Juros altos refletem as incertezas | Para a economista do BNP Par...

Edição 354

A economista do BNP Paribas, Laiz Carvalho, avalia que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central está conduzindo corretamente a trajetória da taxa básica de juros a Selic, atualmente em 13,75%, patamar que tem merecido críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de cada vez mais empresários da indústria e do comércio por comprometer a atividade econômica do País e por colocar a perspectiva da recessão como uma possibilidade concreta, na visão do presidente e desses empresários. Mulher, negra, nascida na periferia, Carvalho chegou à posição de economista-chefe de um dos grandes bancos globais. Ela deu essa entrevista à Investidor Institucional no dia 8 de março, Dia da Mulher, e defendeu que sua trajetória profissional, que considera “uma exceção”, possa se tornar cada vez mais comum para profissionais competentes e dedicados, sejam homens ou mulheres, brancos ou pretos, deficientes ou não deficientes. “A diversidade de trajetória, de lugares, de vivências, traz inovação para o negócio e inovação sempre traz eficiência”, diz ela. Veja a seguir os principais trechos de sua entrevista:

Investidor Institucional – A política de juros do Banco Central está sendo alvo de críticas do governo e de parte do empresariado ligado ao setor produtivo, por estar ameaçando colocar o Brasil na trilha da recessão. Como você vê a manutenção da Selic em 13,75% pelo Copom?
Laiz Carvalho – A gente no banco concorda. Atualmente a taxa está em 13,75% e a gente tem que acompanhar quais seriam as mudanças que deveriam acontecer no cenário econômico atual para que o Bacen pudesse baixar essa taxa de juros. Então, quando a gente olha o balanço de risco que o Brasil tem daqui prá frente, que é tudo aquilo que vai impactar as expectativas de inflação no horizonte de tempo relevante para o Banco Central, ainda não dá prá ver sinais que permitam a redução da taxa.

Mas no boletim Focus o IPCA projetado pelo mercado para 2023 ficou estável na última semana.
A inflação corrente é importante, mas não é essa expectativa de IPCA de março deste ano ou mesmo do ano todo de 2023 que vai impactar muito os próximos passos do BC. Ele está olhando para 2024, para a expectativa de inflação de 2025. O horizonte de tempo relevante para o Banco Central é sempre de dezoito meses à frente. A expectativa de inflação de 2023 tem que ser considerada, pois acaba levando a uma inércia inflacionária para 2024. Então, uma inflação mais alta em 2023 traz um restinho de inflação para 2024, e uma inflação mais baixa em 2023 leva uma inflação menor para 2024. Mas o Banco Central está olhando dezoito meses à frente, já está olhando para setembro de 2024, quase para o final de 2024, e com o passar do tempo vai começar a olhar para 2025.

Então na sua opinião a taxa praticada pelo Banco Central está num patamar correto?
O nível de taxa de juros que o Banco Central está tendo agora reage à expectativa de inflação à frente, para 2024 e 2025. E essa expectativa de inflação só vem crescendo nas últimas semanas e se estabilizando num patamar mais alto, acima da meta de inflação para 2024/25. E a gente tem um monte de incertezas ainda para ser definida nos próximos meses, como os novos diretores do Banco Central, a nova âncora fiscal, a reforma tributária, os novos programas que o governo está desenvolvendo. Então, na atual situação, não tem como o Banco Central baixar juros, porque as expectativas não estão falando para baixar juros nesse momento. Então os 13,75% estão de acordo com os modelos do BC e com esse cenário de expectativa de inflação mais alta num horizonte de tempo do Banco Central.

Acha que há o risco de entrarmos numa situação de estagflação?
A gente acredita que vai acabar acontecendo com a inflação brasileira a mesma coisa que estamos vendo em outros países do mundo. A inflação está cedendo, está vindo para patamares mais baixos, como os que a gente viu na pandemia. A gente acha que essa inflação vai diminuindo, de uma inflação acumulada em torno de 12%, 10% ao longo do ano passado para o patamar de 6,5% neste ano e indo para 4,5% a 5% em 2025 e algo próximo a 4% em 2026.

Mas então a meta da inflação está totalmente comprometida nos próximos dois anos?
A inflação vai ficar acima da meta do Banco Central neste ano e no ano que vem. Para 2025 fica por volta de 4,5% a 5%, que é a banda superior da meta mas ainda longe do centro da meta do BC, que é de 3%.

O governo deve apresentar nas próximas semanas o projeto de uma nova âncora fiscal. O que ela deveria assegurar para o mercado, na sua opinião?
Estão acontecendo várias discussões dentro da imprensa de qual seria a melhor meta. A gente acredita que, independente da meta que for apresentada, tem que trazer algum tipo de limite para o crescimento das despesas ao longo do tempo. Não um teto, mas um limite atrelado ao crescimento do PIB, como algumas notícias estão adiantando, ou a uma junção entre a inflação e o crescimento do PIB, contemplando algum tipo de contenção de despesa nos casos em que o País não tiver crescimento ao longo do ano.

Poderia explicar essa ideia?
Por exemplo, se a gente tem uma meta de despesa que cresce 1% a mais do que o crescimento do PIB no ano, quando a gente tem um crescimento negativo do PIB, ou um crescimento muito abaixo do crescimento potencial, tem que ter algum tipo de gatilho que a gente possa segurar um pouco as despesas. Isso seria o ideal para o mercado. Claro, tem todas as projeções de receitas que o ministro (Fernando) Haddad está buscando para dar um pouco mais de eficiência nas questões das receitas, até para poder ter mais espaço caso tenha uma regra de gastos, mas o mercado quer algo que também abarque os momentos em que a gente tenha um não crescimento da economia, ou até mesmo uma variação negativa de PIB de um ano para o outro.

Você é uma economista que trabalha num banco global. Como o mercado financeiro global vê as oportunidades de investimento no Brasil nesse momento?
Conversamos bastante com clientes de vários países e também com outros economistas do BNP, do nosso time global, e o pessoal ainda vê o Brasil com um viés bastante positivo. Primeiro, a gente tem que comparar os emergentes de uma maneira geral com as economias mais tradicionais, incluindo EUA, Europa e a China saindo da questão do Zero Covid, ao longo do ano passado e ainda esse ano. Os países tradicionais estão com muita lição de casa para fazer e o investidor estrangeiro começou a se voltar muito para os países emergentes, buscando lugares alternativos para colocar o seu dinheiro, e entre os emergentes a gente viu um interesse bastante grande por México e Brasil, principalmente.

Alguns apontam que posturas do novo governo brasileiro podem acabar com a boa vontade do mercado global em relação ao Brasil. O que acha dessa colocação?
Acho que um grande exemplo da boa vontade do mercado internacional com o Brasil é a taxa de câmbio. Ela está nesse patamar, entre R$ 5,15 e R$ 5,20 desde mais ou menos agosto do ano passado, e passamos por um processo eleitoral, por várias reações positivas e negativas do mercado local, e o investidor estrangeiro continua vindo para o Brasil. Então, a gente está vendo, sim, o investidor estrangeiro com um viés bem positivo para o Brasil.

Qual o peso da temática ESG nessa boa vontade do investidor estrangeiro?
Realmente a agenda ESG tem um peso importante, principalmente a agenda ambiental do Brasil para os próximos anos. Tem muito investidor que estava pensando em deixar de fazer negócios com o Brasil, até já tinha deixado de fazer negócios, e está voltando por causa dessas sinalizações ambientais. A gente viu o BNDES comentando que vai soltar uma linha de crédito, ou de apoio, a investimentos relacionados à questão ambiental, assim como o próprio Ministério da Fazenda indicando que também estará com um viés um pouco mais voltado à sustentabilidade. Tem também as declarações do próprio Lula e da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, nessa direção da sustentabilidade.

As dificuldades que estão se desenhando na Europa, nas relações do bloco Estados Unidos-Europa com o bloco China-Rússia, abrem novas possibilidades no redesenho das cadeias globais de produção. Que oportunidades se abrem para o Brasil?
Esse redesenho, no que a gente já vê, é muito baseado na geografia, e por isso o México deve ser um dos países latino-americanos que mais tem a possibilidade de receber investimentos por causa da proximidade com os EUA. Mas tem também o redesenho ali na Europa, com países tentando trazer de volta parte da produção que estava fora, em outras regiões. O Brasil vai ter que se fortalecer via acordos unilaterais, tanto os que a gente já construiu ao longo dos últimos anos quanto os que temos possibilidade de construir daqui para a frente, como por exemplo a entrada do Brasil na OCDE que o governo Lula já sinalizou que pretendem manter.

A OCDE é estratégica para o Brasil?
O Brasil é ainda um país importante nas parcerias comerciais, vide a parceria gigante que tem com a China cuja retomada econômica ajuda bastante o Brasil, mas para ampliar as parcerias com outros países vamos ter que nos fortalecer dentro de organizações como a OCDE. Se o Brasil não conseguir se aproximar desses outros países, por uma questão geográfica ele pode acabar ficando um pouco para trás.

Você se refere às parcerias com os países desenvolvidos para evitar a dependência de itens estratégicos?
As restrições das cadeias produtivas que a gente viu ao longo de últimos dois, três anos, durante o período da Covid, e a crise energética que a Europa sofreu por causa da Guerra da Ucrânia, principalmente de gás natural em 2022, fez com que alguns países, principalmente os desenvolvidos, liderados pelos EUA e Europa do lado Ocidental, passassem a evitar a dependência de um único fornecedor ou a tentar arranjar alternativas de fornecimento que aconteçam unilateralmente e na qual a posição geográfica é muito relevante. Acho que o Brasil tem que continuar buscando esses acordos, sempre pensando um pouco nessa questão geográfica, porque os movimentos que vemos na Europa é que vão definir os próximos passos nos próximos anos. Porque isso não é algo para o curto prazo, mas sim para os próximos quinze, vinte anos.

Além dos países da OCDE, qual papel devemos buscar com nossos vizinhos da América Latina? Porque a China tem aumentado muito sua presença nesses mercados, que antes eram bem mais compradores de produtos brasileiros.
Acho que no curto prazo devemos continuar com essa questão de buscar o acordo com a OCDE, buscar o fortalecimento da relação com a Europa, mas também buscar outras parcerias comerciais, e uma delas é com o próprio Mercosul e também com os países da África. Então eu acho que é importante continuar fazendo esse trabalho de se aproximar cada vez mais desses países, não só do Mercosul e da África mas também da Índia, fortalecendo os laços que a gente tem com esses países.

Quais devem ser as prioridades do Brasil em termos de atração de negócios nesse novo rearranjo das cadeias produtivas?
Eu acho que deveríamos continuar focando no que está dando certo. O agronegócio é um setor ainda muito lucrativo para o Brasil, então a gente tem que continuar fazendo investimento e investir principalmente em tecnologia atrelada ao movimento agro, talvez desenvolver localmente os maquinários e tecnologia para a agroindústria de uma maneira geral e também desenvolver outros setores nos quais não temos crescido em eficiência e em produtividade ao longo dos últimos trinta, quarenta anos, como a indústria de transformação. E não é só colocar dinheiro nesses setores, precisamos também de reformas para que esses setores possam evoluir.

A reforma tributária é apontada como a principal delas, vc concorda?
Sim, ela é muito importante para o desenvolvimento de negócios no Brasil. Acho que a reforma tributária pode trazer os investimentos que a gente perdeu ao longo dos últimos anos, ao longo das últimas décadas, que é o setor de indústria, principalmente de indústria de transformação. Em paralelo, precisa investir em educação, e essas são coisas que não trazem resultado no curto prazo, são décadas de investimento para que a gente consiga ter resultados. Mas a gente precisa investir em educação, em desenvolvimento de tecnologia, para que a gente possa ter grande parte dessa produção aqui dentro.

Quem seriam os grandes parceiros do Brasil nessa retomada da indústria de transformação?
Principalmente os países com os quais a gente já tem parcerias importantes em determinados segmentos, por exemplo Europa e EUA na aviação, China na área agrícola. Então, é setor a setor, ver quem seriam os principais parceiros para cada setor, mas se me pedisse para citar esses parceiros eu diria que são EUA, China e Europa mesmo.

Laiz, como última pergunta dessa entrevista feita no Dia das Mulheres (a entrevista foi feita em 8 de março), queria saber sua opinião sobre a importância de inserir mais mulheres e mais minorias no segmento financeiro.
Quando você entra numa sala de reunião com economistas, a grande maioria são homens, brancos e com pelo menos alguns fios de cabelos grisalhos. E vários estudos feitos desde 2015 provam que a diversidade de pensamento, a diversidade de trajetória, de lugares, de vivências, traz inovação para o negócio e inovação sempre traz eficiência. As coisas melhoraram em relação aos últimos vinte ou trinta anos, mas ainda assim as mulheres são minorias. Numa mesa de economistas, são sempre duas ou três mulheres para vinte ou trinta economistas, a mesma coisa para a área de trading, para a gestão de investimentos, para o equity research, áreas sempre com pouquíssimas mulheres. E assim como as mulheres, a comunidade de negros e pardos também é muito sub-representada no mercado financeiro, principalmente nas posições mais altas. A minha trajetória de mulher e negra não foi fácil, mas tive muitas oportunidades, muita ajuda de diversas pessoas para chegar onde eu cheguei, mas infelizmente minha história é uma exceção. E acho que todos no mercado financeiro, brancos e não brancos, mulheres ou não, com deficiências ou não, tem que trabalhar para que histórias como a minha deixem de ser uma exceção.