Edição 283
A incerteza sobre quais serão as consequências da saída do Reino Unido da União Europeia, por si só, já deve ser o suficiente para reduzir o crescimento econômico da região, à medida que os gastos sociais e investimentos corporativos devem ser adiados. Além disso, até mesmo o próprio projeto do bloco único do velho continente pode estar em risco, uma vez que a saída do Reino Unido pode levar outros países a adotar o mesmo caminho. Ao menos essa é a visão de Lucy O’Carroll, economista-chefe da asset escocesa Aberdeen Asset Management, e de Paul Diggle, economista da gestora.
Diante desse quadro, a tendência é que o Banco da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês) adote medidas para minimizar os efeitos do Brexit, tais como corte na taxa de juros, e novas rodadas do programa de estímulos conhecido como ‘quantitative easing’, e que, como efeito cascata, pode levar os bancos centrais ao redor do mundo a reagir com outras ações. A boa notícia é que o impacto para países emergentes como o Brasil não deve ser muito relevante.
Lucy está na Aberdeen desde 2014, quando a asset comprou por 650 milhões de libras a gestora escocesa Scottish Widows (SWIP), que até então pertencia ao Lloyds Banking Group. Antes da Aberdeen, Lucy ocupou cargos de chefia no Lloyds Banking, no Royal Bank of Scotland (RBS) e no Banco da Inglaterra (BoE, na sigla em inglês), onde trabalhou no comitê de política monetária.
Já Diggle é economista e estrategista da área de soluções de investimento da Aberdeen, na divisão de multi-asset da gestora. Ele realiza pesquisas com a metodologia ‘top down’ com base no cenário macroeconômico e em todas as classes de ativos, regiões e países, com o objetivo de fornecer ideias de alocação de capital. Diggle está na Aberdeen desde 2015. Antes ele trabalhava na Capital Economics, consultoria de pesquisas econômicas baseada em Londres. Confira abaixo a entrevista exclusiva concedida pelos economistas à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – Quais os impactos da saída do Reino Unido da União Europeia a curto e longo prazo para a economia da região?
Lucy O’Carroll – É difícil ser específico sobre o quanto exatamente as economias do Reino Unido e da Europa serão impactadas com o Brexit, porque há muita incerteza sobre as perspectivas. No entanto, esperamos que a própria incerteza reduza o crescimento, ao adiar os gastos sociais e os planos de investimento corporativos. Por outro lado, a inflação tende a aumentar como resultado da queda da libra esterlina. O Banco da Inglaterra disse que vai agir para tentar reduzir os efeitos negativos do Brexit, por meio do corte na taxa de juros e adicionando outras formas de estímulos monetários. Mas há limitações para o que o banco pode fazer.
II – A economia do Reino Unido se tornará mais vulnerável a uma queda na atividade econômica devido ao Brexit?
LOC – Estamos preocupados com os impactos no longo prazo na economia do Reino Unido, mas também é difícil determinar a extensão desses efeitos até sabermos quais serão os termos da negociação sobre o Brexit. Se o acordo incluir a continuidade do acesso ao mercado único europeu, o impacto de longo prazo pode ser bastante limitado. Mas se o acesso ao mercado único do continente for interrompido, o impacto pode ser considerável.
II – Entre os países que permanecem na União Europeia, há algum que pode ser mais afetado pela saída do Reino Unido do bloco?
LOC – Para o restante da Europa, a atividade pode ser afetada de maneira negativa pelos próximos anos, como resultado do enfraquecimento do comércio, queda na confiança e pela perda do potencial de transmissão através do mercado financeiro. No longo prazo, também há um risco em potencial para o projeto da União Europeia, se o Brexit encorajar partidos políticos ‘eurofóbicos’ em outros países do bloco. Por outro lado, se a economia do Reino Unido sofrer como reflexo do Brexit, pode levar os outros países da União Europeia a se sentirem mais motivados a permanecer juntos.
II – Qual impacto a saída do Reino Unido da União Europeia pode gerar para a economia global?
Paul Diggle – É provável que ocorra um choque local, mas não global. Em outras palavras, embora nossa crença seja a de que o PIB do Reino Unido pode ser substancialmente menor nos próximos anos por conta dessa decisão, o impacto no crescimento do resto da Europa será mais modesto. E o impacto no crescimento global pode ser desprezível. Dito isso, essa previsão depende dos esforços para conter o impacto do Brexit. Depende de outras decisões que possam levar a uma série de referendos similares na União Europeia.
II – A decisão do Reino Unido tende a motivar outros países a seguir o mesmo caminho?
PD – Existe a possibilidade que desencadeie uma série de referendos similares nos membros do bloco. Por outro lado, evidências preliminares sugerem que a votação do Reino Unido aumentou o suporte pelos partidos da situação e reduziu o apoio aos partidos que são contra a UE no resto da Europa. No longo prazo, vai depender muito de qual será o sucesso da economia britânica fora da UE – quanto mais bem sucedido for o Reino Unido após sua saída do bloco, mais provável será que outros países também avaliem deixar a UE.
II – Existe alguma região mais resiliente aos impactos gerados pela saída do Reino Unido da União Europeia?
LOC – Entre as diversas economias europeias, aquelas com fortes relações comerciais globais, com um setor bancário relativamente resiliente e com uma demanda doméstica razoavelmente robusta devem se sair melhor. Da mesma forma, setores que podem se beneficiar da desvalorização da libra esterlina também têm mais chances de sofrer menos com esse processo. No Reino Unido, setores e regiões com maior exposição ao turismo, por exemplo; e na Europa, setores e regiões que podem se beneficiar com a realocação de atividades no longo prazo.
II – Quais podem ser as consequências do Brexit para o mercado financeiro global?
PD – Os mercados financeiros funcionaram bem logo após a votação do Reino Unido para deixar a União Europeia. Os mercados têm liquidez, os preços que vimos nas telas eram os preços reais, e os investidores foram capazes de seguir com suas negociações. Esses são sinais encorajadores do bom funcionamento dos mercados financeiros.
II – Quais podem ser os impactos nos preços dos ativos do mercado?
PD – Em termos dos impactos nos preços do mercado, após alguns grandes movimentos iniciais, observamos agora que o mercado de ações dos países desenvolvidos subiu cerca de 1% desde a votação. No mercado acionário dos países emergentes, a alta é superior aos 3%. Já os yields dos bonds de governos nos mercados desenvolvidos registraram quedas, enquanto entre os emergentes esse segmento teve pouca variação. Os preços do petróleo caíram cerca de 10%, mas um índice mais abrangente de preço das commodities teve uma queda de 1,5%. Já o dólar teve uma valorização média de 2%.
II – O que é possível concluir com esses movimentos do mercado após o Brexit?
PD – Considerando tudo isso, esses movimentos de mercado são relativamente modestos, em relação ao que poderia se esperar no caso da votação para a saída do Reino Unido fosse a vencedora.
II – Quais medidas o Banco da Inglaterra (BoE) pode adotar nos próximos meses para mitigar os riscos relacionados ao Brexit?
PD – O presidente do BoE, Mark Caney, disse que “as perspectivas econômicas se deterioraram, e medidas de estímulos da politica monetária provavelmente serão necessárias durante o verão”. Em seu último encontro, em 14 de julho, o BoE não tomou nenhuma medida, mas a ata da reunião observou que “a maioria dos membros do comitê esperam que a política monetária seja afrouxada em agosto”. Por isso o cenário mais provável é que a taxa de juros local seja cortada dos atuais 0,5% para 0% até o fim de 2016. E se a economia tiver uma rápida deterioração, então uma nova rodada do programa ‘quantitative easing’ também é provável. Entretanto, é possível que a preocupação com o impacto negativo de uma taxa de juros muito baixa no setor bancário impeça um corte da taxa em relação ao seu nível atual, e que todas as medidas de estímulo venham na forma de um ‘quatitative easing’ expandido.
II – As medidas adotadas pelo BoE podem gerar reações dos bancos centrais de outros países?
PD – Qualquer flexibilização feita pelo BoE pode encorajar outro bancos centrais a também afrouxar sua políticas, ou no caso do Federal Reserve nos Estados Unidos atrasar seu aperto monetário. Isso pode ocorrer porque as medidas do BoE podem desvalorizar a libra esterlina contra outras moedas – evento que o Banco do Japão, o Banco Central Europeu e o Fed podem considerar contraproducente para seus esforços de atingir suas metas de inflação.
II – Qual impacto o Brexit pode gerar para a política monetária dos Estados Unidos?
PD – O impacto direto no comércio com a votação do Reino Unido para deixar a União Europeia em relação aos Estados Unidos é relativamente pequeno, e portanto não deve mudar o curso da política monetária americana. Ainda assim, a incerteza gerada pela votação do Reino Unido provavelmente manterá a taxa de juros nos Estados Unidos estável em seu patamar atual pelo menos até o fim deste ano; mas se o Brexit levar a um movimento mais amplo de aversão ao risco no mercado financeiro, que resulte em queda no mercado acionário americano e elevação nos spreads de crédito, então o Fed pode manter a taxa inalterada por um período ainda mais longo.
II – Quais consequências econômicas o fluxo de refugiados pode ter para o Reino Unido e para a União Europeia nos próximos anos?
PD – O Reino Unido recebeu aproximadamente 39 mil pedidos de asilo em 2015, o que representa menos de 0,1% da população. Se esse movimento seguir na mesma intensidade nos próximos anos, o impacto econômico no Reino Unido tende a ser muito pequeno. A União Europeia como um todo recebeu cerca de 1,3 milhão de refugiados em 2015, o que equivale a 0,3% da população. Mais uma vez, a esse ritmo, o impacto econômico em toda Europa será bastante pequeno. No entanto, alguns países membros da UE tem recebido um número bem maior de chegadas na comparação com o tamanho das populações.
II – Quais são esses países?
PD – A Alemanha, Áustria, Hungria, Suécia, Noruega e Finlândia receberam cada um mais de 0,5% de suas populações em pedidos de asilo em 2015. Para esses países, o impacto econômico é misto. Por um lado, o processo para fornecer moradia e integração aos refugiados é caro. Por outro lado, esse custo é um impulso fiscal efetivo para a economia. Além disso, os refugiados em geral são mais jovens do que a população nativa, promovendo uma renovação demográfica para essas economias.
II – Qual impacto o Brexit pode causar nos mercados emergentes?
PD – Esperamos que o impacto nos mercados emergentes com a saída do Reino Unido da UE seja pequeno. Nossas projeções sugerem que o impacto no PIB dos emergentes como um todo seja entre 0% e 0,2% anualmente entre 2016 a 2018.
II – A desaceleração da economia chinesa também pode sofrer algum impacto por conta do Brexit?
PD – Nosso modelo sugere que o impacto do Brexit no PIB chinês seja da ordem de 0,1% a 0,2% anuais entre 2016 a 2018. As perspectivas para a economa chinesa devem ser guiadas mais por fatores domésticos, como o processo de rebalanceamento da economia, desequilíbrios estruturais, a elevada dívida e políticas de suporte, do que pelo Brexit.
II – Qual é sua visão sobre a economia do Brasil?
PD – A mudança de governo no Brasil significou um retorno da credibilidade para as políticas macroeconômicas. Isso tem fortalecido o Real, o que deve resultar em expectativas de inflação menores, e permitir que o Banco Central (BC) corte a taxa de juros. Mas o impulso para o crescimento da economia por meio de custos de empréstimos mais baixos pode ser parcialmente compensado pela política fiscal mais restritiva, à medida que a equipe econômica busca conter a trajetória ascendente da dívida pública. Projetamos que o PIB brasileiro tenha uma queda de 3,4% em 2016, e fique estável em 2017. Fizemos uma atualização da nossa estimativa para o PIB brasileiro no médio prazo após a mudança de governo, e agora prevemos um crescimento anual de 3% até 2020.