O ótimo é inimigo do bom

Edição 137

Alfredo Setúbal, do Itaú

O vice-presidente da área de investimentos do Itaú, Alfredo Setúbal, ficou animado com a aprovação da reforma da Previdência, no início de agosto. “O ótimo é inimigo do bom”, diz ele. Setúbal, que assume a presidência da Anbid em meados de agosto, acredita que a reforma aprovada dá um fôlego de uns 10 anos ao País na questão previdenciária, após o que novas mudanças serão necessárias. Na Anbid, uma das suas prioridades será trabalhar junto com a CVM na elaboração de uma nova legislação para os fundos de investimentos, consolidando a legislação dos fundos de renda fixa, variável, derivativos. Veja, abaixo, os principais trechos da sua entrevista à Investidor Institucional:

Investidor InstitucionalComo os investidores institucionais estão vendo o momento atual?
Alfredo Setúbal – Eu diria que estão todos com bastante cautela. Nós tivemos um primeiro semestre importante em termos de recuperação dos preços dos ativos, depois do stress da marcação a mercado do ano passado. Então, houve uma recuperação parcial da Bolsa, uma recuperação dos títulos de renda fixa, tanto aqui no Brasil quanto dos títulos brasileiros no exterior, e isso deu uma acalmada nos investidores. Mas eu diria que a posição deles é de cautela, de aguardar para ver os rumos que o governo vai seguir depois da aprovação das reformas e pelo momento econômico muito difícil que o Brasil está passando.

IIQual a sua avaliação sobre a aprovação da reforma da Previdência?
AS – Eu acho que o ótimo é inimigo do bom. Então, nós conseguimos aprovar uma reforma boa, não é a ideal mas foi um passo importante à frente. Ela dá uns 10 anos de tranqüilidade, de paz, que permitirá ao Brasil seguir adiante sem se preocupar com o problema da previdência nesse período, mas esse assunto vai voltar daqui a uns 10 ou 12 anos, novamente.

IIQuando você fala que não é a ideal, que restrições você faria?
AS – Tem todas as negociações que foram feitas no final, mas que não chegam a desvirtuar a reforma. O mais importante é esse aspecto que dá tranqüilidade e com isso ajuda no orçamento do governo, permite uma capacidade de poupança maior à medida que os anos vão passando.

IIA partir da reforma da Previdência, as outras reformas deslancham?
AS – A outra reforma importante é a tributária. Eu acho que essa é mais difícil do que a da Previdência, na medida em que os interesses dos estados, que são os grandes participantes dessa discussão, são diferentes entre si. Então, acho que a reforma tributária que vai sair também não será a ideal, mas vai ser um passo à frente.

IIA votação das reformas pode acalmar os mercados, que andaram agitados nos últimos dias?
AS – Acho que o mercado financeiro, local e internacional, é muito pragmático. Encerrada a reforma da previdência, vamos passar a discutir o acordo com o FMI. Acho que esse assunto vai começar a aparecer já na semana que vem, no máximo na outra. Vence o acordo com o FMI em outubro, o governo não tem condições de pagar, então vai precisar renovar, mas vai renovar como? Será que vai ter algum nível de atrito? Nossa opinião aqui no banco é que o próximo fato que vai ditar o humor do mercado vai ser a renegociação com o FMI. Depois vamos passar para a reforma tributária. Então, nós temos aí uma sucessão de fatos que vão definir o humor do mercado.

IIOs técnicos do FMI apoiam o programa econômico do governo Lula. Parece que hoje o apoio deles ao programa econômico é até maior do que o apoio que o governo está conseguindo internamente.
AS – O FMI tem uma visão monetarista e fiscalista dos problemas dos países. Então, o superávit fiscal que o ministro Palocci aumentou espontaneamente para 4,25% acaba gerando o apoio do FMI, evidentemente. Agora, na minha opinião o governo não pode prescindir do acordo com o FMI. Então, nós vamos precisar renegociar esse acordo e esse tom de renegociação é que vai ditar o humor do mercado financeiro nos próximos dois meses.

IIComo você avalia os primeiros meses do governo do PT?
AS – Acho que está muito bem. Eles assumiram com uma visão pragmática, estão cumprindo com os compromissos que assumiram durante a campanha de não fazer uma ruptura, de fazer uma transição e dar mais ênfase a assuntos sociais. A grande decepção, vamos colocar dessa forma, é que não estão conseguindo, em função da conjuntura internacional difícil, reduzir as taxas de juros. E essa é uma condição fundamental, embora não suficiente, para que nós entremos num ciclo de crescimento econômico. Então, estamos vendo nesse momento muitas tensões internas no PT, como vimos no governo passado a briga entre os monetaristas e os desenvolvimentistas. Mas eu acho que passada esta fase de reformas, o governo tendo ganho a guerra da inflação e depois a guerra da reforma da Previdência, vai ser possível se reduzir juros e aí começarmos a pensar em modelos econômicos que permitam a retomada dos investimento e do crescimento. Mas acho que essa é uma discussão para 2004.

IIQual sua expectativa para a queda da taxa de juros?
AS – Acho que o Copom já iniciou um processo mais agressivo de redução das taxas, que deve continuar ao longo deste semestre. A minha expectativa é de encerrar o ano com uma taxa Selic ao nível de 18% a 20%, porque a inflação está muito baixa e vai ser possível ao Banco Central fazer esse tipo de redução. Por outro lado, à medida que fica mais claro que o pior momento da economia americana já está ficando um pouco para trás, se é que isso é verdade, as taxas de juros internacionais começam a subir. As taxas de juros internacionais já subiram, nos últimos 15 ou 20 dias, de 3% para 4,5% para os papéis mais longos. E isso, evidentemente, acaba influenciando a nossa capacidade de captar recursos no exterior, pois taxas de juros mais altas nos EUA tiram um pouco da atratividade dos mercados emergentes.

IIE para o dólar, qual o teu prognóstico para a moeda norte-americana até o final do ano?
AS – Numa conjuntura normal, que significa a aprovação das reformas, negociação com o FMI e tudo o mais, eu acredito que nós podemos ter uma taxa de câmbio entre R$ 3,10 e R$ 3,20 até o final do ano. Acho que à medida que a taxa de juros subir também vai diminuir a demanda por papéis brasileiros no exterior e então, provavelmente, teremos uma redução do fluxo cambial neste segundo semestre. O fluxo foi muito farto no primeiro semestre, entraram empresas captando e tudo o mais, mas a alta dos juros internacionais vai tornar esse mercado um pouco mais difícil, um pouco mais seletivo, reduzindo o fluxo. Isso fará com que o real se desvalorize um pouco em relação ao dólar, mas nada muito substancial.

II A alta dos juros internacionais vai afetar também os investimento diretos?
AS – Sim, mas o nível de investimento direto no Brasil foi altíssimo nesses últimos anos, o Brasil só perdia para a China. Isso não só em função do processo de privatização mas também de uma perspectiva de crescimento do País, que atraiu para cá um número grande de empresas, entre elas novas montadoras de automóveis. Com a crise dos últimos dois ou três anos, que não é só nacional mas do mercado internacional (tivemos a queda das bolsas internacionais, os atentados terroristas, guerra no Afeganistão, guerra no Iraque) essas empresas estrangeiras estão com capacidade ociosa não só aqui como em outros países e tentam manter o nível de investimento nos países em que têm maior presença. Então, nesse momento de incertezas internas no Brasil, em função de um novo governo, dificuldades internacionais, sobrecapacidade enorme de todos os setores, eu acho até natural que haja uma redução global do nível de investimentos.

IIAcha que podemos voltar àqueles níveis de investimentos diretos 3 ou 4 anos atrás?
AS – Como dizem os americanos, nunca diga nunca, mas acho que vai demorar algum tempo para voltarmos a eles, até porque aqueles números estavam “inflados” pelas privatizações.

IIO governo atual já disse que parou o processo das privatizações.
AS – Então, agora, para ter investimento direto você precisa ter perspectiva econômica de crescimento, seja através de exportação ou porque o mercado interno, em termos de preço e renda, está se recuperando.

IIA agressividade de alguns movimentos sociais, principalmente no campo, assusta os investidores internacionais?
AS – Assusta, porque o Partido dos Trabalhadores sempre teve uma vinculação com esses movimentos sociais. Não que eles sejam parte do PT, mas sempre tiveram o respaldo do PT. É evidente que esse tipo de notícia, vinda de um governo social-democrata como é o PT, assusta um pouco porque sempre fica aquele receio de que o governo não vai agir com a firmeza necessária para coibir as invasões, para reintegrar a posse dos proprietários. Mas ainda temos que ver qual é, efetivamente, a posição que o governo vai assumir com relação aos movimentos dos Sem Terra e dos Sem Teto.

IIQual sua expectativa para a Bolsa de Valores no ano que vem?
AS – Passado o primeiro trimestre do ano, que foi fraco em termos de Bolsa de Valores pelo momento de transição de governo, o mercado reagiu e o volume cresceu bastante no segundo trimestre, apesar de ainda ser baixo em termos históricos. Mas a perspectiva ainda é de baixo crescimento para o ano que vem, o mercado de capitais tende a ficar num nível de atividade relativamente baixo, melhor do que 2003, mas ainda abaixo do seu potencial. Isso vale também para o mercado primário de emissões, que está muito baixo. Neste ano não teve nada na parte de ações e teve pouca coisa de debêntures na parte de dívida.

IIO mercado de capitais, que está praticamente parado, vai reagir?
AS – O mercado de capitais está passando por um momento bastante difícil, tanto que se vê muitas demissões nos bancos, muitos bancos estrangeiros fechando seus negócios no Brasil e atendendo o País via Nova York ou Londres. Isso se dá em função da crise internacional mas também porque a economia brasileira está performando muito mal. Se nós tivermos uma perspectiva de crescimento econômico por um prazo mais longo, o movimento de bolsas cresce, as empresas retomam os investimentos, algumas vão precisar de capital para isso e vão busca-lo no mercado de capitais.

IIMas isso pode acontecer já no ano que vem?
AS – Qualquer medida que o governo tome agora, como redução de juros, incentivos, só vai surtir efeito no ano que vem. Tem um espaço de seis a sete meses entre tomar decisão e isso fazer efeito na ponta da economia. Então, acho que já estamos com o primeiro trimestre do ano que vem razoavelmente comprometido com o baixo desempenho econômico. Minha projeção de crescimento econômico para o ano que vem fica em torno de 2,5%.

IIA consolidação do setor financeiro já chegou ao final, já acabou, na sua opinião?
AS – Devemos tomar cuidado quando analisamos a situação dos bancos estrangeiros. Primeiro, o mercado internacional bancário está passando por uma crise muito grande, em função do baixo desempenho das economias, que não permite que as empresas que se alavancaram na década de 90 cresçam e rentabilizem esses investimentos. Então, isso faz com que os bancos tenham que capitalizar as suas matrizes. Em segundo lugar, eles encontraram uma concorrência grande dos bancos brasileiros mais fortes, como o Itaú, o Bradesco, o Banco do Brasil, o Unibanco, o Safra, que se fortaleceram, compraram outros e se tornaram bem mais eficientes. Então, os bancos estrangeiros que vieram aqui na expectativa de ganhar mercado tentando aproveitar uma certa ineficiência dos bancos locais, encontraram uma competição feroz. Essas duas questões, a concorrência dos bancos brasileiros e a necessidade de capitalizarem suas matrizes, fez com que muitos estrangeiros vendessem suas operações no País.

IIO que tinha que ser vendido, já foi?
AS – A nível dos grandes bancos, eu acho que sim. A não ser haja um movimento no exterior, uma fusão de bancos no exterior, uma aquisição de um banco por outro que afete o mercado brasileiro. Mas, movimentos puramente locais, não estou enxergando nenhum neste momento.

IIVocê está assumindo a presidência da Anbid, para concluir o mandato do Edmar Bacha, que renunciou. Quais as suas prioridades?
AS – A idéia é trabalhar bastante perto da CVM, que agora está fiscalizando e regendo toda a área de fundos de investimentos, em dois assuntos bastante importantes. O primeiro é a elaboração de uma nova legislação para os fundos de investimentos, consolidando a legislação dos fundos de renda fixa, variável, derivativos. Nós já mandamos propostas, elas foram bem recebidas e agora temos que continuar trabalhando nesse tema. O segundo é a instrução nova dos underwritings, na qual temos que trabalhar junto com a CVM para melhorarmos a qualidade das operações no mercado primário. Além disso, vamos buscar a consolidação desse processo de certificação de profissionais que atuam no mercado financeiro, continuando com a certificação dos profissionais que atendem os investidores qualificados e, numa segunda etapa, estender esse processo de certificação também para os gerentes de agências bancárias. Também queremos atuar mais fortemente junto ao governo, trabalhando junto com CVM, Banco Central e Ministério da Fazenda, e apoiando mais explicitamente o plano diretor de mercado de capitais.