“Os investimentos voltam se a Lei das SA mudar”

Edição 76

Emerson Kapaz, deputado do PSB

Para o deputado Emerson Kapaz, do PSB, a lei das SA é uma das grandes responsáveis pelo regime de emagrecimento que vive o mercado de capitais brasileiro nos últimos anos. Ao relegar os direitos dos minoritários a um último plano, a lei das SA acaba afastando os grandes investidores das bolsas, porque esses sabem que num confronto com os majoritários são sempre eles que saem perdendo.
O projeto do deputado Kapaz, que está concluído e segue agora para a Comissão de Economia para discussão, pretende restabelecer o equilíbrio de poder entre essas duas partes do mercado, o acionista controlador e o acionista minoritário. Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista que ele deu à Investidor Institucional:

Investidor Institucional Porque você resolveu entrar nessa questão, de mudar a lei das SA?
Emerson Kapaz – Havia um projeto do deputado Luiz Carlos Hauli, que foi parar na Comissão de Economia, Indústria e Comércio e do qual eu me tornei o relator, que mexia na questão das emissões futuras de ações. Então, para avaliar a implicação desse projeto para o mercado de capitais como um todo eu comecei a trocar idéias com instituições como Bovespa, Abamec, Abrasca e outras, além do governo, e comecei a perceber que o grande entrave à volta dos investimentos mais pesados estava no fato de os minoritários se sentirem absolutamente desprotegidos nesse mercado.

IIPor causa da Lei Kandir?
EK – Sim, porque o governo criou essa lei para tirar as garantias dos minoritários, de forma a facilitar o programa de privatização.

II Quer dizer, uma lei feita pelo governo para valorizar seus próprios ativos?
EK – Isso mesmo, mas ela acabou prejudicando o mercado como um todo e nem o governo quer isso, porque ele quer que o mercado possa financiar o crescimento das empresas. Então, era hora de limpar isso, de voltar atrás com essa lei. E o próprio executivo reconhece essa necessidade de mudar, tanto que o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, reconheceu no meu primeiro substituto um passo importante, e me deu sinal verde para avançar.

IIQuer dizer que você conta com o apoio do governo para esse projeto?
EK – O problema maior para aprovar um projeto é a articulação política. Não adianta ter um bom projeto, um projeto ousado, se ele morre na gaveta. Então, a minha preocupação ao longo desses oito meses de negociação foi costurar, politicamente e tecnicamente, os apoios necessários.Temos falado com o governo como um todo, com o ministro (Alcides) Tápias, o Armínio Fraga, o presidente do BNDES, Francisco Gros, além da CNI, Firjam, Abifiesp, Abamec, Abrasca e toda a área de competência técnica do governo.

IIQue mudanças o projeto traz?
EK – Tem várias mudanças importantes, mas algumas coisas nós tivemos a preocupação de garantir. Ponto de princípio número um é não mexer no estoque das ações das empresas; ponto de princípio número dois é fortalecer a CVM no projeto, transformando-se numa agência reguladora do mercado, com mandato para o presidente, orçamento próprio e equipe competente.

IIOrçamento próprio?
EK – Exatamente, ela gasta o que arrecada, não precisa entrar no caixa do Tesouro. Então, se caminhamos nessa direção, temos que dar força e responsabilidade à CVM, que passaria a funcionar como a SEC dos EUA. Essa mudança na CVM poderá ser feita via Medida Provisória ou por Projeto de Lei, estamos avaliando isso com o governo.

IIDo ponto de vista das empresas, o que muda?
EK – Tem várias mudanças importantes, a primeira é na questão da emissão de novas ações, que só poderão ser feitas na proporção de 50% de ordinárias e 50% de preferenciais a partir da aprovação da lei. Mas isso vale apenas para as empresas novas, para as que abrirem capital após a aprovação da lei. As empresas que já estão no mercado poderão fazer suas emissões futuras pelo sistema atual, de um terço de ordinárias e dois terços de preferenciais, por um período de cinco anos ou por três emissões. A partir daí é que elas terão que, obrigatoriamente, seguir a nova lei.

IIOs minoritários terão mais peso nos Conselhos de Administração?
EK – Essa é uma segunda mudança que eu considero importante, a participação dos minoritários no Conselho de Administração. Os preferencialistas sem direito a voto que tenham pelo menos 10% do capital poderão indicar um membro no Conselho de Administração.

IIEsses 10% poderão ser constituídos no sistema de pool?
EK – Pode, pode ser em conjunto. Além disso, uma outra mudança importante é a questão do Conselho Fiscal. Ele passa a ter cinco membros, dois indicados pelo controlador, um pelo minoritário ordinarista, outro pelo minoritário preferencialista e o quinto, para desempatar, por quem tiver o maior número de ações. Poderá acontecer, eventualmente, de os minoritários terem a maioria do Conselho Fiscal, através de uma composição de suas ações. Não será a regra, mas poderá acontecer.

IIE a questão da extensão do prêmio do controle aos minoritários, como ficará no seu projeto?
EK – Nós pretendemos recuperar o artigo 259, o chamado tag along (em português, levar junto), que estabelece o prêmio que ficará estabelecido na venda do controle deve ser estendido aos minoritários ordinaristas e, em alguns casos, também aos minoritários preferencialistas.

IIQue casos são esses?
EK – Isso vai estar vinculado a um outro artigo da lei, que diz que quem não quiser estender aos preferencialistas minoritários o prêmio de controle terá que dar a esses preferencialistas um dividendo mínimo de 4% sobre o valor patrimonial da ação. Então, eu posso não dar um privilégio lá mas terei que dar um privilégio aqui, faço a empresa optar e ela escolhe.

II O valor do prêmio terá que ser estendido integralmente ao minoritário, 100% do prêmio?
EK – Isso ainda está em debate, por enquanto ainda está em 100%, mas pode mudar. Na primeira versão era 80%, na segunda passei para 100%, mas estou avaliando isso ainda.

IIComo ficará a questão do fechamento do capital das empresas abertas?
EK – O valor que vai ser estipulado no pagamento aos minoritários, quando eles pedirem o recesso, sairem da empresa ou por fechamento de capital, será o valor econômico, que tem como piso o valor patrimonial da ação. Esse valor econômico será achado por peritos ou por empresas especializadas, peritos no caso de empresas de capital aberto sem ações em bolsa e empresas especializadas para aquelas que têm negociação em bolsa.

IIVocê acha que essas mudanças podem trazer de volta o investidor às bolsas?
EK – Eu não tenho a menor dúvida de que, uma vez aprovada esse projeto, nós vamos ter aí uma nova visão no mercado de ações. O governo considera hoje esse projeto como prioridade número 1, do ponto de vista da recuperação dos investimentos de mercado de capitais.

II Por que você acha que os investidores podem voltar?
EK – Eu tenho feito conference calls com o mercado mundial quase todas as semanas, no final de abril estou indo para Nova York e depois para São Francisco e Los Angeles para fazer um road show a convite de bancos, investidores e fundos de pensão norte-americanos. Todos têm demonstrado muito interesse por essa questão.Também devo viajar para a Europa, para fazer esse road show.

IIQuanto poderia entrar no mercado em recursos novos a partir da mudança das lei das SA?
EK – Eu imagino que poderiam entrar no mercado de capitais algo como R$ 120 bilhões em dinheiro novo, que é cerca de 30% a 40% do valor de capitalização do mercado atual, que está em cerca de R$ 500 bilhões. Esses recursos novos seriam um oxigênio que viria para as empresas abertas e para o mercado.

II O seu projeto prevê maneiras de redução do custo de abrir o capital de uma empresa e de manter aberto esse capital?
EK – Eu tentei avançar algumas mudanças que eram possíveis, mas isso não é muito fácil. Por exemplo, a questão da publicação obrigatória dos balanços legais nos jornais e também no Diário Oficial. Eu tentei eliminar o Diário Oficial, mas não consegui, porque veio uma pressão muito grande de todos os diários oficiais do Brasil. Eu senti que se insistisse na questão viria pressão dos próprios governadores, que se mobilizariam para inviabilizar o projeto. Os 27 governadores se mobilizariam, porque o diário oficial de cada estado iria estar em jogo. Então, deixei a questão de lado e vamos ter que conviver com isso por um período de tempo ainda.

IINão se mexe nisso?
EK – Não, mas talvez a gente mexa em algumas outras coisas. Por exemplo, obrigando empresas acima de um determinado faturamento a também publicarem seus balanços, mesmo que não sejam companhias abertas. Isso não apenas daria mais transparência sobre suas contas como também as tirariam de uma situação privilegiada em relação às empresas de capital aberto, que têm que gastar com as publicações.

IIQuer dizer, você não pode abaixar o custo de umas e então eleva o custo das outras?
EK – É, mas só acima de um determinado faturamento, não é para todas. Mas isso é uma avaliação que ainda estamos fazendo, achamos que isso diminuiria a competição desleal apontada pelas empresas de capital aberto em relação à empresas que têm um potencial de faturamento também muito grande. Então, isso não vai matar ninguém.

IIDe qualquer forma, nenhuma alternativa para as pequenas irem ao mercado de capital buscar recursos?
EK – O que deve acontecer, e eu espero que aconteça, é que surjam empresas de venture capital para financiar as empresas menores ou empresas de Internet, como já acontece nos EUA. Lá, são essas empresas que financiam o mercado de Internet, elas é que tem que ser o grande alavancador e facilitador da vida das pequenas empresas. Isso também já está acontecendo no Brasil, mas ainda de forma muito incipiente.

IIAs venture capital financiam o desenvolvimento aqui e depois levam as empresas para abrir capital lá fora, na Nasdaq por exemplo, que é onde vendem melhor.
EK – Vamos parar e pensar porque isso acontece. Porque lá o PL é muito maior do que aqui. E por que o PL aqui é baixo? Porque o nosso mercado não tem garantia ao minoritário. Se você pergunta ao empresariado como um todo se ele concorda que precisamos subir o PL, ele diz que sim, mas ele não quer perder as suas garantias, o controle da sua empresa com apenas 17% das ações. Então, esse aumento do PL não vai acontecer nunca.

IIA Nasdaq também tem mais liquidez que a Bovespa. Isso não pesa?
EK – É lógico que pesa, e o aumento da liquidez virá juntamente com essas garantias. Porque o pessoal vai passar a investir em ordinárias minoritárias, e isso vai melhorar o valor das ordinárias. Porque o 259, ou o tag along como estamos chamando, obrigará a estender o prêmio de controle ao minoritário ordinarista e as ordinárias vão passar a ser quase tão boas quanto as preferenciais. Então, isso vai aumentar também a liquidez das preferenciais.

IIBeneficia todos, minoritários e majoritários?
EK – Exatamente, é esse o argumento que estou usando. Se o empresário ficar só numa posição defensiva vamos ver cada vez mais nossas ações serem negociadas apenas nas bolsas de valores de fora, sem nenhum controle nosso. Para fazer uma emissão boa, com um retorno bom, vamos ter que fazer lá fora.

IIOs mercados de capitais estão se concentrando em blocos regionais, até se fala numa bolsa do Mercosul, uma bolsa latino-americana. O que você acha disso?
EK – Acho que deve ser o caminho. Para enfrentarmos a concorrência mundial vamos ter que ter uma bolsa latinoamericana, provavelmente sediada em São Paulo.

IIPara lançar ações lá fora, no caso das ADRs, muitas empresas se adaptam à legislação do mercado de capitais americano, na questão de balanços. Nós não teríamos que adotar um padrão internacional para nosso balanço?
EK – Está em avaliação isso. Tem um outro projeto de lei na Comissão de Finanças e Tributação que está discutindo isso, as adequações do sistema de publicação de balanços. Se não me engano a relatoria é do deputado Rodrigues Maia, do PB.

IIComo os empresários mais tradicionalistas estão resistindo ao seu projeto?
EK – Alguns sim, mas é uma falta de visão. O meu projeto contempla uma transição, um período de quatro a cinco anos que vai mostrar para onde o mercado brasileiro está caminhando e vai forçar o empresariado, de uma forma ou de outra, a entender que a percepção patrimonialista que eles têm da empresa tem que ser mudada.

IIQual é a situação do seu projeto, hoje?
EK – Politicamente ele vai bem. Agora ele segue para a Comissão de Economia, para discussão. Estou terminando o relatório final. Depois da Comissão de Economia, os próximos passos dependem da aprovação ou não na Comissão, vai para Plenário ou não.

II Eventualmente, ele pode estar em vigor ainda neste primeiro semestre?
EK – Isso é o que eu quero, essa é a minha meta. Ter o projeto aprovado nas duas Casas até junho.