Investidor quer estabilidade | Para Gonçalves, o investidor globa...

Edição 349

Para o CEO da gestora de fundos de private equity Stratus, Álvaro Gonçalves, uma das vantagens das eleições presidenciais deste ano ocorrerem numa situação de polarização entre dois candidatos que estão ou estiveram no cargo é que ambos, seja o presidente Jair Bolsonaro ou o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, conhecem muito bem como funciona o sistema e sabem que terão que negociar para governar. “É muito baixa a chance de alguém chegar lá e fazer um experimento totalmente novo”, diz Gonçalves. Para o executivo, na sequência à eleição o Brasil tem grandes desafios à frente, mas também grandes oportunidades, como a que se abre com a reorganização das cadeias produtivas globais em decorrência das vulnerabilidades que ficaram evidentes com a Covid-19 e com a guerra na Ucrânia. “É talvez a maior oportunidade que a gente já teve (… de reindustrializar o País…) porque a indústria está saindo um pouco da Europa, saindo um pouco da China, a gente pode capturar elementos desses novos fluxos industriais”, diz Gonçalves em entrevista à Investidor Institucional. Veja abaixo os principais trechos.

Investidor Institucional – Juros altos e menos apetite dos investidores por risco, qual o efeito disso sobre os negócios das gestoras de private equity?
Álvaro Gonçalves – Claro que temos um cenário muito complexo e em cenários complexos se fecham menos negócios. Na prática, mesmo tendo dinheiro disponível, a complexidade das operações ficou maior e isso significa menos negócios. O que eu acho que vai movimentar um pouco o mercado no começo do ano que vem vão ser IPOs. As empresas que estão próximas da fronteira de IPO, que tiverem condições de mostrar o que aconteceu com elas no período inflacionário mais recente, que tiverem uma boa história para contar, essas vão conseguir capital na bolsa.

Mesmo com a atual taxa de juros?
Sim, mesmo com a atual taxa de juros.

Na sua opinião, a taxa de juros não atrapalha o tipo de investimento?
Eu acho que a taxa de juros atrapalha a empresa, muda seu custo financeiro e torna os seus resultados piores, o que pode dar uma certa timidez no mercado. Mas se a empresa souber explicar bem, não acho que isso inibe os investimentos. Hoje, o efeito da taxa de juros na decisão do investidor é menor do que antes. Não tem mais aquele negócio de subir o juro e ninguém mais investir em bolsa, a não ser que fosse uma situação de longo prazo. Mas acho que hoje ninguém duvida que o juro vai cair. Nós estamos indo para o terceiro mês de deflação.

O Banco Central colocou em dúvida a consistência dessa deflação, sinalizando que pode ser efeito de medidas pontuais na área de energia. Qual sua leitura?
A minha leitura é a seguinte: o BC subiu tanto o juro em 2021 que o que a gente está vendo agora não é nem o efeito da queda dos preços de energia, é o efeito do juro de 2021. Esse efeito demora seis meses para chegar. Então, aquela galopada que ele deu nos juros em 2021 e começo de 2022, o efeito está vindo agora e é por isso que estamos tendo deflação. É claro que a queda dos preços da energia e da gasolina ajudam isso na margem, mas isso estaria sendo totalmente diluído se a espiral inflacionária continuasse, se não tivesse o freio de 2021 fazendo efeito agora.

Então, na sua opinião, o processo de redução da inflação é consistente?
Sim, o que realmente está acontecendo é a queda da inflação. A inflação já caiu de 9% para 8,7% no acumulado de 12 meses e eu acho que no fim do ano vai surpreender com um número inferior a 8%. Então, o que que acontece? Com inflação inferior a 8% e juros a 13,75%, temos um juro real muito aberto e isso evita uma espiral inflacionária. Acho que não volta uma inflação no ano que vem, mesmo que os preços de energia voltem, porque o juro ficou muito alto. Agora, por conta dessa taxa de juros a gente vai entrar num processo de PIB mais difícil, as projeções de PIB para o ano que vem são bem restritivas.

Hoje, investidores com dinheiro disponível estão comprando NTN-B, sem risco, ao invés de tomar o risco de private equity. Isso deve continuar?
Sim, está comprando títulos, mas não vai ter muito para comprar porque o governo quase não está emitindo. O governo tem superávits importantes. Se isso acontecesse num momento de déficit, com o governo emitindo, todo mundo iria encarteirar títulos públicos. Para alguém capturar esse juro em grandes volumes, ou mais longo prazo, teria que fazer muito derivativo e isso não é o perfil do investidor brasileiro. É o perfil de algumas tesourarias só. Para fazer operação de fato direta, tem pouca NTN-B.

Apesar do volume pequeno, isso pode afetar o mercado dos investimentos de mais risco?
Vai ser uma bolhazinha de NTN-B. Não acho que isso suga dinheiro do mercado de forma relevante. Juros altos tira dinheiro do consumo, tira a capacidade de expansão das empresas, reflete no emprego que podia estar muito mais forte do que está. Nesse sentido, as variáveis da vez já estão mais ou menos dadas: o dinheiro dos family offices, do poupador individual, dificilmente vai para NTN-B, esse dinheiro vai para debêntures privadas que ainda tem juros altos e um pouco vai para a Bolsa. Dinheiro que saiu da Bolsa por conta do ano eleitoral mas depois volta.

Essa polarização do processo eleitoral pode assustar o investidor?
Se a polarização for na direção que está sendo sinalizada, tem uma vantagem sobre a qual ninguém está falando muito. É que os dois candidatos, um está no poder e o outro que esteve recentemente, sabem como é que essas coisas funcionam. É muito baixa a chance de alguém chegar lá e fazer um experimento totalmente novo. Obviamente tem uns discursos de campanha que às vezes dá uma assustada, mas eu acho que discurso de campanha nunca serviu prá formular política econômica.

Você quer dizer que as forças políticas se adaptam à realidade?
Quero dizer que é muito difícil você implantar grandes mudanças. Tem o Congresso, ainda mais com a força que essa casa ficou, têm o Judiciário. A vantagem de ter dois líderes na frente, ainda que eles sejam oponentes, é que ambos já sabem como as coisas funcionam, sabem que no Congresso as coisas têm que ser negociadas.

Que tipo de medidas o setor de private equity gostaria de ver implementadas pelo próximo governo?
A primeira variável para que os investimentos fluam, seja no mercado de capitais ou mais especificamente em private equity, é a estabilidade de preços. Se você tiver um governo comprometido com a estabilidade de preços, como tem sido o governo atual e como foi o governo Lula em 2003, você atrai investimentos privados. A segunda coisa é a capacidade do governo de promover estabilidade jurídica. É claro que tem o Judiciário, mas aí já é outra história, mas o próprio governo não pode criar instabilidade jurídica, não pode mudar as regras do jogo.

Qual sua opinião sobre a questão da tributação do capital estrangeiro?
Eu acho que o maior problema disso é, de novo, a instabilidade. Em 2005/2006 se conquistou um horizonte atrativo para o capital estrangeiro de longo prazo (isenção do IR para fundos de private equity estrangeiros desde que nenhum cotista concentre 40% ou mais dos recursos). Naquela ocasião o governo promoveu isso, mas na sequência algumas interpretações mudaram de lugar, o que é ruim, precisa sedimentar as interpretações. O grande problema do private equity hoje é que existem interpretações muito díspares, algumas delas em contradição até com o que está escrito na lei.

Em relação à tributação?
Em relação à insegurança jurídica. Mais importante do que o imposto ser alto ou baixo, é você saber o quanto está pagando. Alguém pode não gostar de uma isenção concedida e tentar reverter essa isenção através de multas, com base em interpretações que não fazem nenhum sentido, nem jurídico nem lógico. Você pode até ganhar na Justiça, mas isso pode demorar 10 anos para ser resolvido. O capital procura segurança jurídica.

A Covid 19 e a guerra na Ucrânia deram início a um rearranjo nas cadeias produtivas mundiais. Existem aí oportunidades para o Brasil?
É talvez a maior oportunidade que a gente já teve. Eu acho que o setor privado e a sociedade, de uma forma geral, entendem isso e vão pressionar qualquer governo a ir nessa direção. A lógica dessas mudanças é muito forte, o setor privado está muito alinhado com essa percepção, embora as lideranças públicas e políticas nem tanto. Eu acho que a gente já está perdendo oportunidades desse tipo, pois o nosso viés diplomático não tem acompanhado as mudanças que estão ocorrendo e precisa evoluir.

O que seria preciso fazer para nos inserirmos mais agressivamente nesses processos de rearranjo das cadeias produtivas globais?
A nossa conexão em relação a uma série de elementos postos hoje na equação que redistribui fatores de produção pelo mundo impõe uma postura em relação a processos ESG que, como País, o Brasil já tem mas não divulga e ainda nega lá fora. Então, aí não adianta! Acho que as oportunidades estão aí, o setor privado está consistentemente motivado, mas o setor público tem que ajudar um pouco mais.

Em que áreas existem oportunidades para essa inserção do Brasil?
O Brasil tem a chance de um salto de relevância na produção alimentar, na produção de equipamentos, voltando a investir em tecnologia de forma tão forte como há a gente não viu nos últimos 20 anos. A primeira década do século foi uma década forte de economia, mas muito em cima de preço de commodity. Agora, a gente tem uma diversidade muito maior de oportunidades, a gente pode fazer isso com industrialização, porque a indústria está saindo um pouco da Europa, saindo um pouco da China, a gente pode capturar elementos desses novos fluxos industriais.

Quais são as nossas vantagens competitivas para isso?
A primeira vantagem é logística. Estamos mais perto de centros consumidores. A segunda vantagem é a estabilidade geopolítica. Apesar de todas as polarizações, eu acho que tem muito mais instabilidade no entorno da Ásia e na Europa do Leste do que na América Latina. A gente tem uma neutralidade que, no final do dia, é boa para quem usar o Brasil como base. Agora, a realidade de instabilidade jurídica, a realidade tributária e a realidade da legislação trabalhista afastam as empresas daqui. As montadoras estão todas indo embora, uma atrás da outra, por conta dessas instabilidades, das ameaças a toda hora de retorno ao passado e de coisas assim.

Dá para pensar numa nova arrancada de industrialização?
Para a gente atrair meios de produção, para reindustrializar o País, precisamos ser mais efetivos na ordem tributária. Tributar a indústria do jeito que gente tributa só leva o capital a parar de fabricar por aqui. Além disso, a ordem jurídica, de uma forma geral, não favorece a que o capital tenha aqui uma base de produção com investimentos de 50 anos. Mas a oportunidade está aí, e a iniciativa privada sabe disso.

Você que viaja muito vendendo o Brasil no exterior, qual o apetite dos grandes investidores pelo Brasil hoje?
Os grandes investidores estão sentindo falta do Brasil, mas por enquanto não estão interessados em investir aqui. Eles tiraram o Brasil da tomada. Muitos investidores que até cinco, dez anos atrás, eram muito ativos de Brasil, desde 2014/2015 não estão sequer comprando research de Brasil. Tirou o Brasil do mapa e de uma certa forma, assim como América Latina. Eu acho que não é difícil retomar, porque agora o mundo precisa muito mais do Brasil do que precisava em 2014. Mas a gente vai precisar ser muito firme em algumas coisas como unidade institucional, mostrar que não somos um país de briguentos, mostrar apego genuíno à causa ESG, além de estabilidade jurídica.

Você tem batido muito nesse tema de estabilidade jurídica, porque?
Porque aí o investidor vai passar a acompanhar de novo o Brasil e, na sequência, vai voltar a investir muito mais pesado do que já investiu. A gente vai precisar voltar a passar a ideia de um país harmônico, um país que pode ter oposição, que pode ter divergências de idéias, mas o país precisa voltar a ser harmônico aos olhos internacionais.

Você disse no início dessa conversa que espera que os negócios da área de private equity voltem no ano que vem pela via de IPOs. A área de tecnologia vai liderar esse processo?
O ano que vem não é um ano de crescimento, é um ano de rearrumação. Então, não deve ser um ano forte para tecnologia, de forma geral. Mas pode acontecer de alguns subsegmentos da tecnologia, especialmente ligados a inovações, como o 5G por exemplo, da famosa internet das coisas, abrir uma temporada de aplicações de tecnologia muito específicas. A tecnologia vem também na esteira dos investimentos em infraestrutura. Tem muito investimento em infraestrutura acontecendo, em portos e aeroportos por exemplo, então vai ter muita tecnologia sendo aplicada ou desenvolvida porque aí tem um streaming de dinheiro forte. Mas a tecnologia, de uma forma geral, de softwares, aplicativos, ecommerce de forma muito aberta, para isso eu acho que não será um ano muito forte.

Que setores vão estar fortes?
O que eu acho que o que vai estar forte no ano que vem é a logística. A realidade do mundo ainda é uma realidade de rearrumação logística, seja em função de pandemia, de guerra ou até de uma nova ordem regional, então acho que os investimentos em ações de logística vão voltar a se valorizar nos vários modais. Além disso temos as commodities de consumo, como alimentos, fertilizantes, tudo que está em torno das commodities de consumo vai estar valorizada, como empresas florestais, papel e celulose, acho que são itens que tem uma âncora de valor forte para o ano que vem em Bolsa.

Você já está sentindo isso?
Ainda não. O dinheiro que vai fazer isso, nas primeiras micro safras de IPOs, é o dinheiro que ainda está muito perto do Brasil ou que não saiu totalmente. Mas ainda não há uma entrada firme de dinheiro externo no Brasil, ou migração de dinheiro da renda fixa para equity de uma forma consistente. Eu acho que é um dinheiro que está aí, precisando de um horizonte novo, de voltar a aplicar em coisas de mais longo prazo, seja lá quem ganhe a eleição.

Quer dizer que esse dinheiro deve vir para o mercado com a vitória de qualquer dos candidatos?
Num ano eleitoral tudo fica muito curtoprazista, mas o mercado de ações é, por definição, de longo prazo. Eu acho que tem aí um capital que já está quase dentro do mercado, não importa quem ganhe as eleições, essas operações vão acontecer. Mas não terá uma densidade para alavancar um crescimento de quatro anos de País, para isso você precisa ter estabilidade jurídica, compromisso com a estabilidade de preços e harmonia institucional.

Quem vai entrar nesses lançamentos no início?
Começa pelos semi-institucionais brasileiros, numa combinação do institucional privado, dos family offices, dos hedge funds, e na sequência disso vai um pouco mais para o institucional e para o varejo. Não vão ser IPOs muito grandes no começo, não vão ser IPOs de R$ 20 bilhões. Talvez nem sejam IPOs, necessariamente, podem ser emissões em follow on de empresas que já são conhecidas, de R$ 1 bilhão a R$ 3 bilhões, no máximo.

E o investidor estrangeiro, quando volta?
O estrangeiro vai esperar mais um pouco ou vai entrar de uma forma muito pontual, talvez dinheiro brasileiro voltando e coisa desse tipo. Agora, estrangeiro triplo A, o cara que assina os maiores cheques, que fica no país durante 20, 30, 40 anos, esses vão esperar para ver os rumos do novo governo.