exatamente o preço presente em certificados de longuíssimo prazo. Mas, inicialmente nós vamos começar registrando esses projetos aqui na BM&F.
II – O que significa registrar os projetos?
MFCN – Registrar demonstra que o projeto é sério. Então, vamos acompanhar para que aquilo que está proposto no contrato seja cumprido, vamos oferecer os certificados ao mercado, às empresas que querem essa permissão para poluir, para que elas comprem esses certificados no nível primário e paguem por isso.
II – Quantos países já estão emitindo esses certificados?
MFCN – Já existem vários países com projetos, o Brasil mesmo tem vários, a Costa Rica tem, os EUA tem, o México e a Argentina tem. Mas são poucos, são 20 a 25 projetos no mundo. Nos Estados Unidos, como curiosidade, tem um projeto dos índios na região da Califórnia que está sendo o projeto de plantio da sequóia, uma árvore que demora 100 anos para ficar adulta, o que mostra bem a característica desse contrato.
II – Voltando à questão da globalização, como a BM&F pretende se colocar?
MFCN – A globalização é uma realidade, as bolsas estão fazendo parcerias, controles e oferecendo seus serviços para outros países. É nesse sentido que estamos instalando um escritório em Xangai, para possibilitar aos corretores brasileiros vender os serviços da BM&F lá, ao importador de produtos agrícolas brasileiros, principalmente a soja. É fundamental oferecer a esse importador o hedge contra a variação de preços da soja brasileira, que é produzida nas entressafras americanas, e portanto o hedge na Bolsa de Chicago não é um hedge perfeito para a soja brasileira.
II – Há muitas possibilidades de negócios com a China?
MFCN – A China e o Brasil estão se descobrindo agora. O comércio brasileiro com o oriente e com a China era muito fraco, e não por questão de renda ou pela distância, mas principalmente por causa de desconhecimento. E estamos descobrindo que somos países muito complementares. O Brasil, por exemplo, tem um grande excedente de alimentos, de grãos, enquanto a China é um grande consumidor de alimentos, precisa fazer estoques estratégicos de grãos. Assinamos um convênio com a Bolsa de Futuros de Xangai, que movimenta em torno de 5 bilhões de dólares por dia, mesmo sem ter mercados financeiros. Nós movimentamos 20 a 25 bilhões de dólares por dia.
II – É possível vender algum tipo de tecnologia nessa área para eles?
MFCN – É esta a finalidade do acordo assinado, nós estamos trazendo técnicos deles para cá e pretendendo transferir para eles a tecnologia na administração de risco, que foi algo que desenvolvemos aqui. Queremos uma parceria com eles para desenvolver contratos na China, principalmente para distribuir nossos contratos.
II – Que tipo de contratos?
MFCN – A China hoje está comprando principalmente a soja, que é o principal grão de produção no Brasil. O país é o segundo maior produtor do mundo e o maior exportador do mundo. Dos 110 milhões de toneladas de grãos que nós produzimos, cerca de 60 milhões são de soja, então a soja é o carro-chefe da exportação para a China. Mas eles estão descobrindo o café brasileiro, o açúcar brasileiro.
II – No seu entendimento, o mercado global vai ser um mercado de especialização? Qual seria nossa vocação?
MFCN – Hoje, a maioria das bolsas de derivativos realmente se especializaram, seguindo as características do país, dos seus mercados. O Brasil, a exemplo de Chicago, opera uma bolsa multicontratos. Nós temos aqui os contratos financeiros e os contratos agrícolas e estamos prontos para emitir contratos com características próprias para o mercado americano ou europeu, desde que seja permitido a internacionalização pelo Conselho Monetário Nacional. Por exemplo, nós já temos um contrato de ADR, de futuro do índice de ADR pronto esperando essa autorização do CMN. Isso é uma demanda do mercado norte-americano.
II – Está só esperando autorização?
MFCN – Sim, já estamos com índice calculado e tudo, só estamos esperando autorização. Tem também contrato da dívida brasileira esperando autorização. Nós ainda temos essa deficiência aqui no Brasil, apesar do mundo globalizado, o governo brasileiro ainda não autorizou o investidor estrangeiro a operar nos mercados financeiros do Brasil. Ele pode operar aqui através do Anexo 4, mas não fazendo a operação com origem no seu país, como é no comércio agrícola, com a BM&F autorizada a receber garantias lá fora, fazer as margens lá fora.
II – A característica multicontrato de bolsa de futuro brasileira permanece?
MFCN – Permanece e tende a crescer. Nossa estratégia é, exatamente, ser uma bolsa internacional, ser uma bolsa que possa competir de igual para igual com a Bolsa de Chicago e com as bolsas européias.
II – As bolsas de futuros dos Estados Unidos estão trazendo o investidor pessoa física para operar nelas, com contratos menores. Isso vai acontecer também no Brasil?
MFCN – O mercado de derivativos no Brasil é muito recente, porque nós só podemos falar de mercado de futuro a partir da estabilidade econômica de 1994, com o Plano Real. Então, é um mercado que não é complicado mas é algo muito novo, é um mercado de empresas, onde 98% dos clientes são instituições dirigidas por empresas, como bancos, financeiras etc. Mas como você falou, no resto do mundo as pessoas físicas participam muito desse mercado. Apenas para citar, na China 80% dos clientes são pessoas físicas.
II – Que tipo de contrato eles fazem?
MFCN – Na China, como não há um mercado financeiro desenvolvido, o chinês não aplica em taxa de juro, em CDB, aplica em produtos. Então, ele compra mercado futuro de cobre, ouro, de madeira.
II – Como hedge ou como investimento?
MFCN – Não é hedge não, 80% do mercado lá são de investidores, são pessoas físicas. É claro que são 80% dos clientes e não 80% do volume financeiro. Porque os 20% de pessoas jurídicas respondem por 60% do volume financeiro. Aqui, no Brasil, nós planejamos dar acesso à pessoa física através de mini-contratos que estamos lançando agora. E vamos fazer isso de uma maneira muito fácil para a pessoa física operar, através de um sistema de contratos pela internet que as corretoras disponibilizarão para os seus clientes. É como o home broker da Bovespa, com o investidor podendo acessar diretamente a sua corretora e ter na tela os contratos de compra e venda.
II – Porque contratos minis?
MFCN – Porque um contrato de dólar, aqui na BM&F, é de 50 mil dólares. Então, estamos disponibilizando pela internet contratos de 5 mil dólares. O que não quer dizer que pessoa física só seja investidor, às vezes ele precisa comprar dólares para outro fim, aí não é uma operação de risco. Ele pode querer fazer hedge, por exemplo se tiver uma pequena dívida, ou se tiver compromissos em dólar recebe em reais.
II – Vai ter só contrato de dólar?
MFCN – Não, inicialmente nós vamos soltar contratos de dólar e contratos de índice Bovespa.
II – Quando vai estar disponível?
MFCN – Em fevereiro de 2004.
II – A parte de tecnologia do novo sistema já está pronta?
MFCN – Sim, já está toda pronta. Nós desenvolvemos esse ano o sistema todo, está pronto para ser lançado.
II – Quanto vocês imaginam que esses minis vão representar, em termos de volume, para a BM&F?
MFCN – Hoje, a participação da pessoa física é muito pequena, são só 2% dos clientes. Se nós atingirmos 20% dos clientes, que é uma meta exeqüível, será um sucesso. É claro que o volume financeiro da pessoa física sempre vai ser menor do que a pessoa jurídica, como bancos, fundos de pensão, grandes empresas que precisam fazer proteção patrimonial, hedge etc. Mas, o importante é que tenhamos uma pulverização, uma quantidade maior de clientes.
II – Esses 2% de pessoas físicas que o sr. citou, isso é quantidade de pessoas ou volume?
MFCN – 2% de quantidade de clientes.
II – E volume?
MFCN – Menos, o volume é de cerca de 0,5%.
II – A que percentual o sr. quer chegar?
MFCN – Quero chegar a 20% em número de clientes e uns 8% em volume.