Edição 147
Sean Harrigan, da CalPERS
Sean Harrigan abriu espaço em sua concorrida agenda para falar com exclusividade à Investidor Institucional. O presidente de um dos maiores fundos de pensão do mundo, o California Public Employees’ Retirement System (CalPERS), mostrou intimidade ao falar do Brasil, país considerado “elegível” pelos critérios da fundação e que abocanha R$ 221 milhões – investidos em ações de empresas públicas brasileiras – dos US$ 162 bilhões de ativos da fundação.
Gentil e preciso nas respostas, Harrigan é, sem dúvida, um dos grandes executivos dos Estados Unidos. Sob sua batuta, está a responsabilidade de garantir a aposentadoria complementar de 1,4 milhão de participantes (entre ativos e assistidos). Para alcançar este objetivo, muitas vezes são tomadas decisões drásticas, como a retirada do investimento de alguns países, como já aconteceu com a Argentina, Colômbia e Venezuela. “Para investir em determinado país, a CalPERS analisa a estabilidade política, transparência e práticas legais. Todos esses aspectos são levados em conta em qualquer um dos 27 países nos quais a fundação investe. Se a CalPERS não investe, é porque existem sérias preocupações sobre mercados e perspectivas de investimentos nestas localidades”, responde Harrigan.
Palestrante na primeira edição do Seminário Internacional de Fundos de Pensão, concorrido evento organizado pela Previ, Petros e Funcef, o presidente da CalPERS retorna ao País em meados de julho para conhecer o funcionamento das maiores fundações brasileiras e conversar com investidores institucionais de São Paulo e da capital federal. “Queremos ser – e somos – investidores de longo prazo. Quando investimos em uma companhia, sabemos que é por um longo período. Mas ficamos atentos, pois uma mudança no estilo de gestão, por exemplo, pode terminar um relacionamento”.
A seguir, os principais trechos da entrevista onde Harrigan falou sobre diversificação de investimentos, escândalos contábeis, participação da CalPERS em empresas e aplicações de longo prazo.
Investidor Institucional – A CalPERS pretende investir no Brasil? Que tipo de investimento atrairia um dos maiores fundos de pensão do mundo?
Sean Harrigan – A CalPERS já investe no Brasil. Temos US$ 221 milhões investidos em ações de empresas públicas brasileiras. Além disso, trabalhamos com um grande número de gestores de recursos, muitos dos quais investem em mercados emergentes. Como mencionei, os investimentos são feitos por meio de gestores externos, que aplicam os recursos em países emergentes nos quais a CalPERS tem interesse. Investimos tanto por meio de fundos quanto diretamente nos mercados. Temos um bom diálogo com os grandes investidores institucionais brasileiros, como a Previ, a Petros e a Funcef. Estarei no Brasil em meados de julho, para uma visita de aproximadamente uma semana, quando vou conhecer as estruturas dos maiores fundos de pensão do País e conversar com investidores institucionais em São Paulo e Brasília.
II – Como a CalPERS analisa a situação dos países emergentes?
SH – O que falei no Brasil, sobre políticas de investimentos em países emergentes, em minha visita há pouco mais de um ano, durante o I Seminário Internacional de Fundos de Pensão, é que seguimos determinadas políticas e investimos no Brasil. O seu País é, felizmente, elegível pelos nossos critérios para receber investimentos. E segundo critérios da CalPERS, para ser um país elegível, é necessário ter uma pontuação mínima de 2,0 e o Brasil tem 2,04 – ou 0,4 pontos acima do nível mínimo necessário.
II – Ao lado do Brasil, em quais outros países emergentes a CalPERS investe?
SH – Falando de países emergentes, além do Brasil o fundo investe em Israel, Polônia, República Tcheca, Coréia do Sul, Chile, África do Sul, Taiwan, Hungria, México, Jordânia, Índia, Malásia e Filipinas. O fundo não investe em algumas localidades situadas na América Central e América do Sul, a exemplo da Colômbia, Venezuela e Argentina.
II – E há alguma razão para não investirem nesses países?
SH – Antes de tomar a decisão em investir em determinado país, a CalPERS analisa três aspectos: a estabilidade política, a transparência da empresa e as suas práticas legais. E, quanto aos mercados, consideramos boa liquidez, baixa volatilidade, sistemas regulatório e legal bem estruturados, direitos dos acionistas, proteção ao investidor, abertura do mercado de capitais e baixos custos de transação. Tais aspectos são levados em conta em qualquer um dos 27 países nos quais a fundação investe. E, naqueles nas quais a CalPERS não investe, é porque existem sérias preocupações sobre mercados e perspectivas de investimentos.
II – A análise da CalPERS sobre os países emergentes pode, em alguns casos, resultar no cancelamento dos investimentos em algumas regiões, produzindo desemprego. Não é contraditório que um fundo de pensão, formado com recursos de trabalhadores, possa provocar falta de trabalho em outros países? Existe solução para essa contradição?
SH – Em primeiro lugar, sob a lei do estado da Califórnia a responsabilidade tanto dos agentes fiduciários quanto dos conselheiros do fundo é maximizar os retornos e minimizar riscos. Gerenciamos os benefícios previdenciários de 1,4 milhão de servidores públicos do estado e, como disse, nossa responsabilidade legal e principal é maximizar a rentabilidade de um investimento em qualquer nível de risco – e tentamos fazer isso diversificando nossos investimentos. A CalPERS, como a maioria dos grandes fundos de pensão dos Estados Unidos, investe seus ativos fora do país; achamos bom porque ajuda a diversificar nossos ativos no longo prazo, que alcançam resultados favoráveis. Ao mesmo tempo, falando de investimentos em países emergentes, temos que ser muito cuidadosos para examinar quais os principais riscos envolvidos em se manter recursos nesses países. Já investimos nesses mercados há 15 anos, e continuaremos a fazê-lo, por meio de nossos gestores ativos. Temos, no entanto, de ser prudentes, uma vez que a decisão vai repercutir junto aos recursos de 1,4 milhão de pessoas que dependem desses ativos na sua aposentadoria.
II – A CalPERS é conhecida por manter um alto nível de exigência em governança corporativa nas companhias nas quais investe. Essa prática veio para ficar?
SH – Estamos envolvidos com a questão da boa governança corporativa já há algumas décadas. A CalPERS tem sido líder nos Estados Unidos – e o seria em qualquer parte do mundo – mostrando que deve existir confiança e respeito na relação da empresa com seus acionistas. Somos muito severos na questão da transparência, como também na questão da independência de membros do conselho e da diretoria da empresa na qual investimos.
II – Como encara os escândalos ocorridos na Enron e da WorldCom?
SH – Não acredito que, depois dos escândalos contábeis da Enron e outras tantas companhias de grande porte, os níveis de governança corporativa da CalPERS tenham aumentado, mas certamente esses episódios trouxeram à luz a importância dos acionistas, como a CalPERS, e de informações financeiras absolutamente claras. Assim, somos grandes defensores da legislação Sarbannes Oxley [Lei de Responsabilidade Fiscal que visa dar maior transparência na contabilidade das empresas cujas ações são negociadas no mercado de capital norte-americano]. Diria que nosso foco talvez tenha mudado um pouco positivamente, apesar de antes dos escândalos os níveis exigência em governança já serem bem elevados.
II – Que tipo de interferência tem a Calpers nas empresas das quais participa?
SH – Somos apenas investidores, não participamos na administração das empresas nas quais investimos. Em termos do processo de decisão, essas são tomadas pelos administradores dessas empresas, com o acordo a estrutura do conselho, para gerar transparência e independência. São eles que podem tomar as decisões, aliás melhor que nós. Assim, a posição da CalPERS nunca será de fazer parte dos processos decisórios das empresas, mas de ter certeza de que os indivíduos que presidem esses conselhos representam a qualidade e a independência que a fundação acha necessária para se manter o bom relacionamento entre acionistas do porte da CalPERS e os gestores dessas empresas.
II – A CalPERS sempre tende a ser um acionista minoritário nas empresas, ou prefere ter o controle?
SH – De forma alguma. O fundo prefere ser um acionista minoritário e ter certeza dos quadros qualificados de diretores da empresa, e não controlar a empresa. Temos a certeza que o investimento que fizermos em determinada empresa será maximizado se o grupo de diretores ou conselheiros forem pessoas habilidosas e independentes. Nós já adquirimos grandes pedaços de empresas pobremente administradas e tratamos de melhorar sua governança corporativa, o que melhora muito sua performance – o que é bom para a CalPERS e para os beneficiários do sistema. Mas, em termos de tomar o controle das empresas, esse não é o objetivo da fundação.
II – A CalPERS tem um limite de participação para cada classe de investimentos?
SH – Fazemos um exercício de alocação de ativos a cada dois ou três anos, que nos responde o quanto vamos alocar em cada classe de ativos para aquele período. Mas não damos um limite de investimentos para cada uma das classes. Ao mesmo tempo, diversificamos nosso risco. O que acreditamos ser importante é gerir bem as rentabilidades; não vamos investir grandes somas em uma única classe de ativos ou determinado investimento, já que pode ser arriscado.
II – Os investimentos de longo prazo, dizem os consultores brasileiros, são os mais adequados ao perfil dos fundos de pensão. Como a CalPERS vê os investimentos de curto prazo?
SH – A CalPERS é um grande investidor de longo prazo, mas os monitoramos constantemente para não termos problemas Se temos um investimento que tem rentabilidade negativa em relação ao seu benchmark, vamos procurar saber a razão. Se temos mudanças no time de gestores que administram nossos recursos, vamos procurar saber o que acontece e o por quê. Queremos ser investidores de longo prazo e somos investidores de longo prazo; quando começamos a investir em uma companhia, sabemos que é por um longo período. Mas, ao mesmo tempo, analisamos o que acontece em termos de administração ativa que desenvolvemos, em termos de mudança do estilo de gestão e da equipe de gestores, que pode terminar um relacionamento.
II – Como se dá este diálogo entre a CalPERS e as empresas nas quais a fundação investe?
SH – Hoje, 65% de nossos investimentos em ações de empresas públicas estão em fundos mútuos – temos um estilo mais passivo para os investimentos em empresas desse setor. Analisamos a performance de cada companhia e, quando temos problemas significativos sobre performance, tentamos conhecer os fatos que motivaram essa baixa rentabilidade, comunicamos à empresa nossas preocupações e, finalmente, tentamos encorajá-la a descobrir onde estão suas deficiências.
II – A diversificação é, também, uma necessidade dos fundos de pensão brasileiros, que ainda não encontraram as ferramentas corretas para substituir as alocações de renda fixa. Como funciona a política de diversificação na CalPERS?
SH – Bem, temos uma política complexa. Determinamos até que nível de risco ficamos confortáveis – em um processo que, como mencionei, fazemos de dois a três anos – e qual a taxa de retorno esperada pelo conselho. E é essa condição que cria nossa fronteira eficiente. Somente com essa relação risco e retorno, é que vamos determinar qual o percentual dos ativos precisam ser alocados em diferentes classes de investimento, como ações de empresas públicas, private equity, mercado imobiliário e renda fixa.