Minoritário não é especulador | Segundo Mauro Cunha, presidente d...

Edição 297 

Na esteira da operação Lava Jato uma série de grandes empresas, quase todas listadas em bolsa, confessaram a prática de ações ilícitas que de alguma forma visavam conquistar novos mercados através de propinas pagas a agentes públicos ou da burocracia estatal. O caso mais emblemático, mas não o único, é o caso da Petrobras, que tinha alguns diretores atuando diretamente junto a empresas prestadoras de serviços e cobrando das mesmas propinas pelos contratos que repassavam.
O esquema de corrupção envolvia pessoas das próprias empresas e também políticos, que indicavam os diretores no caso das estatais. O produto da propina era desviado a dirigentes de partidos partidos, que distribuíam uma parte a seus correligionários e asseguravam uma parte para enriquecimento próprio. Em maior ou menor grau, com uma ou outra variação, é assim que funcionava o esquema.
A revelação desse esquema atingiu diretamente os investidores minoritários dessas empresas, afinal para estruturar, manter e perpetuar esse esquema as empresas tinham que forjar documentos, inventar gastos nos balanços, escamotear informações nos comunicados públicos e até fraudar balanços. Muitos investidores tomaram como confiáveis essas informações e decidiram comprar ou vender papéis com base nelas, o que se mostrou uma temeridade.
Nos Estados Unidos vários investidores já conseguiram na Justiça indenizações da Petrobras pelos números incorretos divulgados pela estatal. No Brasil os investidores locais tentam o mesmo, mas pelo caminho da Câmara Arbitral. Investidores da JBS, dos irmãos Batista, também buscam indenizações pela falta de transparência e pela mentira que os números da companhia continham.
Conversamos nesta entrevista com Mauro Cunha, presidente da Amec, a entidade que representa os investidores minoritários. Veja a seguir o que ele acha da situação, através dos principais trechos da nossa conversa:

Investidor InstitucionalQual a visão da Amec sobre os processos que investidores minoritários movem contra empresas como Petrobras e JBS, entre outras?
Mauro Cunha – Uma das grandes deficiências do mercado brasileiro é a ausência de mecanismo de ressarcimento de danos aos investidores. Quando olhamos na lei esses mecanismos até existem, mas na prática eles não funcionam. Procurar um acionista que tenha sido ressarcido por algum abuso cometido por um administrador e controlador é procurar cabeça de bacalhau, não existe.

II Quer dizer que essas ações estão dando em nada?
MC – Na verdade, no passado nem se entrava com ações. Poucas pessoas entravam com ações contra as empresas e as que tentaram esse caminho em geral eles não deram em nada. Um grande exemplo disso foi um processo grande, lá atrás, por conta da privatização do setor petroquímico. A Petroquisa recebeu moedas podres de NTN-Bs e um investidor minoritário entrou com uma ação bilionária, que geraria dezenas de bilhões de reais em indenização, e ele foi ganhando em todas as instâncias mas o STJ decidiu contra o acionista. Foi uma decisão ilegal do STJ, porque reescreve a lei, e o cara perdeu depois de 20 anos brigando.

IIVocê acha que a legislação precisaria ser aprimorada nesse sentido?
MC – O histórico mostra que os mecanismo que existem na nossa lei, embora pareçam bons, bem desenhados e adequados, acabam não funcionando, seja pela ineficiência do judiciário, seja pelo poder político dos controladores.

IIMas voltando ao caso da Petrobras, tem um escritório com uma ação na Câmara de Arbitragem argumentando que a empresa fez acordos com investidores externos que tinham entrado com ação similar nos Estados Unidos. Quais as chances dos investidores brasileiros ganharem com base nesse argumento?
MC – Antes de falar sobre as chances de ganharem ou perderem, temos que ver que já tiveram mais de 20 processos abertos por investidores contra a Petrobras e nenhum deles está correndo no Brasil. Por que isso? Pela percepção que os investidores brasileiros têm da ineficiência do sistema, que é muito lento, o judiciário não funciona e no fim o juiz dá ganho de causa ao governo pois o minoritário é considerado um especulador. A outra razão é que não há no Brasil, como existe nos EUA, a percepção que o dever fiduciário dos gestores de fundos de investimento e de fundos de pensão é buscar a indenização em favor dos seus cotistas ou participantes. É um problema da falta de maturidade do conceito de dever fiduciário no Brasil, que é o que a Amec está tentando endereçar agora com o código de Stewardship.

IIQue código é esse?
MC – É um código que tem alguns princípios que levam a uma reflexão sobre como dar concretude a algo abstrato, que é o dever fiduciário. E nós não falamos só sobre processar as empresas, mas em atuar como dono da empresa. Pois é isso que a lei estabelece. O minoritário deve monitorar, analisar os riscos, os fatores sociais e ambientais, votar nas assembleias, interagir nas administrações, e se for roubado entrar na justiça para reaver seu dinheiro. Isso tudo faz parte de stewardship, mas é algo que está começando agora no Brasil.

II É um conceito ainda desconhecido no Brasil. Qual sua melhor tradução?
MC – É uma palavra que não conseguimos traduzir direito em português. A melhor tradução que fizemos está no nome do livro que a Amec lançou com esses princípios, e chama-se código de princípios e deveres dos investidores institucionais. Stewardship, conceitualmente, é como pilotar um barco ou atuar como o dono de uma empresa, tem o mesmo sentido.

IIPorque esse conceito não se difundiu no Brasil, acha que pode ser por causa da crise econômica dos últimos anos?
MC – Não acho que tenha a ver com a situação macroeconômica ou com o mercado, mas sim com a falta de amadurecimento do conceito de dever fiduciário. É uma coisa que tem que ser demandada pelos clientes e pela própria regulação, e eu acho que crescentemente será.

IISe um investidor prejudicado não entra com processo contra a empresa, a Amec eventualmente poderia fazer isso através de ação coletiva?
MC – A Amec acompanha, mas não é uma associação que move ação civil pública. Por estatuto ela não pode fazer isso, nosso papel é institucional. Quem tem que entrar é o acionista. Já aconteceu mais de uma vez de termos discussões aqui na Amec sobre a conveniência dos acionistas fazerem alguma coisa. Advogados vieram apresentar tese, fizeram contato com associados da Amec, então essa função de coordenação e networking num tema que interessa aos nossos associados nós fazemos, mas quem tem a legitimidade ativa para mover a ação é o próprio acionista, ou seja o gestor da asset ou o fundo de pensão.

IIMas existem outras entidades de defesa dos minoritários que vão mais nesse caminho, de atuar diretamente, é o caso da Aidmin por exemplo. O que vocês acha da atuação deles?
MC – A Aidmin é uma associação fundamentalmente de pessoas físicas. É uma entidade diferente da Amec, fundamentalmente feita por pessoas físicas e eles sim tem como missão eventualmente ir pra briga, como um personagem ativo. É uma instituição bem menor, mais nova, então cada um tem seu papel. O nosso papel não é esse.

IIFaz tempo que a Amec luta para levar os institucionais para a entidade. Vocês estão conseguindo isso?
MC – Estamos aumentando o número de fundos de pensão associados à Amec. Mas muito lentamente. Durante muito tempo tivemos somente um, que foi a Fundação Cesp. Em 2016 a Fapes aderiu e este ano a Petros aderiu. Temos conversado com outros fundos de pensão, para sensibilizá-los. Por exemplo, a Funcef não é associada da Amec mas é aderente ao código de stewardship. Temos ficado cada vez mais próximos da Abrapp também, porque muito do que fazemos é complementar ao que a Abrapp vem fazendo.

IIQuantos associados tem hoje a Amec? E como estão divididos, por categoria?
MC – Temos cerca de 60 associados, divididos em quatro categorias: os grandes bancos, aí temos todos exceto a Caixa Economica; os independentes, aí temos os principais gestores, como Verde, Claritas, Squadra, 3G, Leblon etc. Temos três fundos de pensão; e temos uma categoria de fundos estrangeiros que representa cerca de 20% dos nossos associados e agrega nomes importantes como Blackrock, Aberdeen, Calpers etc.

IIGestores de fundos de investimentos também são associados da Amec?
MC – Sim, inclusive o maior investidor institucional brasileiro que é a BNDESPar, com cerca de R$ 100 bilhões em ações de empresas listadas, é nosso associado.

II Você disse que existem três fundos de pensão já associados à Amec. Qual a perspectiva desse número aumentar?
MC – Temos conversado com várias fundações, inclusive estamos fazendo uma alteração na estrutura de contribuições da Amec para facilitar a entrada de fundos de menor porte. Estamos com um esforço grande para aumentar esse número, até porque no mundo inteiro foram os fundos de pensão os responsáveis pela multiplicação dos conceitos que nós defendemos, não só pela influência que eles tem entre as empresas mas também entre os gestores.

II E a B3, antiga Bovespa, ela não poderia colocar exigências para que as empresas do Novo Mercado dessem mais satisfação aos minoritários?
MC – Aí entra em outra discussão, de até que ponto as empresas que atendem a determinados check-lists, como o Novo Mercado, até que ponto elas de fato têm boa governança. Essa é outra discussão grande.

IIO padrão do Novo Mercado não garante isso?
MC – Existem as especificações, mas nada garante que de fato elas cumpram. Tivemos vários ciclos de IPOs onde diversas empresas despreparadas, com uma péssima qualidade de governança, foram listadas no Novo Mercado só com ações ordinárias, mas não estavam realmente preparadas.

II E como conseguiam ser listadas no Novo Mercado?
MC – Elas iam até um banco de investimentos, que por sua vez oferecia um “kit IPO”. Mas continuavam tocando a empresa da mesma forma de quando tinha capital fechado. Essas características do Novo Mercado são indicadores, mas não são suficientes para garantir uma boa governança.

IIE a B3 não pode interceder a favor dos investidores?
MC – A B3 acabou de reformar as regras do novo mercado. Até aplaudimos a iniciativa, mas o que foi aprovado parece uma reforma muito pequena em relação ao que era necessário para garantir que estejamos de fato falando com boas empresas.

IIO que deveria ter sido colocado nas novas regras do novo mercado?
MC – Temos pelo menos seis cartas que enviamos para a bolsa sobre esses temas e poderia passar horas falando sobre isso. Isso envolve uma reforma da câmara de arbitragem, regras de ofertas públicas mais estritas, observância das regras que ela mesma cria, como não permitir entrada de ações superpreferenciais, efetividade do tag-along etc. Tem uma série de iniciativas que infelizmente não vingaram nessa reforma.