“O investidor se preocupa com a volatilidade” | Para ...

Edição 70

Francisco Gros, da Morgan

Para o ex-presidente do Banco Central, Francisco Gros, a decisão da agência de classificação de risco Moody’s de melhorar a nota da dívida interna brasileira, de Caa1 para B3, não foi uma surpresa para o mercado. Segundo ele, “essa reavaliação já era esperada pelo mercado”.
Presidente do BC no início da década de 90, Gros sabe do que fala quando aponta que o cenário brasileiro melhorou muito neste ano, superando o clima catastrofista que se instaurou quando o Brasil liberou o câmbio, em janeiro passado. “O cenário era o pior possível, mas nenhuma dessas previsões catastróficas ocorreu”, diz esse ex-presidente do BC que hoje comanda a área de América Latina da Morgan Stanley.
Como dirigente da Morgan, uma das maiores casas de investimento do mundo, ele tem uma sensibilidade muito apurada do que pensam os investidores internacionais a respeito do Brasil. Veja, a seguir, os principais trechos da sua entrevista à Investidor Institucional:

Investidor InstitucionalComo o sr. vê a reavaliação da Moody’s sobre a dívida interna brasileira, melhorando o rating?
Francisco Gros – Eu acho que essa melhoria do rating da Moody’s é um reconhecimento natural dos avanços que tem acontecido no Brasil ao longo desses últimos meses. A situação hoje é, essencialmente, muito menos arriscada e muito menos volátil do que era no início do ano.

IIEssa reavaliação surpreendeu o mercado?
FG – Não, eu até diria que essa reavaliação já era esperada pelo mercado.

IIO que melhorou, a situação do Brasil ou a situação internacional?
FG – Eu acho que ambos. O cenário internacional melhorou, mas o Brasil, especificamente, também melhorou.

II Em que pontos especificamente melhorou o Brasil?
FG – Acho que em todos. No início do ano havia um receio generalizado sobre o Brasil, sobre sua capacidade de honrar as dívidas interna e externa, receio de que a inflação desandasse, de que a taxa de crescimento fosse negativa em 4% ou até mais que isso, de que a taxa de câmbio explodisse. Ou seja, o cenário era o pior possível e nenhuma dessas previsões catastróficas ocorreu.

IIOs catastrofistas erraram?
FG – Todos previram o pior no início do ano, inclusive o governo. Mas nós atravessamos esse ano difícil de forma extraordinariamente boa. O crescimento acabou sendo ligeiramente positivo, a taxa de câmbio não explodiu, a inflação não explodiu, a balança de pagamentos reverteu, a dívida pública então, nem se fala. Quer dizer, nenhuma das previsões catastróficas se concretizou e o Brasil continua crescendo.

IIÉ um crescimento firme?
FG – Bem, o Brasil está crescendo, é verdade que mais lentamente do que eu gostaria, mas continua crescendo e está no caminho das reformas fundamentais. E isso faz diferença para quem avalia o país de fora.

II Embora as agências de rating coloquem o Brasil numa situação pior do que muitos pequenos países em desenvolvimento da América Latina, os investidores têm colocado mais dinheiro do que nunca no país, em investimentos diretos. Não tem uma certa contradição nisso?
FG – Eu acho que não, porque são duas visões inteiramente diferentes. O investidor estratégico olha o Brasil pelo seu potencial, pelo tamanho de sua economia, pela pujança do seu mercado interno. Ele enxerga o país através de uma perspectiva de longo prazo, que não é muito afetada pelos riscos de curto prazo. Tanto que a maioria dos investidores estratégicos ganharam dinheiro no Brasil ao longo desses últimos vinte anos, apesar da crise da dívida, das crises dos anos 90, apesar de toda a volatilidade que ocorreu. Mas esse não é o ponto de vista do investidor de portfólio, que é a clientela dessas agências de rating. O investidor de portfólio olha o país do ponto de vista de um prazo mais curto.

IIQuais são as prioridades dele?
FG – Em primeiro lugar ele se preocupa com a volatilidade, que pode ser extremamente destrutiva para o seu investimento, e em segundo com a capacidade do país de honrar os seus compromissos financeiros. Com esses óculos, com essa visão, a situação passa a ser muito mais preocupante. Veja, nós tivemos as crises das dívidas interna e externa no início dos anos 80, tivemos outras crises da dívida interna de lá pra cá, temos um país que é muito vulnerável porque a sua dívida é alta e de curto prazo, e isso é refletido pelas agências de rating na hora de fazer uma avaliação do país.

IIQuer dizer que não tem contradição entre as avaliações das agências e a entrada de dinheiro para investimentos diretos?
FG – Não, não tem contradição, simplesmente são pontos de vistas diferentes, interesses e perspectivas inteiramente diferentes.

IINo relatório da Moody’s aparece que essa melhoria de rating é reflexo de uma redução do risco de moratória da dívida interna no curto prazo. Essa percepção de risco de moratória realmente existia por parte do investidor externo?
FG – Existia claramente essa percepção. Eu sempre achei isso uma grande asneira e gastei muito o meu latim tentando explicar para investidores porque isso não era efetivamente um risco em termos da realidade brasileira. Mas, na percepção de todo mundo havia essa visão de um grande risco de moratória sim, e hoje em dia a percepção é de que esse risco foi afastado. Essa é a razão pela qual as agências de rating, que se preocupam com isso, estão começando a reavaliar o risco Brasil para menos.

II A classificação do Brasil nas agências de rating deve continuar melhorando?
FG – Acho que, desde que a gente continue avançando nas questões fundamentais, buscando o alongamento dos prazos da dívida interna e a redução dos seus custos, conforme vem sendo feito pelo governo, e fazendo a mesma coisa a nível da dívida externa, as visões das agências de rating vão continuar a melhorar.

IIIsso já está acontecendo?
FG – Está. O Brasil está tendo um processo de melhora da administração da sua dívida externa e isso vem sendo reconhecido. O Brasil acaba de receber da publicação International Finance Review o reconhecimento de que foi a equipe brasileira quem melhor administrou as questões da dívida externa na América Latina, nesse último ano. Isso vai ser publicado nos próximos dois ou três dias (entrevista feita em 20 de dezembro) e é um reconhecimento extraordinário para um país que, até recentemente, não se preocupava muito com isso.

IIApesar disso, recebemos uma classificação de rating inferior a países latinoamericanos menos importantes estrategicamente no cenário mundial. O sr. não acha que as agências ainda são muito conservadoras no analisar e entender o Brasil?
FG – Mais uma vez, eu acho que eles fazem o papel deles, até porque se não o fizessem não sobreviveriam. São empresas que funcionam no mercado e que, portanto, têm que atender às necessidades, aos interesses e à demanda da sua clientela. Agora, não adianta a gente se insurgir contra as agências de rating, temos que entender qual eleitorado elas representam e o que é que significam esses ratings. Não é que sejamos mais bonitos ou mais feios do que a Bolívia, ou a Colômbia, ou a Venezuela, quer simplesmente dizer que, do ponto de vista estrito de um credor do país, o nível de risco que a gente apresenta em função de alguns indicadores básicos ainda são muito altos, e isso é uma realidade. É uma questão quase matemática.

IIQuer dizer, não é nada pessoal (risos)!
FG – Isso mesmo. Veja, eu me insurgia contra a comparação do Brasil com a Rússia, porque a Rússia era melhor avaliada do que nós pelas agências de rating. Até que alguém me mostrou que a dívida externa da Rússia, em proporção às suas receitas de exportação, é infinitamente menor do que a brasileira. Então, a capacidade de pagamento russo da sua dívida externa é maior do que a capacidade de pagamento brasileira, e essa é uma realidade. As análises das agências são baseadas em dados desse tipo.

II O sr. acha que os investidores de portfólio estão prontos para voltar a investir no Brasil?
FG – Eles já estão vindo, basta ver o que está acontecendo a nível de fluxos, a queda da cotação do dólar nas últimas semanas, o aumento das cotações das ações, dos índices da Bovespa. Então, claramente os investidores estão vindo. Agora, a preocupação não é só eles virem, mas virem e ficarem. Para isso é preciso que haja condições de equilíbrio macroeconômico, que nós estamos construíndo pouco a pouco.

IIO Brasil está fazendo esforços para aumentar as exportações e as suas reservas. Neste ano as reservas cresceram pouco, mas no ano que vem isso pode ocorrer, com uma melhoria nos preços das commodities. Como o sr. vê essa questão?
FG – Em primeiro lugar, eu não acho que aumento de reservas seja um objetivo prioritário de política econômica do país. Elas poderão até crescer, marginalmente, mas já ficou claro de que o nível de reservas necessário ao nosso regime atual de câmbio é muito menor do que era no regime de câmbio fixo. Então, não vejo nenhuma lógica nesse momento em priorizar o aumento de reservas. Em segundo lugar, acho que o preço das commodities pode até se recuperar um pouco, mas nada significativo. A tendência de queda dos preços das commodities é de décadas, não é algo dos últimos anos.

IIQual cenário de investimentos o sr. está traçando para o Brasil no ano 2000?
FG – Em termos macroeconômicos a situação vai continuar melhorando, todos os indicadores que nós temos são bons. A taxa de crescimento do PIB deve ficar entre 3% e 3,5%; a taxa de inflação, que pela meta do governo é de 6%, é agressiva, mas não inatingível, porém acho que dificilmente será menor que isso e possivelmente será maior; a taxa de câmbio, no fim do ano 2000 pode ficar em algo em torno de R$ 1,90 a R$ 1,95; a taxa de juros provavelmente cairá um pouquinho, não muito um pouquinho; e na balança de comércio deveremos ter um superávit da ordem de US$ 2 bilhões a US$ 2,5 bilhões.

II Qual sua avaliação desse recente encontro de cúpula em Seattle, nos EUA? Como ele não trouxe muitas novidades em termos de liberalização de comércio internacional e fluxo de recursos, a bandeira da globalização pode perder um pouco de força?
FG – O processo de globalização vai continuar, porque ele tem se mostrado inexorável, fruto de todas as modificações tecnológicas que estão acontecendo no mundo de hoje. Eu não tenho nenhuma dúvida que o processo de globalização continua. O que está acontecendo agora é que nós estamos em uma encruzilhada. Nós, o Brasil e os outros países emergentes, caminhamos rapidamente no sentido de uma maior globalização, não porque somos bonzinhos mas simplesmente porque ela é de nosso interesse, nós precisamos ter acesso à tecnologia, à máquinas e equipamentos de última geração para sermos competitivos no cenário de concorrência global. Então, para isso a globalização é fundamental para nós. Mas a contrapartida dos países desenvolvidos não está ocorrendo, ou seja, os mercados dos países do primeiro mundo estão e continuam fechados para muitos produtos nossos e de outros países emergentes.

II Os países em desenvolvimento estão protestando contra isso!
FG – Sim, o governo brasileiro particularmente. E é importantíssimo que continue fazendo isso, que continue nessa linha de tentar derrubar essas barreiras não tarifárias impostas pelos desenvolvidos.

IIE o Mercosul? Após a eleição da Argentina o Mercosul supera os impasses e volta a crescer?
FG – Eu acho que sim. Claramente o Mercosul é importantíssimo para todos os seus membros, especialmente para o Brasil e Argentina. Então, eu não tenho nenhuma dúvida que o Mercosul continuará sendo priorizado na política dos dois países.