Edição 68
Isaac Zaguri, da Secretaria do Tesouro Nacional
O subsecretário adjunto da Secretaria do Tesouro Nacional, Isac Zagury, tem tido dias atribulados nos últimos meses. Em sua agenda avolumam-se reuniões e mais reuniões com representantes de instituições financeiras e de grandes investidores, praticamente todos os dias. Sua missão é explicar e convencer os agentes do mercado da importância de se criar um mercado de títulos eficiente e líquido, que sirva para balizar os preços dos papéis de renda fixa no país.
Nos últimos três meses ele já visitou praticamente todas as grandes praças de finanças e investimentos brasileiras, mostrando na prática como serão lançados esses papéis de prazo mais longo e a oportunidade de comprá-los. Serão títulos indexados ao IGP-M, um índice usado pela maioria dos fundos de pensão. Razão mais do que suficiente para que ele visitasse grande parte deles.
Criar um mercado de títulos de longo prazo é uma idéia antiga do governo, e agora chegou a hora de pô-la em prática. Até porque segundo Zagury, com a estabilização econômica e a queda das taxas de juros o mercado tende a aceitar esses títulos com mais facilidade. Na entrevista abaixo ele fala à Investidor Institucional sobre esses lançamentos e sobre as metas do governo de criar um mercado de capitais no país. Acompanhe os principais trechos da entrevista:
Investidor Institucional – Há tempos o governo fala da necessidade de alongar o perfil da sua dívida interna, lançando títulos de longo prazo. O momento chegou?
Isaac Zaguri – Sim, o momento chegou. Estamos iniciando esses processo, e isso faz parte de um projeto mais amplo, faz parte de uma operação que tem como objetivo básico iniciar o processo de formação de um mercado de capitais de médio prazo no país. O lançamento de papéis de prazo irá viabilizar isso.
II – De que forma?
IZ –Veja, quais são os instrumentos que um país utiliza para formar um mercado de capitais de médio prazo? Primeiro, criar uma curva de juros de médio prazo, ou seja, o governo lança títulos de médio e longo prazo no mercado e esses títulos passam a ser precificados, logo passa a existir uma taxa de juros para cada prazo. Então, com base nessa curva de juros do governo, as empresas privadas podem lançar seus títulos, porque eles vão ter uma precificação mais clara no mercado, vão ter mais transparência.
II – Mas isso depende da existência de compradores.
IZ – Claro, mas aí vem um outro instrumento que os governos de qualquer país do mundo utilizam para desenvolver seus mercados de capitais. Esses títulos mais longos garantem que haja um mercado secundário transparente, amplo e com bastante liquidez. Isso é um fator fundamental.
II – O governo brasileiro está empenhado em conseguir isso?
IZ – Esse é o nosso objetivo. Existe uma dívida doméstica bastante grande, igual à parte internacional que foi reestruturada há alguns anos atrás. Essa dívida foi formada por empresas públicas que foram liquidadas e cujos passivos foram assumidos pelo Tesouro Nacional. Então, ocorreu uma renegociação do Tesouro com cada grupo de credores, envolvendo as dívidas existentes. Foram várias e várias negociações e, ao final, se formou um estoque muito grande de crédito contra o governo.
II – De quanto é este estoque, hoje?
IZ – De cerca de R$ 22 bilhões. Esse estoque de dívida possui diferentes perfis, diferentes prazos, diferentes indexadores, a taxa de juros é diferente e os sistemas de amortização são diferentes. Essas dívidas poderiam ser trocadas por novos títulos, com perfis seme-
lhantes.
II – Mas muita gente que tinha esses créditos já os negociou. Eles foram, inclusive, muito usados como moeda nas privatizações.
IZ – Alguns realmente passaram para outras mãos. Houve uma negociação no mercado secundário, não muito expressiva, na verdade muito pequena. Então, o que o governo pretende fazer é tentar trocar esses créditos por um papel mais tradicional, em vez de ter 34 instrumentos diferentes no mercado nós vamos criar um papel novo, mais convencional, que paga fluxo de juros todo semestre e o principal no vencimento. Essa é a forma como o mercado está acostumado a trabalhar, tanto lá fora como aqui dentro, então nós vamos oferecer essa troca a quem tem esses títulos.
II – Como será feito isso, como será o lançamento desses títulos?
IZ – Vamos lançar títulos de prazos mais longos. Vamos ter inicialmente dois prazos. Em princípio, seriam títulos de três anos e títulos de sete anos. Vamos oferecer a quem tem títulos antigos essa oportunidade de troca, que será uma coisa voluntária. Quem tiver esses papéis poderá trocar por papéis mais qualitativos, porque é um papel mais convencional, o que quer dizer que haveria um upgrade qualitativo.
II – Vai ter algum deságio nessas operações?
IZ – Sim, vai ter algum tipo de deságio incluído na operação, porque vamos comprar estes papéis com deságio e oferecer outros em troca. E nós vamos permitir também a quem quiser comprar o papel novo com dinheiro, com cash, vai poder comprar. Então, é um leilão com duas opções. Quem tem esses créditos antigos pode usá-los como parte de pagamento, e quem tem dinheiro e não tem esses créditos antigos pode entrar com esse dinheiro no leilão e comprar um papel novo. Então, haverá dois tipos de opções.
II – Esse deságio vai ser determinado pelo governo ou dependerá do mercado?
IZ – Nós fizemos uma curva de acordo com o mercado, tentamos ficar bem próximos do mercado.
II – E isso deu quanto, aproximadamente?
IZ – Em torno de 14%. Nós vamos divulgar isso depois, com detalhes. Quanto falo em 14%, é a taxa de desconto aplicado ao papel.
II – Quando você fala de 14% de deságio, você se refere à papéis com que prazo?
IZ – O papel mais longo tem uma taxa de desconto maior, evidente. A taxa de 14% é uma média.
II – Vocês acham que hoje há bastante demanda para este novo tipo de título do governo, de prazo mais longo?
IZ – Sim, há. Eu acho que os investidores, principalmente os de longo prazo, estão começando a entender que têm que operar casados, “hedgeados”. Porque, o que acontece hoje é que os investidores de longo prazo têm passivos em IGP-M mais uma taxa de juros e aplicam seus ativos em CDI e outros indexadores de curto prazo. Então, isso faz com que hoje haja um descasamento enorme na economia.
II – O indexador dos novos títulos vai ser o IGP-M?
IZ – Sim, o IGP-M. Nós estamos oferecendo aos investidores a oportunidade de ter um ativo de longo prazo, com toda proteção, e acho que vai haver demanda para ele. Hoje, quem não trabalhar casando o indexador dos seus passivos com o dos seus ativos pode trocar o pé, pode ter prejuízos grandes.
II – Quando vai ser o primeiro leilão?
IZ – No dia 1º de dezembro.
II – Você já está visitando os investidores?
IZ – Sim, tenho conversado exaustivamente com todos os investidores, bancos comerciais, bancos de investimento, fundos de pensão, companhias de seguro, etc. Tenho feito isso nos últimos três meses, explicando a operação. Então, já está bem divulgada a operação no mercado, acho que não haverá problemas.
II – Quanto vai ser vendido nesse primeiro leilão?
IZ – No máximo R$ 1 bilhão neste primeiro leilão. Depois, vai ter um outro leilão no final de janeiro, e talvez um outro no final de março. Tudo vai depender do resultado de cada um.
II – A idéia é de oferecer quanto?
IZ – A idéia é fazer lotes, vamos fazer um sistema que chamamos de reoferta, ou seja, vamos fazer três leilões com a data de vencimento igual. Então, formamos um lote de R$ 3 bilhões com o mesmo vencimento e só depois vamos passar para outro vencimento, com outro lote de R$ 3 bilhões. Mas isso tudo será feito gradualmente, será feito tudo devagarzinho.
II – Em quanto tempo vocês imaginam que irão absorver esses R$ 22 bilhões do estoque da dívida?
IZ – Isso vai levar uns três anos. Não conseguiremos trocar isso tudo antes desse prazo. Mas o objetivo não é só troca, é realmente conseguir dinheiro novo com a venda, é criar uma mentalidade de médio prazo no país e trabalhar mais no médio prazo.
II – Os investidores estão apostando que a taxa de juros está realmente caindo?
IZ – Sim. No ano que vem a taxa real de juros vai ser menor e eles têm que começar a tomar posições “hedgeadas”, a época do casino está acabando.
II – Os investidores estrangeiros também seriam compradores desses títulos?
IZ – Sim, nada impede. Provavelmente muitos fundos e bancos estrangeiros vão participar do leilão.
II – Por quanto você acha que o mercado irá comprar esses títulos?
IZ – Isto eu também gostaria de saber. Não faço a mínima idéia, leilão é leilão!
II – Todos vão ser indexados a IGP-M?
IZ – Sim, todos. Por enquanto não tem nenhuma alteração.
II – Esses títulos longos, assim como a criação de um mercado secundário de títulos, ajudarão as empresas brasileiras a lançar seus próprios debêntures no mercado nacional? Esses títulos serão uma referência para as empresas privadas?
IZ – Exatamente. Nós vamos dar uma referência, vamos criar um benchmark para o mercado, e quando as empresas quiserem fazer um lançamento de debêntures elas já vão ter alguma noção de preço.
II – As empresas privadas estão buscando fazer lançamentos de debêntures?
IZ – Estão, mas não conseguem porque elas não têm esse benchmark, não têm essa liquidez.
II – E então elas acabam tendo que ir buscar dinheiro lá fora?
IZ – Exatamente. Elas buscam lá fora, e quando o mercado lá fora fecha elas ficam descapitalizadas e à mercê da conjuntura externa.
II – Mas no Brasil, o governo compete com elas na disputa pelo dinheiro, porque o governo também quer o dinheiro do investidor não é?
IZ – Exatamente. Mas isso vai ser resolvido. Uma vez que o governo começe a gerar resultados fiscais positivos, ele passa a atuar menos no mercado e vai abrindo espaço para o setor privado, como aconteceu na Itália. Na Itália, o governo era o maior tomador do mercado, porque tinha resultados negativos fiscais enormes. No momento em que começou a reduzir a dívida pública e alongá-la, o governo italiano permitiu que o setor privado fosse ao mercado, abrisse espaço.
II – Qual é a situação da dívida do governo, hoje?
IZ – O prazo médio da dívida interna, e quando falo de dívida interna é o todo, a parte contratual, não só os títulos, é de 3 anos, mas quando falo da dívida mobiliária a coisa muda, aí é de apenas 10 meses. Mas isso vai mudar, vamos trabalhar no sentido de alongar esses prazos da dívida.