Edição 134
Hugo Penteado, do ABN AMRO Bank
Economista e Estrategista do Asset Management do ABN AMRO Bank, Hugo Penteado, acredita que nunca o Brasil esteve em posição tão vantajosa para atrair investimentos. E, com a perspectiva de aprovação da Reforma Previdenciária, ele aposta em um novo momento para a economia brasileira. “Temos a grande vantagem se sermos uma economia menos vulnerável frente ao cenário mundial em comparação com outros países emergentes. E isso aliado a um grande potencial de crescimento, o que nos torna a bola da vez, no bom sentido”, acredita.
Formado pela USP e com mestrado em Economia pela mesma escola, Penteado se prepara para se doutorar em Teorias do Desenvolvimento Ambientalmente Sustentável e defende que o pensamento econômico precisa se expandir para conceitos que interajam com as questões sócio-ambientais, “única forma de garantir o desenvolvimento pleno e sólido”.
Em entrevista à Investidor Institucional ele faz uma análise minuciosa do atual momento econômico brasileiro e defende que o sucesso do atual governo só será pleno se souber aliar a gestão econômica a iniciativas de longo prazo, visando melhoria da infra-estrutura e das condições sociais da população.
Investidos Institucional – Como o senhor avalia a situação econômica atual, com esta melhora, aparentemente repentina, nos índices macroeconômicos? E por que se chegou a este bom momento?
Hugo Penteado – Em primeiro lugar temos que ter em mente que existem mudanças de humor muito rápidas no mercado financeiro, enquanto que a economia propriamente dita segue uma linha menos turbulenta. Então estes exageros, tanto para melhor quanto para pior, fazem parte do contexto do mercado financeiro, principalmente no Brasil, onde o mercado ainda é muito pequeno.
Mas há três fatores que realmente justificam a melhora no mercado. O primeiro deles é o fato de ter sido eleita a oposição, um partido de esquerda e de uma vez por todas ter sido virada a página deste risco eterno com que era encarado um possível governo de esquerda. O segundo fator foi que, uma vez no poder, esta esquerda não trouxe rupturas no modelo econômico. Ao contrário, o que se vê é uma ênfase no combate à inflação, em preservar as contas públicas, em fazer um política externa coerente, em andar com as reformas. Foi um choque de confiança inesperado e muito bem vindo pelo mercado.
E o terceiro fator importante é que o Brasil é hoje, claramente, uma economia menos vulnerável ao cenário internacional. Em 1998 precisávamos de 90 a 100 bilhões de dólares para fechar as nossas contas externas. Hoje precisamos de algo entre 25 e 30 bilhões. E essa diminuição tão grande tem a ver com o próprio cenário internacional. Com as crises financeiras que assolaram o mundo, conseqüentemente, houve uma diminuição muito grande do fluxo de capitais para os mercados emergentes, inclusive para o Brasil. A crise da Argentina se insere , entre outros fatores, neste cenário.
Então, nós passamos a viver um ambiente de escassez de dólares. Mas no Brasil, em 99, vivemos uma mudança no regime cambial, depois o câmbio real começou a se depreciar velozmente e o que aconteceu é que tivemos que fazer um ajuste no lado real da economia, exportando mais, fortalecendo a balança comercial e diminuindo a conta serviços. Então houve uma racionalização
da economia brasileira e hoje con-
tamos com algumas vantagens, graças a isso e às nossas próprias condições.
II – Quais seriam estas vantagens?
HP – Se compararmos nossa situação com a Ásia, por exemplo, vemos que aquele continente é grandemente dependente das exportações e de produtos de alta tecnologia, cuja demanda está fraquejando no mundo todo. A Argentina é recém saída de uma grave crise. O México é extremamente dependente dos Estados Unidos – 80% de suas exportações são para aquele país. A China, dependente da mineração… Se formos olhar as economias mundiais, veremos que o Brasil tem muitos trunfos: um parque industrial diversificado, uma economia que não é extremamente aberta, o que no momento é bom, além de sermos uma economia com pauta de exportação diversificada, houve um ajuste na balança de pagamentos etc. Com um preço, claro, a inflação. Mas o fato é que estamos em uma posição mais confortável do que outros países.
Além disso, a própria inflação está cedendo e a partir de maio próximo já deve haver uma diminuição dos juros. É certo que no curto prazo segue um certo sacrifício na economia para controlar a inflação, mas estamos a caminho.
II – O senhor acredita que o que estaria ocorrendo é o aparecimento dos resultados da política econômica adotada pelo novo governo?
HP – Mesmo quando olhamos esta melhora no cenário de mercado, o que estamos vendo são questões de curto prazo. Esta equação ainda está centrada demais no curto prazo. Mas temos alguns percalços pela frente. Um deles é o de fornecimento de energia elétrica, que é um problema de infraestrutura e que tem que ser encarado no longo prazo. E este é apenas um exemplo. Para a economia estar sedimentada para um desenvolvimento sólido, com crescimento, na minha opinião ainda faltam ingredientes sociais, econômicos, ambientais etc. Ou seja, existe um quase esquecimento de questões fundamentais que vão ditar as condições de crescimento, como as de infra-estrutura. Temos uma matriz de pensamento econômico que ignora quase que completamente a questão sócio-ambiental e que resultará em gargalos futuros. Ou seja, é necessário pensar longe e em termos estruturais também.
II – Neste aspecto, o atual governo brasileiro parece emblemático de uma novo modelo de pensamento econômico, já que se trata de um governo com origem de esquerda e que tem em seu ministério pessoas com atuações sólidas em questões como meio-ambiente, agricultura, cultura e educação, sem falar na ênfase na questão social.
HP – Existe uma boa vontade muito grande do mercado internacional e dos próprios brasileiros em relação ao governo, realmente. No curto prazo não havia opção além da linha de política econômica ortodoxa. Precisamos de mudanças, é claro, mas não de mudanças bruscas e o governo teve a sensibilidade de entender isso.
Mas, além de mudanças econômicas, que vêm sendo bem direcionadas, acho necessário dar uma atenção extrema para a questão social, que é o que vai fortalecer a longo prazo o sistema econômico. Esta é a grande esperança que este novo governo traz e daí viria a boa vontade com que é encarado, fora e dentro do país.
II – Esta credibilidade do governo, junto aos bons índices que vêm sendo obtidos na economia recentemente, tendem a chamar investimentos?
HP – Tende, sem dúvida. Minha tese é de que os Estados Unidos têm uma economia em sérias dificuldades e com juros muito baixos, a Europa apresenta um quadro de estagnação e por aí vai. Nesse cenário, o Brasil é um oásis, principalmente entre as economias emergentes. Ou seja, é a bola da vez, mas no bom sentido. Temos taxas de retornos altas, um governo com altíssima taxa de credibilidade internacional, um grande mercado consumidor, um grande potencial para aumentá-lo, enfim, todas as vantagens. Ser a bola da vez tem a ver com essas ques-
tões e com outras, como a menor vulnerabilidade à turbulências internacionais e o maior interesse para fazer investimentos produtivos num país onde tem muita coisa a ser explorada.
A parte dos investimentos financeiros, acho que é a parte mais interessante no momento. Por exemplo, se eu sou um japonês ou um europeu, tenho milhões de dólares, por hipótese, e aí quero me proteger pois o cenário internacional está estranho, caótico, eu vou comprar títulos do tesouro americano? O risco é grande… O dólar americano vai parar de depreciar? Difícil apostar… Então, quando o investidor financeiro olha essa situação, ele diz, “não estou protegido investindo em papéis dos americanos, eu preciso fazer uma certa realocação, inclusive eu preciso olhar para algumas outras áreas que talvez não esteja olhando: os mercados emergentes”. E o que este investidor vê é um grande país como o Brasil, com a quinta maior população do mundo, cheio de possibilidades de investimentos, e é claro que passa a ser uma grande alternativa. Dentro do universo dos mercados emergentes as nossas taxas de retorno, apesar da queda que observamos nos últimos meses, ainda é muito maior que muitos países como Turquia, Rússia, etc.
II – Como o senhor analisa a queda na cotação do dólar e como vai repercutir na economia?
HP – Nós temos um regime de política cambial flutuante, então tudo o que o governo faz é paliativo. O que vai determinar o patamar do dólar são as forças do mercado. A não ser que mude o regime cambial. E o que determinou esta queda tão brusca foi o fluxo grande de entrada de dólares, financiamentos de curto prazo. O desafio agora é, como estávamos dizendo, também atrair investimentos de longo prazo.
Mas o fato é que, neste patamar, o dólar não se sustenta. Vai subir novamente, a menos que se receba justamente um influxo de investimentos de longo prazo, o que é pouco provável neste momento, e no montante que seria necessário, em função do próprio cenário internacional, que é ainda confuso. A tendência é que venham a ser feitos investimentos de longo prazo, mas gradativamente
II – Neste cenário, as reformas da Previdência e a Tributária, podem trazer benefícios imediatos para a economia?
HP – A reforma da Previdência é, na minha opinião, a mais importante. Porque o que garante a credibilidade do governo é o nível de dívida pública em percentual do PIB. É isso o que garante a credibilidade de todos os agentes, em termos da dívida. Para o governo manter-se com a credibilidade, precisa do controle da dívida pública, para isso precisa do superávit primário, que é o essencial para manter esta estabilidade. E a maior ameaça para o superávit primário é o déficit da Previdência a longo prazo. Uma verdadeira bomba relógio.
Mas eu acredito que a reforma vai passar. Vão haver alguns tropeços, algumas concessões, alguma turbulência política, mas vai passar, por que é inevitável. Só isso já vai significar uma nova diminuição da classificação do Risco Brasil em 3 ou 4 pontos.
II – Sobre o Risco Brasil, parece haver uma tendência de queda? Por quê? São justamente as expectativas de reformas como a da Previdência?
HP – Sim e também tem a ver com a credibilidade do próprio governo frente à opinião pública mundial. Sempre houve a expectativa sobre um partido de esquerda no poder e do que isso significaria. No entanto o que se viu foi uma transição política tranquila, com um posicionamento ideológico que vem sendo elogiado mundialmente e uma continuidade de política econômica e financeira, sem rupturas, ao mesmo tempo em que se discutem políticas sociais que pretendem reverter, ao menos um pouco, o quadro de desigualdade social e de pobreza.
A maior credibilidade do país no exterior, portanto, é um reflexo de como o mercado internacional está vendo o Brasil e significa que há uma maior confiança. Se a reforma da Previdência for mesmo aprovada, aí esta confiança será maior ainda, por que vai sinalizar uma real vontade de fazer as mudanças necessárias ao desenvolvimento do Brasil e à sua inserção em um novo modelo econômico e político.
Infelizmente, quanto à reforma Tributária, ainda não se pode ser tão otimista em relação a uma negociação e a um encaminhamento de curto prazo.