Edição 282
Ao assumir a presidência da Anbima, Robert Van Dijk e a nova diretoria decidiram priorizar dois temas centrais: as reformas Tributária e da Previdência. Para isso criaram duas frentes de trabalho para elaborar propostas dirigidas sobretudo ao novo governo de Michel Temer.
A frente de trabalho da Reforma Tributária está funcionando a todo vapor, tendo realizado cinco reuniões em um período de pouco mais de um mês. Nesta frente, elegeu o tema do financiamento da infraestrutura. Neste momento, Van Dijk e os diretores e profissionais da Anbima preparam uma série de propostas para incentivar a participação do mercado de capitais no financiamento da infraestrutura.
Uma semana antes de tomar posse formalmente como presidente da Anbima, Van Dijk concedeu uma longa entrevista exclusiva para a Investidor Institucional. Na entrevista, falou sobre diversos temas, um deles, da segmentação das gestoras de recursos de acordo à especialização de cada uma delas. Com isso, a regulamentação e exigência dos órgãos fiscalizadores deveriam dar um tratamento diferenciado que possa permitir a sobrevivências de assets menores e mais especializadas. Confira a entrevista na íntegra:
Investidor Institucional – A Anbima publicou uma carta aberta à sociedade recentemente. Qual foi o objetivo deste posicionamento?
Robert Van Dijk – Tivemos a oportunidade de levar um posicionamento à sociedade através desta carta aberta. Foi um ato motivado pelo processo que o Brasil vivencia de apuração do impedimento da presidente e da interinidade de Michel Temer. Dadas as circunstâncias singulares que o Brasil vive não podemos nos omitir e não levar a público, primeiro, nossos valores e um conjunto de temas relacionados ao mercado de capitais.
II – Quais os principais pontos da carta?
RVD – Nessa carta, acabamos elencando os pontos que gostaríamos de reforçar: o ajuste fiscal e a reforma tributária dentro de um contexto em que se possa reestabelecer a confiança na gestão das finanças públicas e no controle da inflação. A reforma previdenciária, em seu aprimoramento e na gestão da poupança de longo prazo. São temas que estão na ordem do dia. Nesse sentido foram criadas duas frentes da diretoria da Anbima, uma no capítulo da reforma tributária e outro na da reforma previdenciária.
II – O que você acredita que a nova equipe econômica precisa priorizar?
RVD – Precisa endereçar a questão fiscal. Dentro das medidas que são possíveis de serem propostas e esperamos aprovadas. Já ultrapassamos o limite das pontas das receitas e precisamos colocar de fato o controle das despesas na ordem do dia. Nesse sentido, a reforma tributária é um tema primordial. Existe um descompasso, um gap, também no sistema previdenciário. Os direitos precisam ser preservados, mas é necessário entender que precisamos fazer mudanças para que tenhamos um sistema previdenciário sustentável no longo prazo.
II – O que a Anbima pensa em propor para a Reforma Tributária?
RVD – Na reforma tributária, demos início ao processo de avaliação e estudos e definimos nesse momento uma ação de curto prazo e outras de médio e longo prazo. Nessa ação de curto prazo, elegemos o capítulo de instrumentos de financiamentos, em especial, da infraestrutura, como elemento no qual temos um senso de urgência. E o outro uma reforma mais ambiciosa do capítulo tributário, podemos então estar a postos para contribuir como o governo no encaminhamento de sugestões e nos colocarmos a disposição para o diálogo.
II – Por que priorizar o tema do financiamento da infraestrutura?
RVD – É uma necessidade urgente. Devido ao senso de urgência, elegemos esse capítulo para dar uma resposta de curtíssimo prazo para endereçar o tema.
II – E quais as principais propostas?
RVD – O Brasil urge por investimentos em infraestrutura. O ganho de eficiência passa por esses investimentos. O que precisamos de fato é irmos para a ação e saírmos apenas da intenção. Vamos endereçar estímulos, podemos criar novos estímulos. Mas é importante lembrar que existe uma parceria com BNDES, para incentivar emissão das debêntures de infraestrutura. Queremos ampliar essa discussão para elaborar novas propostas.
II – Por que o programa do Levy de incentivo à emissão de debêntures não decolou ainda?
RVD – Por toda a conjuntura não decolou, mas cabe olhar novamente, pois tem outras questões, como o contexto dos papeis, o que fala a favor e o que não ajuda para que o programa seja mais efetivo. Pode-se fazer com que esse incentivo volte não só para o investidor, mas também para a empresa que o fizer. Mas só dando um exemplo. Ainda não fechamos as propostas, mas o mais importante é que queremos dar um senso de urgência.
II – Quais os desafios para que a infraestrutura possa se desenvolver no novo governo?
RVD – É necessário criar todo o arcabouço, e o governo tem manifestado intenção de criá-lo. E o mercado de capitais tem papel importante nesse sentido. E como associação, não podemos deixar de dar nossa contribuição. O mercado de capitais é imprescindível para alcançarmos o desenvolvimento desejado. Isso abordando não só a contextualização da poupança interna, mas a externa também. Temos que buscar mecanismos para atrair a poupança externa.
II – Isso impactaria a indústria de que forma? Maior volume de emissões e criação de fundos específicos?
RVD – Tudo isso. Impacta nas empresas que vão encontrar financiamentos e recursos, esperamos que a taxas compatíveis, para que possam realizar os investimentos de longo prazo tão necessários. Para o investidor, é uma alternativa que pode eventualmente trazer na relação risco-retorno bastante interessante.
II – E isso converge com uma proposta que será apresentada ao governo?
RVD – A ideia é que na mesa fruto desses estudos e análises, se conclua por uma propositura que pretendemos encaminhar ou deixar a disposição do governo. O senso de urgência se faz presidente. Nesse período de 45 dias, a diretoria se reuniu cinco vezes.
II – Falando agora sobre regulação da indústria de fundos, surgiram várias instruções recentes da CVM, a mais recente é a 558. Em linhas gerais, houve avanços ou há um excesso de regulação?
RVD – Acho que como tudo é dinâmico. No contexto geral, as novas regulações chegam para aprimorar, mas dentro desse contexto, em especial a 558, traz questões como uma eventual sobrecarga para assets de menor porte, ou de atuação mais específica. Isso pode onerar essas assets que devem apresentar uma série de diretores. Mas claro que isso vem no sentido da busca por aprimoramento, e consequentemente, para o apontamento de responsabilidades mais efetivas.
II – O que poderia mudar no tratamento das gestoras de recursos?
RVD – No processo de evolução da regulação, que é contínuo, podemos discutir um modelo no qual é possível tipificar diferentes gestoras pela abrangência de atuação, ou seja, pela sua especialização. Eventualmente, dado o escopo de atuação das gestoras, poderiam ser delineados escopos em relação na definição àquilo que é demandado na sua abrangência em relação a obrigações. Essa pode ser uma evolução futura e aí vai tratando com a especificidade da natureza de cada administradora e gestora. Pode ser um passo seguinte num futuro.
II – Essas assets mais especializadas estão com uma dificuldade que já vem antes dessa regulação, não é mesmo?
RVD – Sim, pois tem públicos alvos específicos, eventualmente não tem abrangência que fala com público de varejo. Isso pode requerer um outro determinado nível de obrigações relativamente a sua atuação. Seria uma divisão por atuação. é um tema que merece aprofundamento, mas que logo deve vir à tona.
II – Tratar todos iguais com a mesma exigência acaba gerando reestruturação e muitas estão desaparecendo.
RVD – Não sei se só isso explicaria. Temos toda uma conjuntura. Outros aspectos podem levar a processos de fusões e consolidações. Acredito que nesse processo da discussão continuada que se faz necessária em um mundo onde tudo ganha velocidade, talvez endereçar com essa especialização faz mais sentido.
II – Você poderia fazer um diagnóstico da indústria de fundos, com os desafios que você enxerga neste momento. O que não permitiu o crescimento mais expressivo nos últimos dois ou três anos?
RVD – O aspecto macro guarda relação com o ambiente no qual estamos inseridos nos últimos dois anos, em uma economia que gerou números muito ruins. Não há geração de riqueza, pelo contrário, teremos dois anos seguidos de PIB muito negativos. Os números são assustadores. E vivemos em um cenário sem geração de riqueza e portanto não há formação de poupança, e isso faz com que se tenha menos recursos para investir, afetando também a indústria de fundos.
II – E do ponto de vista micro?
RVD – Do ponto de vista micro, temos desafios que merecem ser endereçados, temos uma série de assimetrias com as quais convivemos que vem prejudicando o próprio dinamismo do crescimento. Se olharmos, vamos verificar que associado a um momento que leva a aversões a risco, busca por investimentos mais conversadores ganha maior evidencia, o que acaba levando à concorrência importante com outros instrumentos de investimentos. Concorrência assimétrica se dá no âmbito tributário, LCA, LCI, isentos, que ganharam nesses últimos anos uma relevância grande e absorveram parte dos investimentos que seriam destinados à indústria. Os fundos de maior valor agregado, com ganhos importantes, têm menor atratividade. Isso falo dos fundos multimercados e fundos de ações.
II – Os produtos isentos continuam pressionando a indústria?
RVD – Os produtos tiveram alguns ajustes, talvez não pressionem de forma tão contundente como no passado recente, mas continuam competindo. O estoque desses papeis ainda é relevante na indústria. Mas tem também uma boa notícia que a captação dos fundos de investimentos teve uma melhora neste ano.
II – Em análise mais macro, você vê com a nova equipe econômica um novo ciclo de corte da Selic? Quais as perspectivas que se abrem para a indústria?
RVD – A captação teve uma melhora mais por conta da poupança do que uma resposta às medidas que o governo interino esta apresentando. Mas tem mais a ver com um não tão bom resultado que a poupança vem apresentado e um bom resultado que fundos de renda fixa e DI vem entregando. Sem dúvida, acho que há uma série de propostas que vem sendo apresentada nesse momento. O período de 30 dias ainda é pequeno, mas se tenta fazer muito nesse período, tentando levar propostas que nos parece na direção acertada. O presidente Ilan do Banco Central, ao tomar posse colocou muito claramente o objetivo de retomar o tripé básico da sua atuação, enfim, e o que nos parece medidas na direção correta.
II – E qual a importância da Reforma da Previdência nesse contexto?
RVD – Primeiro é preciso tornar a previdência sustentável no longo prazo. Hoje, as contas não fecham. Essa é a primeira e maior relevância no trato da previdência. Temos discussões relevantes de qual o melhor modelo a se implementar, experiências internacionais. Queremos fazer um estudo abrangente e deixar a disposição do governo.
II – Temos o modelo chileno, que é uma referência, o que acha desse modelo?
RVD – É uma alternativa. Tem o sistema universal que tem sua meritocracia. Tem o modelo chileno. Estamos resgatando esses estudos. Como falo em nome da Anbima e estamos iniciando um processo de discussão desse capítulo, a certeza que temos é que precisamos endereçar esse tema. Consenso sobre qual é a melhor proposta é justamente o que estamos nos debruçando agora. O modelo chileno demostra ser um processo interessante. Claro que temos peculiaridades no Brasil.
II – Sobre perspectiva, para 2016, vai ser melhor que 2015 para a indústria?
RVD – Diria que o Brasil passa por um momento singular, vivemos um momento que talvez os livros de história se escreva que foi um momento em que o Brasil se redescobriu em uma nova forma de ser. Substanciado em um conjunto de valores éticos, morais, em uma dinâmica de políticas econômicas e sociais que possam endereçar o capítulo do crescimento. Se isso acontecer, também no nível micro, a indústria de fundos de fortalecerá, o mercado de capitais estará a serviço desse processo. Espero possamos ver dias melhores num futuro não muito distante.