“O voto ainda é muito volátil” | Para o cientista político Christ...

Edição 107

Christopher Garman, cientista político

O desembaraço com que os candidatos presidenciais estão assumindo posturas e posições políticas em relação a atual conjuntura econômica, tanto nas alas oposicionistas quanto situacionistas, coloca a questão da sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso na ordem do dia. Já não dá para segurar o debate, como vinha tentando fazer FHC, até porque este ano já está acabando e o próximo elegerá o seu sucessor para o Palácio do Planalto. Daqui para a frente, cada vez mais as candidaturas vão se delinear em seus contornos políticos e partidários e as posições de cada candidato devem influenciar fortemente os rumos da economia. Para falar sobre isso, convidamos o cientista político Christopher Garman, atualmente terminando um doutorado na Universidade da Califórnia, em San Diego, sobre as relações federativas no Brasil, mostrando a relação entre o governo federal e os Estados. Garman, que há cinco anos vem carimbando com freqüência seu passaporte nos vôos Brasil/EUA por exigência de seus estudos, há dois resolveu fixar residência no Brasil e hoje trabalha na consultoria Tendências, na área de análises da conjuntura política e eleições. Para ele, as oposições sempre saem na frente nos debates pré-eleitorais. Veja, a seguir os principais trechos da sua entrevista à Investidor Institucional:

Investidor InstitucionalComo você vê o avanço das principais candidaturas oposicionistas à presidência?
Christopher Garman – Nessa fase pré-eleitoral é natural que candidaturas de oposição tenham uma certa vantagem nas pesquisas de intenção de voto. Isso é devido à maior visibilidade dessas candidaturas nesse momento, tanto do Lula que é quase um eterno pré-candidato como do Ciro Gomes, do Itamar Franci e do (Antony) Garotinho.

II É comum essa maior visibilidade das oposições nas fases pré-eleitorais?
CG – Sim, não só no Brasil mas também em outras democracias presidenciais e até parlamentares. O exemplo que eu sempre gosto de lembrar é o caso americano, que nas últimas eleições presidenciais dava ao candidato de oposição uma larga vantagem no período pré-eleitoral. George Bush estava quase 20 pontos percentuais na frente do Al Gore no início do ano, mas no momento em que Al Gore se lançou candidato oficial, quer dizer, quando ele foi ratificado na Convenção dos Democratas durante o verão ele conseguiu reverter de uma noite para outra mais de 20 pontos percentuais nas intenções de voto.

II Porque acontece isso?
CG – Isso é o que se pode chamar de uma certa vantagem natural dos candidatos de oposição no período pré-eleitoral. E a razão é que enquanto esses candidatos já estão se promovendo perante o eleitor como presidenciáveis, os candidatos do governo ainda não começaram a campanha. Todo mundo conhecia Al Gore como vice-presidente, mas não conseguia visualizá-lo como um presidente, e foi somente quando ele saiu na mídia como um presidenciável é que houve uma reversão das intenções de votos dos eleitores. Essa mesma dinâmica você pode aplicá-la, num grau menor, com os ministros do governo Fernando Henrique.

II Você está se referindo ao Serra?
CG – Veja, o Serra está empacado em 5 ou 6 pontos percentuais de intenção de voto, mas isso não indica que ele não seja bom eleitoralmente. Acho que essa é uma análise incorreta. O que acontece é que o eleitor ainda vê o ministro da Saúde mais como um médico do que como um presidenciável. O Serra ainda não está se projetando como um presidenciável e, portanto, não é de se surpreender que ele não esteja subindo nas pesquisas eleitorais.

II Quer dizer, as atuais pesquisas de intenção de votos devem ser vistas com ressalvas?
CG – Sim, nesse período pré-eleitoral as pesquisas de intenção de votos têm que ser vistas com um grande grau de cautela e não devem ser levadas a sério como um indicador de como o eleitor irá votar no dia da eleição. Tanto que, se você avalia as pesquisas de voto espontâneo, quase 60% do eleitorado ainda não definiu seu voto. Então, o voto ainda é muito volátil.

II Em seus discursos, tanto o Serra quanto o Tasso (Jereissati) apresentam um certo viés crítico ao governo, pelo menos a alguns aspectos da política econômica do governo. Essas críticas podem se acentuar?
CG – Essa é uma dinâmica que está se consolidando, há realmente um certo consenso entre os dois pré-candidatos de mudar a orientação da política econômica do Governo, mas essa dinâmica precisa ser relativizada em dois sentidos. O primeiro é que ambos, tanto o Tasso quanto o Serra, reconhecem que para ganhar a candidatura do PSDB eles precisam do apoio de Fernando Henrique e não vão poder fazer críticas tão diretas ao modelo de política econômica do atual Governo. Então, você vê o Tasso fazendo certas declarações, críticas indiretas, mas no dia seguinte ele tenta amenizar um pouco o tom dessas críticas, dizendo que não é uma crítica a Fernando Henrique. Esse vai e vem a gente deve continuar a ver, porque o dilema de ambas as candidaturas é a necessidade de se diferenciar do atual Governo, devido aos baixos índices de aprovação, e ao mesmo tempo depender do apoio do governo.

IICríticas ao atual governo rendem votos?
CG – Bem, existe um eleitorado de centro que representa quase 30% do colégio e que tem certas resistências a votar tanto num candidato de esquerda, como Lula, mas também tem certa insatisfação com Fernando Henrique. Então, a questão dos candidatos do governo é como persuadir esse eleitor. Tasso e Serra parecem ter adotado uma estratégia de fazer críticas indiretas à política econômica, mas eu gostaria de chamar a atenção para a estratégia de Roseane Sarney, que subiu quase 19, 20 pontos percentuais sem fazer sequer uma crítica à política econômica do Governo. Toda a propaganda eleitoral dela sempre tenta propagar uma imagem de renovação, um novo rosto, olhando para o futuro, focalizando um pouco o tema de segurança. E ela subiu rapidamente, sem uma crítica ao Governo. Então, de um lado temos o Tasso e o Serra adotando essa postura de críticas indiretas, mas de outro temos a ascensão de Roseane indicando que existe espaço para conquistar esse eleitorado de centro sem necessariamente entrar num discurso de semi-oposição à política econômica do Governo.

IIQuer dizer, Tasso e Serra podem estar com a estratégia errada na abordagem desse eleitor de centro?
CG – A subida de Roseane talvez indique que a escolha de Tasso e Serra não seja a mais apropriada para chegar, eventualmente, à presidência.

IIEssa subida da Roseane Sarney pode levar o PFL a pleitear a cabeça de chapa numa candidatura de composição com o PSDB?
CG – Com certeza a subida da Roseane deixou o PSDB numa posição um pouco difícil, mas é pouco provável que o PSDB deixe de ter cabeça de chapa na eleição presidencial. Então, se o PSDB não vai largar mão desse quesito, aí resta perguntar se o PFL poderia sair sozinho. Eu acho esse cenário pouco provável.

IIPorque ele não sairia sozinho?
CG – Por duas razões: primeiro, porque um fator que vai ser muito importante para a seleção presidencial são os palanques estaduais e o PFL e o PSDB já estão começando a costurar acordos para ter palanques nos principais colégios como São Paulo, Rio e Minas. Então, esse esforço que já começou leva os dois partidos a ficarem juntos. E o segundo fator é que o PSDB tem forte presença em São Paulo e em Minas, os dois maiores colégios, e o PFL não tem. Então, o PFL reconhece que, eleitoralmente, uma aliança com o PSDB é vantajosa. Além do mais, tem o fator da junção do tempo eleitoral gratuito, que pode chegar a 40% do total com os dois juntos, o que é uma grande vantagem. Então, existem razões que eu chamaria de estruturais para que essa aliança não se desfaça, e o PFL reconhece essas razões.

II E como o PFL administraria essa subida das intenções de voto em Roseane?
CG – Eu acho que a subida da Roseane seria usada mais para exercer influência sobre qual candidato sairá do PSDB. Então, isso poderia ser uma importante moeda de barganha.

II Há risco de as diretrizes da atual política econômica ser alterada pelo próximo governo, seja ele da situação ou de oposição?
CG – Acho que podemos fazer uma análise diferenciada entre a eleição ser vencida por um candidato da situação e outro de oposição. Entre os candidatos da situação, o Serra ou até o Tasso, eles podem até fazer uma campanha com críticas indiretas ao atual governo mas se ganharem as eleições não devem mudar as linhas básicas da política econômica, adotando uma postura de responsabilidade fiscal, de manter superávits primários. O que pode mudar é que podem introduzir uma política mais agressiva perante as exportações e a questão do desenvolvimento, mas não ao ponto de prejudicar a estabilidade macro-econômica e a questão fiscal. As diretrizes básicas devem permanecer.

IIE caso ganhe um candidato da oposição?
CG – Acho importante reconhecer que o grau de manobra de qualquer candidato, para conduzir uma política econômica divergente, é muito menor agora do que em eleições passadas. A razão é que o Real já tem quase oito anos e o fim da inflação já virou um certo bem público, um valor público perante o eleitorado, e qualquer candidato que ameace esta estabilidade enfrentaria não só uma reação do mercado mas também uma reação eleitoral. Também existem outros fatores que diminuem o grau de manobra de qualquer Executivo, como a lei de responsabilidade fiscal, em primeiro lugar, e a promulgação da PEC que limita o uso de medidas provisórias, em segundo. Com essas limitações o Executivo não terá os mesmos recursos que tiveram executivos passados para implementar uma política econômica muito divergente dos interesses do Congresso, ou para implementar uma política econômica que seja radicalmente diferente da atual. Então uma mudança radical eu acho muito pouco provável.

IIMas elas poderiam ser tentadas e desaguar num impasse, ou não?
CG – O que poderia haver, num governo do PT, por exemplo, seria a adoção de certas medidas inconsistentes durante o primeiro ano e que levariam a um ano de ajustes. Mas elas teriam que ser corrigidas em seguida. Então, no longo prazo, existe muito maior possibilidade de estabilidade para qualquer governo.

IIA possibilidade de vitória de um candidato da oposição ainda assusta muito os mercados internacionais?
CG – Assusta menos agora do que assustou, ou poderia assustar, em eleições passadas, exatamente pelas duas razões que eu apontei anteriormente.

IITambém porque a esquerda está mudando?
CG – Acho que sim. Acho que o PT está adotando o discurso correto, dizendo que não vai haver quebra de contratos, não vai prejudicar a estabilidade macro-econômica, mas acho que os investidores internacionais ainda vêem um governo petista com certos riscos, porque o programa econômico deles não é consistente com o cumprimento dessas metas. Além disso, é importante lembrar que a esquerda no Brasil ainda não passou pelo teste de governar a nível federal, assim como não passou por uma renovação dentro de seus quadros para descartar velhas retóricas que focalizam mais o desenvolvimento.

IIComo o discurso do Lula, de que se deveria exportar menos para resolver problemas de miséria da população interna?
CG – São declarações como essas que deixam o investidor nervoso, porque o PT e o Lula tentam passar uma imagem de que o partido se renovou e está muito mais moderado, mas de tempos em tempos o Lula faz uma declaração dessas que levanta novas suspeitas em relação ao seu governo. Talvez ainda existam dentro do atual partido certos resíduos dos programas econômicos petistas do passado, até porque ainda existe no PT fortes segmentos associados às alas radicais, que são a favor da quebra de contratos, do não pagamento da dívida externa etc.

IIMas são muito minoritários, não?
CG – Sim, são muito minoritários, mas ainda tem uma certa voz dentro do partido. E embora Lula consiga mantê-los em posição minoritária, de vez em quando ainda dá a eles um peso que os investidores gostariam realmente que ele não desse.

IIA recente atuação do presidente Fernando Henrique Cardoso no cenário internacional, ocupando uma posição de estadista em diversos fóruns, pode ajudar a fortalecer os seus candidatos?
CG – Acho que sim. O governo sofreu uma forte queda de popularidade desde a crise energética, mas nos últimos três meses vem recuperando ligeiramente a sua popularidade, embora sem chegar ainda aos índices anteriores de apoio. Mas eu acho que, indiscutivelmente, um dos pontos fortes dessa recuperação de popularidade é a sua visão como estadista perante o eleitor. Então, se ele está debatendo os problemas do mundo em fóruns internacionais, se ele está recebendo uma boa avaliação no exterior, isso dá um respaldo muito positivo domesticamente. Além do mais, isso também deixa os candidatos de oposição em uma posição muito desconfortável, porque esse é um ponto fraco dos candidatos de oposição, principalmente do PT.