Edição 143
Luiz Leonardo Cantidiano, da CVM
Considerado um dos presidentes mais ativos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) dos últimos tempos, Luiz Leonardo Cantidiano faz jus à fama. Em pouco mais de um ano e meio de mandato, a CVM já editou 31 Instruções. Entre elas, regras importantes como a de debêntures padronizadas, de fundos de private equity e a reedição da norma sobre emissões de ações. Atualmente, Cantidiano e sua equipe trabalham na confecção da primeira grande regulamentação que vai unir os fundos de renda fixa e os de ações sobre o mesmo guarda-chuva.
Esse trabalho intenso, no entanto, não reduz as pressões que o presidente da CVM vem sofrendo. Cantidiano trabalha em meio a uma verdadeira chuva de rumores dando conta de que sua relação com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, não é nada amistosa e de que Palocci gostaria de indicar alguém de sua confiança para o cargo de xerife do mercado de capitais. Sem perder a calma e o jeito paciente que lhe é peculiar Cantidiano responde: “não há nada que confirme esse rumores.”
Otimista com o mercado de capitais para este ano, Cantidiano acredita que com a melhora da situação macroeconômica (leia-se queda de juros e crescimento econômico), haverá uma onda de empresas abrindo o capital e lançando ações, o que há alguns anos não se vê. A seguir, os principais trechos da entrevista com o presidente da CVM
Investidor Institucional – A CVM está reformulando a regra de fundos de investimentos. Quais as principais mudanças?
Luiz Leonardo Cantidiano – Estamos trabalhando em uma minuta para colocar em audiência pública. Até agora, havia regras do Banco Central para os fundos de renda fixa e regras da CVM para os fundos de ações. Como desde março do ano passado a CVM passou a fiscalizar e registrar todos os fundos, a nossa proposta vai tratar indistintamente de um e de outro. Teremos três tipos de fundos: o fundo padrão e o fundo para investidor qualificado, ambos com registro automático, e o fundo não padronizado para o investidor de varejo, que continuará tendo um sistema normal de análise dentro da CVM.
II – Isso pode reduzir o número de categorias de fundos?
LLC – Acredito que sim. Hoje há uma classificação informal, feita pelo próprio mercado, que resulta em cerca de 30 categorias. Estamos propondo dez classes oficiais de fundos. Isso vai deixar bem claro para o investidor qual é o objetivo do fundo em que ele vai aplicar. A nova Instrução também vai tratar da proteção do investidor, estabelecendo regras de divulgação de informações que permitam ao cotista avaliar corretamente o grau de risco que está correndo e se é compatível ao retorno que pretende obter. A regra vai determinar, por exemplo, a divulgação do valor e da composição da carteira do fundo no encerramento de cada mês.
II – Mudará alguma coisa na área de distribuição?
LLC – Vamos criar a possibilidade de distribuição de cotas por conta e ordem, permitindo que a instituição que possui clientes possa distribuir os fundos de uma outra instituição sem perder os seus clientes. Vamos mexer também no conceito de investidor qualificado, melhorando e esclarecendo esse conceito.
II – Quando sai essa nova regra?
LLC – Ela deve entrar em audiência pública nos próximos 15 dias.
II – Qual o objetivo da nova regra de debêntures padronizadas, publicada pela CVM?
LLC – É desenvolver o mercado secundário e, conseqüentemente, estimular o mercado primário desses papéis. Hoje é muito difícil negociar debêntures, pois é tudo diferente: os valores, as cláusulas de direitos e obrigações, os preços de negociação. Tudo isso leva o mercado a negociar caso a caso. E não há como ter um mercado ativo se ele não tiver o mínimo de padrão. Pela nova regra, todas as debêntures terão o mesmo valor (R$ 1 mil a unidade), um valor acessível ao pequeno investidor. Todas com as mesmas regras quanto aos direitos e obrigações, com negociação em bolsa ou balcão organizado e pelo valor de face, com ágio ou deságio, sem embutir o rendimento, como se negocia o C-Bond. Com isso, o investidor terá que se preocupar apenas com a qualidade do emissor, o risco de crédito e a remuneração que ele paga.
II – As novas regras são boas também para as empresas?
LLC – As empresas também terão prazo de até 24 meses para emitir, de uma vez ou em lotes, com a necessidade de publicar um aviso com apenas um dia de antecedência à emissão. Isso é bom para a empresa, pois permite lançar papéis durante a melhor oportunidade do mercado. A empresa precisa só atualizar o prospecto das debêntures a cada seis meses.
II – Que outras regras a CVM deve soltar ainda este ano?
LLC – Estamos trabalhando na regra dos fundos, na Instrução sobre níveis diferenciados de registro de companhias abertas e começando a discutir uma nova regra para fundos imobiliários.
II – Por que no último ano a CVM se empenhou tanto para soltar uma série de novas regras?
LLC – O Brasil precisa ter um mercado de capitais desenvolvido, que cumpra o seu papel de fornecer recursos para financiar a atividade produtiva. O país tinha problemas macroeconômicos que impediam o desenvolvimento do mercado de capitais, como inflação, taxa de juros, déficit público, pouca poupança interna e apropriação de grande parte dela pelo Tesouro Nacional. Além disso, havia também um ambiente regulatório defasado no tempo, com algumas regras de mais de 20 anos. Então, é preciso um conjunto de reformulação de regras, dando condições do mercado se desenvolver, com a melhora do ambiente macroeconômico, é claro.
II – O problema com a Parmalat não levanta uma questão sobre o risco dos fundos de recebíveis?
LLC – O fundo de recebíveis protege o cotista, já que os recebíveis são pagamentos futuros que a empresa tem a receber e entram diretamente para o fundo, sem passar pela empresa e sem serem contaminados por uma dificuldade financeira da companhia. Esse dinheiro não se mistura ao caixa da companhia. Dessa forma, o risco da empresa e dos seus recebíveis é totalmente segregado.
II – Mas não existe o risco desses recebíveis não serem honrados pelos devedores?
LLC – Sim, existe. Mas esse é o risco de crédito dos devedores da empresa. Para resolver ou minimizar esse risco, a Instrução determina que os recebíveis tenham rating, para o investidor saber exatamente qual é o grau de risco dos recebíveis que fazem parte do fundo. O sinal de que o conceito do fundo está bem estruturado é que o fundo da Parmalat foi liquidado e todos os investidores receberam o dinheiro de volta, enquanto os empregados, fornecedores e credores da empresa estão sem receber.
II – Quer dizer, as regras foram eficientes.
LLC – Sim foram. Tanto que o número de fundos de recebíveis está crescendo. O segmento, que tinha dois ou três fundos há menos de 1 ano, hoje já tem mais de 20. O patrimônio total pulou de R$ 200 milhões para mais de R$ 2 bilhões no mesmo período.
II – Há muito tempo não há um mercado ativo de empresas abrindo capital e lançando ações. Por que isso acontece?
LLC – Por uma conjunção de fatores. Primeiro pela situação macroeconômica ruim, de juros altos. Segundo, pela falta de crescimento do país. Com capacidade ociosa, as empresas não têm planos de investir. Quem não investe não precisa captar dinheiro no mercado. Mas, melhorando a parte macro, com inflação sob controle, taxas de juros reduzidas, aliado a um processo de crescimento econômico, a tendência será de que as empresas voltem a investir. E, para isso, elas precisam buscar recursos no mercado. Se as regras de funcionamento do mercado melhoram, começa um ciclo virtuoso.
II – O senhor acha que esse ciclo deve ocorrer este ano?
LLC – Espero que sim. Recebíveis, que é um instrumento bom para as empresas buscarem capital de giro, em menos de um ano aumentou em quase dez vezes o volume. O mercado de debêntures está começando a aquecer. Um agente fiduciário me disse que recebeu consultas de seis empresas dispostas a lançar debêntures no ano passado inteiro. E, apenas nos primeiros dois meses deste ano, já recebeu quatro consultas. Alguns advogados têm falado de empresas montando projetos para captar recursos lançando ações. A expectativa é muito boa, estou bastante otimista
II – De que maneira a CVM poderia estimular as empresas a abrirem o capital?
LLC – O que ela pode fazer é contribuir para melhorar as regras, para agilizar o processo de análise das operações, dar mais transparência e proteção ao investidor, e é exatamente isso que estamos fazendo. Exemplos disso são a Instrução que possibilita a empresa registrar uma emissão de ações na CVM, mas lançá-la apenas quando achar conveniente, e a regra das debêntures padronizadas.
II – O governo está planejando criar a conta de investimentos, para facilitar a movimentação dos investimentos sem pagar CPMF. O que o sr. acha da idéia?
LLC – É uma medida muito salutar para o mercado, já que vai permitir uma maior movimentação dos investidores entre as aplicações. Muita gente deixava de mudar de um fundo para outro, ou até de um gestor para outro pois em muitos casos a CPMF comia boa parte do ganho que o investidor teria com a mudança. A partir de agora, vai pesar apenas a qualidade do fundo e do gestor e não mais os custos embutidos na mudança.
II – Pode esvaziar os fundos exclusivos?
LLC – O fundo exclusivo surgiu para atender as necessidades do investidor. Se agora ele terá condições de alcançar os mesmos objetivos, que era não pagar CPMF na compra de ativos, com mecanismos diferentes, ele pode perfeitamente sair dos fundos exclusivos.
II – A CVM está obrigando as companhias abertas a trocarem de auditoria a cada cinco anos. Como isso está sendo recebido pelas auditorias?
LLC – Tem duas ações na Justiça contestando a regra. Uma da Pricewaterhouse, questionando a parte da regra que proíbe a empresa de auditoria prestar serviços de consultoria para um mesmo cliente. Uma outra da Confederação Nacional do Comércio, questionando a obrigatoriedade do rodízio. Acho que todo mundo tem o direito de questionar na Justiça aquilo que acha que está errado.
II – Mas a regra continua valendo?
LLC – Sim, continua valendo. Apenas a questão sobre a prestação de serviços de consultoria pela empresa de auditoria, tem uma liminar que permite que a autora da ação, que é a Price, possa prestar alguns serviços de consultoria. E a outra ação, que era um pedido de inconstitucionalidade do rodízio, essa a Justiça não acatou por enquanto.
II – O rodízio está ocorrendo?
LLC – As companhias estão se preparando para mudar a empresa de auditoria até o início de maio, quando a regra do rodízio passa a valer. Se você olhar os balanços vai perceber que muitas empresas já mudaram o auditor.
II – O que o senhor acha da idéia de unificar as agências reguladoras – CVM, Susep, SPC?
LLC – Eu não gosto dessa idéia. A especialização foi algo que atingimos em 1976, com a criação das agências, exatamente para dar melhor proteção ao investidor. Até então, havia órgãos, como o Banco Central, que cuidavam de vários assuntos ao mesmo tempo, privilegiando uns em detrimento de outros. O mercado de valores mobiliários disputava a atenção do BC junto com vários outros assuntos, como fundos de pensão, seguradoras etc. Com a criação das agências, cada tema ganhou uma atenção e tratamento especial. Juntar tudo de novo, significa criar uma super estrutura, burocratizada, que pode dificultar o andamento de cada um desses setores.
II – Há rumores de que o senhor não tem uma boa relação com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e de que ele gostaria de indicar alguém da confiança dele para a presidência da CVM. Isso é verdade?
LLC – Não, não é verdade. A nossa relação é boa. Não há nada que confirme esses rumores.
II – Por que o quadro de diretores da CVM permanece incompleto?
LLC – Pergunte ao ministro Palocci. Não sou eu que nomeio os diretores da CVM, é ele.
II – Em alguns países, como nos EUA, as agências que fiscalizam o mercado de capitais são super fiscalizadoras. Várias fraudes, descobertas por elas, culminaram em prisões. A CVM é rígida dessa forma?
LLC – Sim, nós apontamos o escândalo do Cragnotti (controlador da Bombril) há mais de dois anos, aplicamos uma multa nele. Enquanto a Itália só agora descobriu a fraude da Parmalat. Mas CVM nenhuma do mundo tem poder de prender. A CVM monitora e opina junto a Justiça o que deve ser feito, mas quem tem esse poder de prender é a Justiça.
II – Uma parte do mercado acusa a gestão atual da CVM de tomar decisões que prejudicam os minoritários, em prol dos controladores. Como o senhor recebe essa crítica?
LLC – A CVM é absolutamente isenta. Ela segue a lei. E se o minoritário quer ter um direito que a lei não lhe confere, é preciso mudar a lei e não reclamar da CVM.