Edição 137
O nome de Renato Follador é um dos mais conhecidos no circuito dos fundos de pensão públicos, pelas novidades que ele introduziu na Paraná Previdência, fundação que presidiu até o final dos anos 90. Criada em 1998, a Paraná Previdência adotou um modelo de segregação dos funcionários do Paraná em dois fundos distintos, um previdenciário e outro financeiro, que se tornaram um benchmark do sistema. Ele acha que muita coisa do sistema que desenvolveu no Paraná deveria ser utilizado, com as devidas adaptações, na reforma da Previdência. Na sua opinião, a reforma “foi um passo”, mas em uma década terão que mexer de novo
no sistema. Veja, a seguir, suas opiniões sobre a reforma da Previ-
dência:
Investidor Institucional – A aprovação da reforma da Previdência, no início de agosto, surpreendeu a muitos pela rapidez como aconteceu. Você ficou surpreso?
Renato Follador – Fiquei surpreso e feliz com a agilidade com que o governo Lula conseguiu aprovar a reforma da Previdência. Em 4 meses, saindo praticamente do nada, sem nenhuma proposta inicial, ele conseguiu aprovar uma reforma que evita o colapso imediato da previdência estadual e municipal. Com o corte de benefícios que foi feito, os estados e municípios ganham alguns anos de fôlego para estudar algumas medidas mais definitivas.
II – Que pontos da reforma precisariam ter avançado mais, na sua opinião?
RF – Eu faço uma crítica construtiva. Ao manter a forma de financiamento para os atuais servidores e para os futuros servidores até o teto de 2.400,00, você permanece na repartição simples. Então, eu acho que a pressão no déficit público vai continuar pelos próximos 35 anos. Ela diminui um pouco nos próximos 5 ou 6 anos, porque os servidores terão que aguardar um tempo maior para solicitar a aposentadoria, mas esse desequilíbrio estrutural está na raiz do sistema e permanecerá porque você continua financiando por repartição
simples.
II – O que significa isso?
RF – Significa que, como estados e municípios dificilmente ampliarão muito o seu quadro de pessoal através de concurso público, a quantidade de pessoas que contribui para o sistema será proporcionalmente cada vez menor em função do aumento das aposentadorias e pensões e do aumento da longevidade. Como isso vai persistir por 35 anos, eu acho que nós teremos que enfrentar, ainda dentro de uma década, uma nova reforma previdenciária no setor público.
II – Que tipo de reforma?
RF – Migrando, mesmo que gradualmente, para a capitalização total, da forma como foi feita no Paraná. Você poderia ter feito um corte na massa de servidores públicos e até uma determinada idade você poderia jogar para a capitalização coletiva. Mas a reforma manteve todos na repartição simples, o que quer dizer que vai haver cada vez menos contribuição de ativos, porque dificilmente os concursos públicos colocarão muita gente no setor público nas próximas décadas em função do aperto fiscal e das dificuldades de caixa dos governos. Mas você vai ter gente se aposentando todos os meses.
II – Quer dizer, na sua opinião a reforma apenas adiou o problema?
RF – Aqueles que estariam para se aposentar com 53 e 48 anos vão ter que esperar mais um pouco e isso dá um fôlego, mas o problema volta daqui a 6 ou 7 anos, porque você não mudou o financiamento. É necessário entender que as pessoas que fizeram um concurso público até a Pec vão se aposentar daqui a 35 anos. Então, estará sendo construído um passivo que terá que ser honrado pelos estados e municípios.
II – A aprovação da contribuição para os inativos não permite um ganho extra de receitas?
RF – Mas você perdeu quase tudo quando concedeu a isenção de contribuição para quem cumpre as carências atuais que seriam ter 53 anos o homem e 48 a mulher e ter 35 e 30 anos de contribuição. Nesse período, entre os 53 e 60 anos que é a nova idade mínima para o homem e entre os 48 e 55 anos para a mulher, ele fica isento de contribuição. Só a partir daí que ele passa a pagar. Então, o ganho que você teve com a contribuição de inativos e pensionistas você praticamente perdeu concedendo esse abono.
II – Você tem defendido que a reforma introduzisse o fator previdenciário no setor público. Como seria isso?
RF – Do ponto de vista de definição do cálculo do benefício, eu acho que estipular a idade mínima de 60 anos, além de 35 anos de contribuição, 20 no serviço público e 10 no cargo, aleatoriamente, não equilibra o sistema. Já existe uma fórmula interessantíssima, usada para 90% dos trabalhadores brasileiros que são os trabalhadores do setor privado, que é o fator previdenciário. O fator considera o tempo de contribuição, a alíquota de contribuição, a idade na aposentadoria, mas principalmente, a expectativa de sobrevida, ou seja, do período que o empregado deve receber a aposentadoria. Então, uma fórmula como essa compatibiliza o benefício recebido com as contribuições feitas e você está corrigindo anualmente pelas tábuas de mortalidade que o IBGE vai te fornecer.
II – Você acha que a nova idade mínima, de 60 anos para homem e 55 para mulher, é muito baixa?
RF – A idade de 60 anos não é ideal. Nós estamos vendo todos os países mudando a longevidade, passando de 65 para 67, e casos até como o do Japão, que está passando para 70 anos. Então, fatalmente, dentro da próxima década nos vamos ter que mexer nessa idade. E porquê? Porque não foi adotado o fator previdenciário. Se tivesse sido adotado o fator previdenciário a própria expectativa de sobrevida estaria embutida na fórmula e os servidores que viessem a se aposentar com idades próximas aos 60 anos, nos próximos anos, provavelmente não teriam direto à integralidade porque a expectativa de sobrevida iria aumentar.
II – Que outras divergências você tem em relação à reforma?
RF – Eu considero inconstitucional a definição da alíquota de 11%. Por quê? Porque o Artigo 40 da Constituição estabelece que deve existir o equilíbrio financeiro e atuarial. Então, se você engessa o benefício dizendo que só quem tiver 60 anos e 35 de contribuição e 20 no serviço público e 10 no cargo tem direito ao benefício integral, você tem que deixar variável a contribuição. O que foi feito? Estabeleceu-se uma alíquota de contribuição de 11% para a União. Vamos imaginar que para esse benefício de 60 anos e 35 de contribuição, a alíquota seja atuarialmente correta, mas quem garante que essa alíquota será correta para todos os estados e municípios brasileiros com massas de trabalhadores e servidores com perfis completamente diferentes da União?
II – A reforma reduziu para 8% a alíquota de trabalhadores informais, tentando trazê-los para o sistema. O que acha disso?
RF – Eu acho que uma alternativa interessante para trazer esses trabalhadores para o sistema seria utilizar um imposto de base ampla, como é o caso da CPMF, e permitir que fossem feitas compensações previdenciárias para os trabalhadores do mercado informal que aderissem ao regime de previdência. Além disso, eu acho que não se buscou uma resposta para a questão que o próprio ministro Palocci colocou, e que eu defendo plenamente, que taxasse com contribuições maiores as empresas fortemente automatizadas, que empregam pouca mão-de-obra, e reduzir as alíquotas das empresas massivas de mão-de-obra, principalmente o comércio.
II – A idéia era cobrar a contribuição previdenciária a partir do faturamento da empresa e não do número de funcionários.
RF – Eu concordo plenamente com isso, a minha sugestão era exatamente cobrar sobre o faturamento. Mas não houve nenhuma sinalização nesse sentido para o regime geral. A última observação que eu faria com relação ao regime geral é que, a partir da promulgação da Pec 40, cria-se imediatamente um enorme passivo previdenciário com o novo teto de R$ 2,4 mil. É certo que vamos aumentar a arrecadação no curto prazo, mas ela vai ser consumida imediatamente para cobrir déficits atuais e nós teremos que pagar, no médio e longo prazo, aposentadorias em valores superiores para as quais não há reservas constituídas. Então, a minha sugestão era de que ao se aumentar o teto se constituísse num fundo específico com reservas para essas aposentadorias maiores que serão concedidas no longo prazo.
II – O novo teto torna a situação dos atuais fundos de pensão bastante confortável, porque como eles são complementares então vai sobrar dinheiro em caixa.
RF – Exatamente. Mas isso que é bom para eles vai representar um problema para o INSS. A partir da promulgação da emenda nós estamos constituindo um passivo para o qual não temos ativos disponíveis.
II – A reforma abre o caminho para novos fundos de pensão por estados e municípios?
RF – Esse é o aspecto positivo que eu vejo, a possibilidade de criação de fundos de pensão no setor público. Apesar de não ser essa a realidade da maioria dos municípios brasileiros, com certeza os estados, as capitais e as cidades de médio para grande porte terão condições de criar fundos complementares, em regime de capitalização coletiva, solidária e com relação contributiva paritária.
II – Na sua opinião, os atuais institutos de previdência de estados e municípios podem se transformar em fundos de pensão?
RF – Podem sim. Acho que os institutos de previdência caminharão naturalmente para isso, para uma transformação em fundos complementares. Agora veja bem, a maioria dos municípios, os pequenos principalmente, eles não vão atingir o teto de R$ 2,4 mil e neles o regime continua sendo de repartição simples.
II – Então, no geral, sua posição com relação à reforma da Previdência é de apoio mas com ressalvas?
RF – Exatamente isso! Eu vejo como positiva a reforma mas tenho ressalvas técnicas. Acho que, estruturalmente, você não mudou o sistema, continua financiando com repartição simples os atuais servidores e os futuros até R$ 2,4 mil. Quanto à forma de cálculo do benefício, eu acho que é equivocada quando você tem um exemplo do lado, que é o do INSS usando o fator previdenciário. O que é que eu vejo de positivo, então? É que mexeu no benefício, porque existem várias cláusulas mexendo no benefício e isso é positivo, e também a possibilidade de criação de fundos complementares.
II – Do ponto de vista dos investimentos, a reforma dá confiança aos investidores para voltarem ao Brasil?
RF – Veja o exemplo da Paraná Previdência. Com 4 anos e meio de funcionamento ela tem hoje um patrimônio de R$ 3,4 bilhões. Se você tiver todos os estados brasileiros, as capitais e as cidades de médio para grande porte com fundos complementares, você cria uma capacidade de formação de poupança muito grande que terá que ser investida. Então, eu vejo como altamente positivo isso, porque nós teremos capacidade, no curto prazo, de dobrar o número de fundos de pensão que existem hoje.
II – Mas a Paraná Previdência só chegou a esse patrimônio por causa dos royalties de Itaipu. Quanto representam esses royalties?
RF – Hoje, 4 anos e meio depois, representaram R$ 1,6 bilhão, pouco menos da metade dos R$ 3,4 bilhões. Todo o resto é oriundo das contribuições mensais dos participantes e do patrocinador, que é o estado do Paraná.
II – Você acha que os outros estados têm essa capacidade de aporte, eles têm excedente de poupança para financiar fundos de pensão?
RF – Alguns sim, principalmente os estados novos, os estados que têm royalties do petróleo e os estados que têm grande compensação previdenciária com o INSS. A reforma vai retardar as aposentadorias no máximo em 7 anos e, com um pouco do aumento da contribuição que houve, eles teriam condições de reformar os seus sistemas de previdência e usar esse excedente de receita para capitalizar os fundos. A outra alternativa que eu sempre coloquei é usar parte da dívida mobiliária que os estados pagam mensalmente à União, que compromete 13% da arrecadação, para capitalizar os fundos. Então, minha sugestão é que 10% continue indo para a União e 3% fosse direcionado para capitalizar os fundos de pensão, como contribuição patronal dos estados. Com isso, você alongaria o período da dívida, em vez de quitar em 30 anos você quitaria, por exemplo, em 40 anos.
II – O que muda, com a nova Lei, para a Paraná Previdência?
RF – Para a Paraná Previdência só melhora. Ela foi um fundo constituído para pagar a integralidade do benefício aos 53 e 48 anos, então se a Lei está dizendo que a integralidade não é mais aos 53 e 48 anos mas sim aos 60 e 55 anos, você vai ter um benefício menor para ser pago. Em dezembro de 2002 a Paraná Previdência teve um superávit de R$ 255 milhões. Então, com a nova lei ela torna-se mais superavitária ainda.