O teto do INSS tem que mudar | A fixação do teto do INSS no valor...

Edição 121

Arlindo Chinaglia, deputado

O debate da questão previdenciária, como esperado, começa a ganhar densidade nas campanhas dos candidatos a sucessão de Fernando Henrique Cardoso. No Partido dos Trabalhadores (PT), líder na corrida sucessória em todas as pesquisas de intenção de voto, o nome do deputado federal Arlindo Chinaglia tem surgido sempre que o tema é previdência. Médico de formação, militante político do PT desde o início do partido, Chinaglia fala nessa entrevista a Investidor Institucional sobre sua visão do sistema previdenciário brasileiro, tanto do regime básico quanto do regime complementar. Ele faz questão de deixar claro que ainda não domina completamente todos os meandros da previdência complementar, um mundo complexo e cheio de armadilhas para quem é de fora do sistema. Mas, entusiasmado pelo tema, esclarece que está estudando a fundo a experiência da previdência complementar nos outros países. Veja, a seguir, os principais trechos da sua entrevista:

Investidor InstitucionalComo você avalia a situação do sistema previdenciário hoje?
Arlindo Chinaglia – Com a chamada reforma da previdência houve uma mudança, digamos conceitual, que acabou com a primazia do trabalho. Agora é a primazia do pagamento, com a substituição do tempo de serviço pelo tempo de contribuição, o que significa que mesmo pessoas com 40 anos de trabalho poderão não se aposentar, ou porque estão na informalidade, ou porque tem um trabalho descontínuo, ou mesmo porque estão desempregados. Então, nós temos armada uma bomba de efeito retardado, já que hoje mais da metade da população economicamente ativa não tem vínculo formal de trabalho e isso vai criar um gravíssimo problema previdenciário para daqui a 20 ou 30 anos.

IIComo desatar esse nó?
AC – Para o PT, a preocupação deve ser com a geração de empregos e também com a formalização do trabalho. Creio, mas isso ainda está no âmbito de uma reflexão muito rudimentar, que deveria ser cogitado um critério mais simples para permitir que uma pessoa que trabalha num lava-rápido ou numa empresa familiar, e que jamais iria contribuir para o sistema, possa participar dele. Isso permitiria não só formalizar o trabalho de milhões de pessoas mas também aumentar a arrecadação do sistema.

IIEssa simplificação poderia chegar também às empresas empregadoras?
AC – Veja, eu acho que a viabilidade do sistema tem que estar assegurada, mas isso deve ser combinado com um esforço de desenvolvimento, de geração de empregos e de formalização do trabalho. Quando começou a discussão da reforma da previdência nós propusemos uma auditoria geral no sistema, para saber quais são os seus pontos de estrangulamento, conhecer os números em profundidade e associar isso a cálculos atuariais, o que não aconteceu. Acho que essa discussão ainda deve acontecer.

IITodos os cálculos do governo mostram que existe um grande déficit previdenciário!
AC – O problema é outro! No regime geral da previdência, parte das despesas que são atribuídas como previdenciárias são, na verdade, despesas assistenciais. Então, não dá para dizer que existe um déficit na previdência, até porque parte dos recursos arrecadados para a seguridade, tipo Cofins e Contribuição sobre o Lucro Líquido, que são arrecadados via Receita Federal, vão direto para o caixa do Tesouro. Então, o que existe é um desvio de recursos da Seguridade para o Tesouro. Teria que se separar esses gastos da rubrica da Previdência para, então, calcular se há, realmente, déficit. Além disso, teria que ver há quanto tempo o sistema é deficitário, calcular os efeitos da incorporação dos trabalhadores rurais à Previdência para ver o que é déficit do sistema e o que é resultado dessa incorporação…

IIVocê acha que os gastos com a seguridade deveriam ser separados daqueles com a previdência?
AC – Acho que na contabilização do INSS deve constar, além de normas de clareza, transparência e eficácia contábil, claramente cada benefício e sua fonte de financiamento.

IICom contribuições separadas, como se fossem duas contas separadas?
AC – Talvez isso não seja necessário, mas na contabilidade tem que ficar claro e a sociedade portanto vai saber: ‘eu pago 10% do meu salário, tanto vai para seguridade, tanto é gasto com previdência, tanto é gasto com saúde e tanto é com assistência social’. Agora, o governo não pode passar para a sociedade, como gasto previdenciário, aquilo que não é.

IIQual sua opinião sobre o atual teto de contribuição e de benefício do INSS?
AC – Acho que é uma verdadeira aberração ter na Constituição brasileira um valor expresso numa dada moeda, que hoje é de R$ 1.200,00. Amanhã poderemos ter outra moeda, pois tantas vezes ela já mudou… Além disso, era previsível que esse valor logo ficaria completamente defasado, como ficou. Falou-se que haveria o reajuste, mas ao desvincular o teto do salário mínimo isso impôs perdas eternas, irrecuperáveis, para os aposentados.

IIO governo alega que a previdência quebraria se o teto fosse aumentado. O que você acha disso?
AC – Veja, eu tenho convicção de que a previdência está perdendo dinheiro com a redução do teto de contribuição e benefício, pois na medida que hoje se contribui para R$ 1.560, ao invés de 2.000, que é quanto seria se fosse vinculado a 10 salários-mínimo, então na verdade a previdência está deixando de arrecadar.

IIMas também está deixando de pagar!
AC – Mas quem é que sabe se é melhor deixar de receber e também de pagar? Não se aposentam todos ao mesmo tempo, mas todos pagam mensalmente.

IIAs contas do governo mostram que a grande sangria da previdência vem do pagamento dos funcionários públicos, que recebem integralmente pelo último salário. O que você acha disso?
AC – Costuma-se falar, por ignorância ou má fé, que os servidores públicos gozam de todo tipo de privilégio, aposentadorias fantásticas sem terem trabalhado ou pago para isso etc. Evidentemente que existem privilégios, que deverão ser extirpados, mas é preciso ficar claro que o servidor público contribui sobre o total da sua remuneração e, se você contribuir para qualquer previdência privada durante 35 anos com uma alíquota de 11% sobre o salário total, como paga o servidor, qualquer seguradora lhe garante uma aposentadoria integral por tempo indeterminado, porque atuarialmente isto é possível. Dizem até, eu não tenho esses números, que tem banco privado dizendo que com 9% de contribuição daria esse tipo de aposentadoria.

IIQual a sua opinião sobre a proibição de cobrança da contribuição previdenciária dos inativos?
AC – Eu sou contra a cobrança dos aposentados, porque isso contraria totalmente a lógica, fere direitos. Por quê? Porque a pessoa contribuiu de acordo com aquilo que lhe era imposto por lei. Bom, se foi mal gerenciado, se foi mal pensado etc… essa pessoa não pode ser punida por isso.

IINem daqui para a frente deveria ser cobrado?
AC –Não, seria mera manobra contábil. Seria o Estado pagando e o mesmo Estado cobrando.

IIO que pensa do fator previdenciário?
AC – É uma aberração. As pessoas estão sendo obrigadas a trabalhar 10 anos a mais para poderem ter direito àquilo que já tinham direito antes da mudança.

IIComo você vê o modelo da previdência no Brasil, olhando daqui para a frente?
AC – A nossa proposta é de ter um regime geral básico, válido para todos os trabalhadores, e nele tem que se discutir o valor do teto de contribuição e benefício, e a partir daí entra o regime complementar.

IIQuer dizer, o regime básico valeria tanto para funcionários públicos quanto para empregados da iniciativa privada?
AC – Isso. Agora, no caso do servidor público há de se avaliar como deverá ser estruturada a sua previdência complementar, se será privada ou pública. Na minha opinião, jamais será apenas privada! Por que você vai carrear bilhões de reais para o sistema financeiro, para os bancos, sem que o estado possa ter essa arrecadação?

IISeria uma previdência complementar do Estado?
AC – Há uma aberração, hoje, no fato da previdência complementar ser apenas de caráter privado. Deveria poder ser pública também… Não há nada que justifique que você elimine o papel do Estado como uma alternativa de previdência complementar.

IINão há o risco de o estado usar esses recursos previdenciários, de previdência complementar, para outras finalidades?
AC – Esse risco não é risco, isso é a realidade, é o regime geral. Isso já ocorre no regime geral, com o desvio do Cofins e CSLL arrecadados pela Receita e que vai para o Tesouro. E depois o governo vem falar de socorro do Tesouro para a previdência, socorro para fechar déficit.

IIMas o risco de haver esses redirecionamentos de verbas não seriam maiores com a previdência complementar do Estado?
AC – Você tem que ter regras claras para que o governo não acabe se apoderando, mais uma vez, de recursos que não lhe são próprios, que são os da previdência. É absolutamente necessário, e possível, fechar essa porta.

IIVoltando ao seu raciocínio anterior, você disse ser favorável a que os funcionário públicos também tenham um teto previdenciário pelo regime geral e um regime complementar para receberem além do teto. Seria um regime complementar obrigatório?
AC – Você pode até ter mais de uma alternativa. Nos EUA, por exemplo, você tem um regime geral, depois você tem um complementar obrigatório e um suplementar optativo.

IIQuer dizer, a aposentadoria do funcionalismo público pelo último salário acabaria?
AC – Veja, ela pode até existir para quem estiver dentro do teto, e gostaria de enfatizar que precisamos discutir o valor desse teto. Além disso, as regras valeriam apenas a partir do momento em que acontecesse, e se acontecesse, esse tipo de reforma. Os novos servidores públicos já iriam entrar sabendo que para ter uma determinada aposentadoria, além de contribuir com o regime básico eles deverão contribuir com dado percentual também para o regime complementar. Isso tem que ser discutido à luz do dia, e eu acho que a melhor maneira da sociedade fazer isso é através do Congresso.

IIIsso valeria também para os militares e para os servidores de funções especializadas?
AC – Em princípio, sim. Até porque nós apresentamos essa proposta na época da reforma da previdência. Agora, eu gostaria de assinalar, grifar, que tem que ter, e nós temos, a sensibilidade para as particularidades das várias profissões do Estado, funções típicas do Estado como o auditor, o fiscal, a magistratura, o ministério público, o militar etc. Eu sou a favor de se fazer justiça, dando tratamento diferenciado a essas funções, mas sem privilégios.

IIUm eventual governo do PT poderia criar incentivos ao fortalecimento da previdência complementar no país?
AC – A questão do fundo de pensão tem, na minha opinião, um sentido estratégico, na medida em que permite a você fazer um acúmulo de capital nacional e com essa poupança interna ter intervenções voltadas para objetivos de nação. Vamos imaginar, você pode usar os recursos dos fundos de pensão para a geração de empregos, prioritariamente na agricultura, isto é uma hipótese. E se vai gerar desenvolvimento, gerar renda, gerar emprego e aumentar a arrecadação do Estado, então porque não ter uma política de incentivo a eles?

IIQue tipo de incentivos?
AC – Veja, nós não estamos defendendo irrigar com dinheiro público o fundo de pensão. Mas não dá para discutir uma questão da magnitude da previdência geral, ou até mesmo da complementar, sem pensar em contas públicas, desenvolvimento do país, geração de empregos.

IIVocê acha que o dinheiro de fundos de pensão poderia ser direcionado pelo Estado para determinados setores?
AC – Estando definido em lei, sim. Eu acho que o incentivo de qualquer atividade no país só é justificável na medida em que aquilo é uma necessidade do conjunto da coletividade, senão gera privilégios. Você não pode desviar recursos da coletividade para um dado segmento a troco de nada para a sociedade. Veja, hoje há toda uma polêmica entre os fundos de pensão das estatais, quanto à aplicação correta dos recursos. Isso merece uma discussão, até para se fazer um balanço. Esse volume de recursos foi usado para viabilizar a privatização? E isso interessa à sociedade?