Edição 255
Mesmo com os problemas enfrentados pelos Fidcs (fundos de investimentos em direitos creditórios) de bancos como o Cruzeiro do Sul e BVA, que afetou todo o mercado desde o ano passado, há uma classe de fundos que continuou em franca expansão. Os chamados Fidcs multicedentes e multissacados cresceram em média 20% ao ano desde o final de 2011. Por conta da pulverização dos cedentes de direitos creditórios e dos sacados de contratos, esses Fidcs apresentam menor nível de risco, explica Alexandre Silveira, presidente da Associação Nacional dos Fidcs Multicedentes e Multissacados (Anfidc).
Fundada há cinco anos, a associação vem desenvolvendo uma série de ações para dar maior transparência ao segmento. Mesmo com a continuidade do crescimento, Silveira admite que os problemas com os Fidcs dos bancos afetou a imagem de todo o setor. Com isso, ficou mais difícil manter o nível de captação de recursos juntos aos investidores institucionais. Por isso, a associação está desenvolvendo projetos como a criação de uma central de risco e de um selo de certificação para padronizar os procedimentos dos Fidcs dos associados – hoje em 58 fundos.
O total do segmento tem cerca de 125 Fidcs multicedentes e multissacados, que apresentam patrimônio de R$ 6 bilhões. Leia entrevista exclusiva concedida para Investidor Institucional:
Investidor Institucional – Qual a sua avaliação sobre o mercado de Fidcs em 2013? Por que houve uma forte desaceleração no lançamento de novos Fidcs?Alexandre Silveira – Os Fidcs que estavam abaixo dos bancos tiveram um desaquecimento sim, devido a alguns problemas que ocorreram com vários produtos. Mas é importante diferenciar que os problemas estavam concentrados nos produtos dos bancos. No nosso caso, dos Fidcs multicedentes e multissacados, não tivemos os mesmos problemas e nem registramos desaceleração. A média de crescimento do patrimônio líquido dos fundos dos últimos dois anos, para o nosso segmento, girou em torno de 20% ao ano.
II – E por que os Fidcs multicedentes e multissacados não foram afetados?AS – O principal diferencial tem sido a questão do risco por conta da concentração. No caso dos Fidcs monocedentes e monossacados, a concentração é muito alta. É bem diferente no caso dos nossos fundos. Pra dar uma noção de números, hoje quando se fala nos Fidcs multicedentes e multissacados, eles têm em torno de R$ 500 mil em média por cedente, e em torno de R$ 4 mil a R$ 5 mil por sacado.
II – Explique um pouco melhor porque os Fidcs multicedentes e multissacados são mais seguros.AS – O principal fator é a desconcentração dos cedentes em cada Fidc. Além disso, tem a questão da garantia da cota subordinada, em que os cotistas subordinados são as empresas que prestam serviços ao fundo que originam. Ou seja, está atrelado primeiro o risco de quem origina. Esse, para mim, é o grande ponto nessa questão: a segurança do produto.
II – Então o segmento que a Anfidc representa não foi prejudicado por essa crise dos Fidcs dos bancos médios?AS – Não. Para nós não respingou na questão da originação, porque nós estamos concentrados nos produtos na indústria. Ocorre que, logicamente, por ser um Fidc, acaba acontecendo um problema de imagem devido à captação, junto às fundações, junto aos RPPS. Isso acaba ocorrendo por ser um produto chamado Fidc.
II – Nesse segmento em que vocês atuam, houve problemas em quantos Fidcs recentemente?AS – Foram poucos casos de problemas. O último problema foi em uma holding, que estava atrelada à empresa prestadora de serviços de um fundo. Houve perda de recursos na holding, mas os cotistas sênior do fundo não tiveram perda. Os gatilhos foram acionados, paralisou-se o fundo, e consequentemente foram devolvidos os recursos aos cotistas sênior. O subordinado é que perdeu recurso. As cotas subordinadas dos Fidcs são de 30%, e isso é margem bem segura para os investidores.
II – Então não chega a ter problemas como a gente viu em Fidcs de bancos como o BVA ou o Cruzeiro do Sul?AS – Não, não tivemos problemas semelhantes. Nestes casos citados, os problemas foram decorrentes de fraudes mesmo, de irregularidades.
II – E qual é a perspectiva de crescimento dos Fidcs multicedentes e multissacados?AS – A tendência é continuar com esse crescimento dos últimos dois anos, porque antes de 2012 a alavancagem era até maior. Devido à redução das linhas de crédito pelos bancos, o nosso produto, que está atrelado a linhas de crédito para a indústria, não está sentindo esse desaquecimento no mercado.
II – Qual é o tamanho, hoje, do segmento de vocês, e qual a perspectiva para o ano que vem, ou para os próximos três anos?AS – Hoje o nosso tamanho está próximo dos R$ 6 bilhões, e deve fechar o ano que vem em torno de R$ 7,5 bilhões. Essas são as perspectivas para 2014, falando do universo total do mercado.
II – E a quantidade de lançamentos de novos fundos multicedentes também aumentou ou se manteve?AS – O número de fundos também aumentou. Só pra você ter uma noção, nos últimos 2 anos, para ter o mesmo comparativo, a associação saiu de 45 Fidcs, para, hoje, 58. Subiu 13 Fidcs nos últimos 2 anos. A indústria, como um todo hoje, está em torno de 120 a 125 Fidcs multicedentes e multissacados.
II – Como vocês estão trabalhando essa questão da imagem para retomar a captação em níveis mais adequados junto aos investidores institucionais?AS – A associação está entrando no quinto ano de existência. Essa questão da nova norma da CVM, que é a 531, que entra em vigor pleno a partir de fevereiro de 2014, veio a contribuir muito para essa imagem. A partir de fevereiro, todos os fundos deverão ter a assinatura dos documentos digitalmente. O controle é muito maior, a segregação será também muito maior. Isso contribui para dar mais transparência. Fora isso, nós iremos implantar até o final de 2014 a autorregulação própria da Anfidc, que chamamos de selo. Ou seja, haverá um selo de qualidade, com vários itens que os fundos deverão cumprir para ter esse selo.
II – Como vai funcionar esse selo?AS – Servirá para certificar as melhores práticas nos fundos, com um formato de checagem disso em cada período. Isso precisa ser uniforme para dar transparência ao investidor, não pode ocorrer que cada fundo tenha critérios diferenciados.
II – Quando o processo de certificação começa a funcionar?AS – O processo já está bem adiantado e pretendemos implantar até o final de 2014. Fora isso, nós também estamos para fazer um evento, em nível nacional, entre abril e maio, justamente para passar todas essas informações ao mercado, inclusive convidando as fundações, RPPS, agências de rating, a CVM, e todos os players.
II – A associação tem algum outro projeto nesse sentido?AS – Atrelado à 531, a Anfidc está implantando, dentro da auto-regulamentação também, a nossa central de risco.
II – Sobre a central de risco, como vai funcionar, e quais vantagens trará ao mercado?AS – Essa central de risco que a associação está desenvolvendo e deve colocar no ar a partir de janeiro de 2014, em que todos os associados que forem fazer operações nos Fidcs, encaminharão esse arquivo para a central. A central fará uma varredura para saber se aqueles títulos já não foram operados em outros Fidcs, se aquelas notas fiscais estão válidas.
II – Qual o objetivo dessa central?AS – Todos os fundos associados passarão por essa central de risco justamente para mitigar a fraude de quem origina, de enviar o mesmo recebível para dois fundos distintos. Essa central de risco é, para nós, a grande novidade em 2014, no item relacionado à fraude. Com isso, visamos mais transparência aos fundos.
II – Mas isso não é um papel do custodiante, fazer esse controle?AS – Sim, o custodiante tem que controlar, mas ele não tem como mitigar se a mesma nota fiscal está andando em dois fundos distintos, não tem mecanismos pra isso. Ele tem que controlar a documentação, checar se está toda em ordem. Mas ele não consegue enxergar se uma mesma nota andou em dois fundos distintos, isso não cabe a ele. Até mesmo porque um fundo pode estar com custódia em um banco, e o outro, com custódia em outro banco.
II – Os Fidcs voltam a ficar mais atrativos para os RPPSs e para os fundos de pensão? Você acredita que vai voltar essa demanda na captação?AS – A demanda não parou. Os fundos continuam captando. Acredito que houve, em um determinado período, uma dificuldade um pouco maior nos comitês de investimentos das fundações e dos RPPS, devido ao produto se chamar Fidcs e alguns fundos terem dado problema, mas isso ocorreu com os Fidcs dos bancos. Acredito que em 2014 vai ter um volume grande de captação junto às fundações e RPPS, até mesmo pelo volume de dinheiro que as fundações têm e pelas opções do mercado.
II – Por que acredita que os Fidcs são opções atrativas neste momento?AS – Devido à qualidade dos ativos e a pulverização, que levam à redução dos riscos, os Fidcs conseguem remunerar o que as fundações e RPPS precisam para atingir as suas metas atuariais.
II – Mesmo com o novo ciclo de abertura das taxas de juros, agora com a Selic próxima aos dois dígitos novamente, os Fidcs continuam atrativos?AS – Vamos fazer um comparativo, em números. Hoje, os Fidcs estão ofertando mais ou menos o IPCA + 7,5%, essa é a média. Se nós considerarmos o IPCA a 6% ou 6,5%, nós estaríamos falando de 13,5% a 14% ao ano. A Selic está em 10%. Acredito que ainda haja uma grande diferença, que ainda seja uma boa opção, devido à segurança do produto.
II – A segregação de funções para evitar o conflito de interesses também melhorou com a nova regulamentação da CVM? Em que aspecto?AS – Melhorou muito. Exemplo: tinha certos produtos que traziam a possibilidade de serem feitos dentro da mesma casa, e hoje já não pode mais. Então a nova resolução segregou muito, carimbou o que é função da custódia, o que é função do administrador e o que é a grande função do gestor, que antes estava muito vaga. Agora ficou bem específica. Então, a segregação que a 531 está exigindo é um ponto muito importante.
II – Estamos ouvindo de alguns gestores que a nova regulamentação, apesar de necessária, aumentou muito os custos de estruturação e manutenção dos Fidcs. Qual é a sua avaliação neste critério?AS – Houve aumento sim dos custos, até mesmo na questão da assinatura eletrônica, que demanda investimentos. Houve também aumento do custo por parte da custódia, pois aumentou o preço do produto. Mas eu acredito que os benefícios da segregação e da assinatura eletrônica são muito maiores do que propriamente o custo que isso originou. Não que não seja importante, mas no “troca-troca” acaba compensando.
II – Em qual setor da economia estão concentrados os originadores dos contratos para os Fidcs multicedentes e multissacados?AS – Praticamente 80% dos ativos que estão dentro desses Fidcs multicedentes e multissacados estão concentrados em créditos da indústria. A indústria vende a prazo, e os gestores antecipam os recebíveis dentro do produto Fidc. Então, a nossa diferença, é a concentração que está em 80%, mais ou menos, dentro dos recebíveis da indústria. Os outros 20% divididos entre serviços e comércio.
II – Como está a demanda da indústria e de quem tem necessidade de financiamento do crédito?AS – Para os fundos crescerem 20% em 2013, não foi devido ao aumento do PIB, porque o PIB está muito menor, consequentemente a indústria também. Ocorre que houve uma diminuição de linhas de crédito nos bancos, e isso acabou nos beneficiando no crescimento do crédito, principalmente na indústria. E também pela escala, e pelo volume de recurso, estamos conseguindo ter uma taxa atrativa em relação à indústria.
II – Como a redução de crédito dos bancos reflete no segmento de vocês?AS – A redução do crédito pelos bancos foi devido a não conseguir enxergar as operações no dia a dia, por ter automatizado muito os seus processos. Hoje, nos fundos, em média, cada 10 ou 12 clientes têm 1 gerente. Você estaria muito mais próximo do cliente do que o banco. Quando os bancos resolveram se concentrar mais em prestar o serviço, e em aplicar os recursos nos títulos públicos e assim por diante, acabaram abrindo espaço para estarmos mais próximos do cliente, que era o que eles não estavam conseguindo fazer.