Movimento contra-cíclico | Crise na economia doméstica abre oport...

Edição 275

Mesmo com a deterioração aguda da economia brasileira e o downgrade da dívida soberana, o Bank of America Merrill Lynch continua apostando em sua atuação no Brasil. No mês de agosto passado, abriu um novo escritório no Rio de Janeiro, que é chefiado por Marco Geovanne Tobias da Silva. O executivo foi escolhido a dedo por Rodrigo Xavier, presidente do BofA no Brasil. Com onze anos de experiência na área de relações com investidores (RI) do Banco do Brasil e cinco anos como diretor de participações da Previ, Geovanne tem a missão de aproximar o banco às grandes fundações e empresas sediadas no Rio de Janeiro, em especial, do setor de óleo e gás e mineração.
Quando apareceu o convite para ser vice-chairman do BofA e comandar o novo escritório, Geovanne ocupava o posto de presidente interino da Previ. Seu mandato no maior fundo de pensão da América Latina venceria apenas em 2016. “Eu não estava de saída da Previ, mas tinha intenção de buscar uma nova colocação no próximo ano, quando venceria meu segundo mandato”, diz Marco Geovanne. Foi então que surgiu o convite. Com relevante experiência acumulada na diretoria de participações da Previ, o executivo era a pessoa certa para impulsionar a atuação do BofA junto às fundações e grandes empresas.
Uma das missões de Geovanne é oferecer assessoria aos grandes fundos de pensão para reestruturar suas carteiras de participações. Previ, Petros, Funcef e outras fundações são os principais acionistas de grandes empresas como Vale, BRF, Invepar e companhias relacionadas à Petrobras. Em um momento de crise, as empresas que atuam no Brasil precisam reestruturar suas dívidas e ampliar fontes de financiamento. Por outro lado, as fundações estão aumentando seus pagamentos de benefícios e precisarão tornar suas carteiras mais líquidas nos próximos anos.Veja entrevista exclusiva:

Investidor InstitucionalQual a sua análise das perspectivas para a economia brasileira?
Marco Geovanne Tobias – É um momento extremamente delicado. Foi feita uma revisão recente da equipe de economia do BofA Merrill Lynch, que antes previa uma queda do PIB de 2% e agora é de 3% para 2015. Também ajustamos a previsão para 2016, de queda de 1% para o PIB. Mesmo com tudo isso, ainda acreditamos na capacidade do governo de se organizar para implementar políticas que que criem uma âncora fiscal e que traga de volta a segurança para conseguirmos seguir em frente.

II Qual a visão do investidor estrangeiro em relação ao Brasil?
MGT – Para os olhos do investidor, essa crise política é muito ruim. Com esse ambiente de crise política, na dúvida ele não entra. Quanto mais o governo demora para alcançar os ajustes necessários, pior para a economia, e maior a chance das outras agências rebaixarem o grau de investimento. Agora foi anunciado um plano de ajuste de R$ 26 bilhões. Querendo ou não pressupõe um aumento de carga tributária. É uma medida antipopular, mas é um custo político que esse governo terá que pagar.

II A saída passa pelo aumento da carga tributária?
MGT – O remédio tem que ser tomado, mas é como falar, me traz outro remédio, não dá aquele agora não. Mas o paciente está moribundo, está doente e precisa ser tratado.

II Mesmo diante desse cenário, o BofA tem planos de expansão no Brasil?
MGT – Sim, prova disso é a minha contratação e a abertura do escritório no Rio de Janeiro. Estamos em atitude contra-cíclica. O normal dos bancos de investimento, neste momento o normal é sair fechando, promover enxugamentos. Mas não é o nosso caso. O que ajudou muito foi a transformação do BofA em um banco múltiplo, com um leque de serviços financeiros para clientes que nos permite continuar expandindo independentemente dessa crise. Em todo caso, a crise também traz oportunidades.

IIQue tipo de oportunidades?
MGT – Por exemplo, aquelas empresas que estão bem capitalizadas e que querem crescer, é nesse momento que conseguem comprar ativos estratégicos. Em um momento de crescimento de mercado, dificilmente aquele ativo seria colocado à venda. Mas em um momento de baixa, de vacas magras, quem está muito endividado precisa desalavancar. Então, uma saída é renegociar as dívidas, que não é fácil. Outro caminho é gerar caixa, seja pedindo ajuda dos acionistas, mas como o preço das ações está muito deprimido, não vale a pena. Ou vender ativos, que é a saída mais viável. Então o pipeline de M&A acaba ficando mais atrativo. Temos oportunidades para ajudar as empresas ou até mesmo os acionistas das empresas em soluções de mercado.

IIQual a sua análise da bolsa doméstica?
MGT – O mercado não acabou, temos uma bolsa muito desvalorizada, em 46 mil pontos, inclusive está impactando os fundos de pensão. Principalmente aqueles que têm uma exposição maior à renda variável, como por exemplo, a Previ. Mas sabemos que bolsa é um termômetro, mas depois ela volta. O problema é que a crise pegou o Brasil bastante alavancado. O nível de crédito na economia é muito maior que na crise de 2008.

IIQuais os efeitos do downgrade?
MGT – Em um primeiro momento temos vários investidores que não poderão mais investir em um papel de empresa de país que não é grau de investimento. Então ele vai preferir investir na Bolsa de Nova York. Abre uma oportunidade, na minha visão, para os ADRs, que não têm o risco de conversibilidade.

IIPor que você acredita que haverá esse aumento da demanda por ADRs?
MGT – Porque se o investidor compra na Bolsa de Nova York, se quiser sair, lá tem mercado, é só vender. Quando eu era do RI do Banco do Brasil, função que fiquei por onze anos, ainda não éramos grau de investimento naquela época. E o BB não tinha ADRs. Era um grande dificultador, porque muitos investidores viam a história de crescimento, queriam participar daquele investimento, mas por força de estatuto, não podiam investir no Brasil. Muitos fundos de pensão lá de fora, tem um estatuto que diz: não invista no que não seja grau de investimento.

IIComo surgiu o convite para chefiar o escritório do BofA no Rio de Janeiro?
MGT – O banco estava procurando uma pessoa mais ligada aos fundos de pensão, que é um nicho que o Bank of America não vinha tendo uma atuação mais forte. Em função das mudanças no ambiente macro-econômico, está surgindo uma necessidade de reavaliação dos portfólios de investimento das fundações. Então, apareceu meu nome e vieram conversar comigo.

II Foi o próprio Rodrigo Xavier, o presidente no Brasil, que te chamou?
MGT – Sim, o Rodrigo [Xavier] que me chamou. Tínhamos um amigo em comum que sugeriu o meu nome. E o convite veio para ficar no Rio de Janeiro. Eu tinha me mudado para o Rio para trabalhar na Previ, depois de ter feito carreira no BB em Brasília. Já estava adaptado ao Rio, onde estava já há 5 anos. Então foi como se o cavalo passasse na sua frente selado. Você não vai montar? Os primeiros contatos foram feitos em janeiro desse ano, e eu ainda estava como presidente interino da Previ. Como meu mandato acabaria no ano que vem e já era o segundo mandato, teria que sair do fundo necessariamente. E como ainda não tinha idade para aposentadoria, teria que retornar ao banco, o que eu não queria. Mas como surgiu o convite, resolvi pedir demissão do BB.

II Qual será a sua função no BofA?
MGT – Fui chamado para ser vice-chairman, função que demanda uma visão mais estratégica no banco. O foco é iniciar relacionamento com os fundos de pensão, buscar uma aproximação com este tipo de cliente. Além de chefiar o escritório do Rio de Janeiro, minha principal função é auxiliar o Bank of America na expansão comercial em todas as suas linhas de negócios, tanto a corretora, renda variável, renda fixa, derivativos, cobranças e pagamentos.

IIQue tipos de serviços os fundos de pensão podem demandar ou já estão demandando de vocês?
MGT – Os fundos de pensão podem precisar de opinião independente na hora de vender alguma participação. Podemos assessorar em um redirecionamento estratégico de algum negócio. E também oferecemos serviços de back office e de cash management.

II Pode dar algum exemplo?
MGT – Estamos assessorando os três maiores fundos de pensão na negociação de uma participação de uma empresa que está em recuperação judicial, que enfrenta dificuldades devido à crise da Lava Jato. Podemos buscar aproximação com investidores lá de fora, buscando criar maior tensão competitiva. Podemos dizer, olha eu conheço um investidor que poderia ter interesse, então trago ele para a mesa pra fazer também uma oferta.

II Isso vale também para as grandes participações das fundações, como por exemplo de Vale, BRF e outras?
MGT – Sim, em função de mudanças no ambiente macro-econômico, surge uma necessidade de reavaliação de seus portfólios dos fundos de pensão. E nós podemos prestar assessoria, com o diferencial que somos um banco internacional, com pessoas capacitadas. Somos um banco global que atua em diferentes mercados. Podemos trazer expertises na análise, equipe de research, por exemplo, para o setor de minério de ferro, alimentos e outros.

II Qual a sua análise das perspectivas de uma empresa como a Vale?
MGT – Quando entrei na Previ, o preço do minério de ferro estava 180 dólares, hoje está 50 e poucos dólares, chegou a bater 45. É uma perda de valor do seu produto imensa. Com a desvalorização do real, agora ficou bom, porque a Vale é long em dólar, mas é short em real. A maior parte da despesa operacional é em real, o operacional está aqui. Então a desvalorização cambial é positiva para os exportadores, principalmente de commodities. O problema é que o preço das commodities está fraco, está em um ciclo de baixa.

II Como as grandes fundações podem sair das principais participações?
MGT – Das posições maiores tem a opção de sair a mercado ou através de operações estruturadas, depende do tipo de papel. Depende do momento de mercado e do tempo para vender posição. Hoje como o mercado está muito raso, qualquer movimento colocado nas corretoras é percebido por todos rapidamente. É o chamado overhang, quando o investidor tem um caminhão de ações e começa a vender. Então não vai dar certo porque a pressão vendedora é muito maior que a posição compradora.

II Então qual a saída?
MGT – Podemos indicar, por exemplo, um block trade, como o que a Vivo realizou recentemente, com a nossa assessoria. A venda do bloco da Vivo foi equivalente a dezenas de pregões. O volume era muito superior ao valor médio diário daquela ação. Na hora de vender você não pode simplesmente dobrar o volume daquela ação, senão deprecia demais.

IIComo foi o block trade da Vivo?
MGT – Foi uma das poucas operações de block trade do ano, uma operação de R$ 3 bilhões que nós vendemos para o mercado. Mesmo com um mercado fraco, conseguimos vender puxando a plataforma global, buscamos compradores. Claro que o investidor fica mais reticente neste momento em que o país perde o grau de investimento.

IIAlém dos fundos de pensão o novo escritório vai focar em empresas como a Petrobras e a Vale, que estão no Rio?
MGT – Temos já muitos profissionais dedicados às estatais Petrobras e à Vale, mas com o novo escritório vamos estar ali mais próximos para o que for necessário. Já fomos mandatados para o IPO da BR Distribuidora. Somos o único banco estrangeiro a participar das três operações de mercado de capitais já anunciadas de empresas do governo que são o IRB, a BR Distribuidora e a Caixa Seguros, esta última que fica em Brasília.

IIQual as características da atuação do BofA no Brasil atualmente?
MGT – O Bank of America no Brasil se transformou em banco múltiplo em 2012. Nosso foco é o banco de investimentos, com a plataforma Merrill, que foi comprada após a crise de 2008, mas com a diferença de que foram agregados vários serviços de banco múltiplo.

IIHá planos do BofA voltar para o negócio de asset management no Brasil?
MGT – Não, nós não vamos fazer asset management no Brasil. E nem podemos fazer isso, estamos proibidos pela matriz. Nosso foco são os empréstimos para empresas e a parte de transações, como cash management, pagamentos e cobrança. Este é um serviço que está crescendo bastante. Temos também a corretora, que era da Merrill, e o banco de investimento. Somos também uma casa de research, de pesquisa, além de sermos um banco de investimento clássico.

II Pode dar alguns exemplos de assessoria do BofA?
MGT – Uma empresa que precisa comprar outra ou que precisa vender. O banco atuou no negócio de venda da Rede D’Or. Estamos também na operação da Valid.