“Hoje há mais competidores do que vagas” | O tempo da...

Edição 80

Mário Fleck, da Andersen Consulting

A internet continua sendo um tema palpitante. Apesar da queda dos índices da bolsa mais famosa do mundo que lista esses papéis, a Nasdaq, a internet continua a ser vista como a grande revolução tecnológica do nosso tempo. Fundos de investimento voltados para esse tipo de atividade são lançados quase diariamente, porém nem as fabulosas quantias que eles disponibilizam são suficientes para bancar o número de novos negócios que surgem a cada dia, todos de olho na valorização excepcionalmente alta e rápida que se tornou a marca dessa indústria. Porém, poucos vão conseguir. “Não vai ter vaga para todo mundo, já não são mais 10 vagas para 1 competidor, acabou esse tempo, agora são 10 competidores por cada vaga”, garante o presidente da empresa Andersen Consulting, Roberto Fleck, em entrevista exclusiva à Investidor Institucional.
Além de uma consultoria tradicional, que tem na nova indústria de internet um dos seus ramos de atividade, a Andersen também criou uma área para participar diretamente dos investimentos. “Hoje analisamos de 10 a 15 planos de negócios por semana”, diz Fleck. Veja, a seguir, os principais trechos da sua entrevista:

Investidor InstitucionalQual é a sua avaliação a respeito da queda das ações da Nasdaq?
Mário Fleck – Essa queda traz a Nasdaq um pouco mais perto da realidade. Na verdade, ela corrige um exagero que estava acontecendo com os preços das ações das empresas tecnológicas. Isso porque houve, num primeiro momento, um desbalanceamento entre o nível da oferta e da demanda das ações dessas empresas tecnológicas, fundamentalmente as voltadas para internet, com muita gente querendo comprar e pouco papel disponível no mercado. Então, isso trouxe toda aquela euforia de valorização, mas aos poucos os investidores começaram a ter a sensação de que existia um superaquecimento desses papéis e agora a Nasdaq está voltando a um nível mais realista.

IIPorque demorou tanto para cair?
MF – Bem, o que houve é que vários fatores tiveram que coincidir para determinar essa correção de mercado. Além da percepção dos investidores de que os papéis estavam superaquecidos, teve também o aumento das taxas de juros nos EUA e os efeitos disso nos mercados. Isso apavorou muita gente e deu no que deu, as pessoas passaram a olhar a Nasdaq e dizer “olha, isso aí não é um negócio que basta jogar para cima que ele fica lá no alto, tem que ter um pouco de lógica nele”.

IIA velha lógica de analisar as empresas pelo seu balanço?
MF – Sim, essa velha lógica volta a valer. Claro que não basta você pegar o balanço da empresa e analisar, não basta você fazer uma análise financeira, você tem algumas outras variáveis importantes para serem consideradas no caso da internet.

IIQuais são elas?
MF – Por exemplo, qual é o mercado que você quer atingir, se é um mercado de empresas ou de pessoas, qual é o negócio que você quer oferecer para este mercado, se você tem muitos competidores, se tem muita ou pouca barreira de entrada, se você tem um custo alto ou baixo de aquisição de clientes, todas essas variáveis não aparecem no balanço. Mas aparecem como ferramenta de avaliação de uma maneira muito mais intensa hoje, porque o investidor está muito mais preocupado em saber se você é realmente o ganhador.

IIDá para saber isso?
MF – Veja, é como se fosse uma corrida onde você tem 10 competidores para cada vaga. Não vai ter vaga para todo mundo, já não são mais 10 vagas para 1 competidor, acabou esse tempo, agora são 10 competidores por cada vaga. O que diferencia quem tem mais chance e quem tem menos chance? É essa definição do mercado, a visão de como você vai ganhar esse mercado, a tua capacidade gerencial, quem está tocando esse negócio, quem são as pessoas, qual é a experiência dessas pessoas reunidas, qual é a tecnologia que está usando.

IITecnologia continua sendo um fator importante? Os especialistas dizem que, cada vez mais, a tecnologia é um commodity nessa área e o fator diferencial é a capacidade de marketing.
MF – Acho que algumas tecnologias são commodities, outras não. A diferença é justamente essa, se eu tenho uma tecnologia inovadora que consegue fazer melhor o marketing, consegue entender melhor o mercado, consegue criar uma diferença competitiva em relação aos meus concorrentes, então ela é poderosa.

IIQual tipo de negócio deve crescer mais na internet, o B2B (business to business) ou o B2C (business to consumer)?
MF – Um dos fenômenos mais notáveis de hoje é que as coisas se transferem de um lugar para outro com muito mais intensidade, muito mais velocidade, e o B2B tem mais volume do que no B2C. Enquanto no B2C você tenta botar 10 milhões de consumidores acessando a Internet para comprar seu produto, no B2B você tem empresas negociando a uma velocidade muito maior. O B2B está fazendo uma revolução, ele permite que as companhias trabalhem de uma forma muito mais rápida. Também aí você vai ter mercados que vão ser dominados por um ou dois grandes players.

IIQuais as principais características do B2B?
MF – Primeiro, ele é um negócio feito de muitas empresas para muitas empresas. Não é mais um negócio como antigamente, uma conexão entre uma empresa para outra, hoje são várias empresas que podem se conectar em vários formatos. Por exemplo, um formato é do mercado eletrônico, as empresas vão para lá e quem compra pede cotação para muitos, recebe as cotações de todos e escolhe um, e quem vende pode fazer um leilão, onde quem oferece mais leva.

IIQuer dizer, permite um aumento formidável da concorrência?
MF – É isso. Quem compra pode fazer um leilão, do tipo “tenho um monte de coisa que sobrou no estoque, quero vender e quem me pagar o maior preço, leva”. Também posso fazer o contrário, estou comprando e falo “quero comprar 1.000 cadeiras e estou a fim de pagar 50 reais por cadeira, quem está a fim de vender?” e joga isso para quem vende cadeiras. Então, as possibilidades de fazer leilões e de ter cotações é mais veloz e mais abrangente do que era no mundo anterior. A mudança fundamental é que eu trago para o mercado, de forma muito rápida, compradores e vendedores do mundo inteiro.

IIOs negócios de internet estão engendrando uma série de novas parcerias, mudando outras, é isso mesmo?
MF – É isso mesmo. Esse negócio é como uma grande rede, vai juntando todo mundo, a quantidade de alianças e parcerias é muito grande. Se você pega o site Amélia, do Pão de Açúcar, ele oferece comida para você abastecer sua geladeira mas, ao mesmo tempo, ele quer resolver seus outros problemas domésticos. A palavra chave hoje é conveniência, e o Amélia quer dar essa conveniência. A pessoa não quer ficar pulando de um lugar para outro, num eu compro comida, no outro eu compro serviço para passar roupa, no outro eu compro produtos para engraxar sapatos, etc. Então, o Amélia se propõe a resolver tudo para a pessoa e para isso ele tem que fazer uma série de parcerias.

IIA tendência é aumentar essas parcerias?
MF – A tendência é aumentar cada vez mais essas parcerias.

IIE como ficam as empresas antigas?
MF – As empresas tradicionais, mais antigas, também estão entrando nisso. Elas agora estão se juntando aos seus próprios concorrentes. No fundo, esse é o grande fenômeno que está acontecendo. Você tem grandes empresas do mesmo setor, como a construção civil, por exemplo, que podem se juntar e fazer um grande mercado onde elas compram e vendem produtos e fazem trocas entre si. Nesse sentido elas estão cooperando, embora no dia a dia elas estejam competindo entre si. Então, elas se juntam para comprar grandes lotes da indústria, mas na hora de vender o seu produto elas passam a competir.

IISão parcerias de oportunidade, para uma situação específica?
MF – Não apenas isso. Pode também ter parcerias estratégicas, para preservar o negócio. Em alguns cenários é uma luta inglória tentar dominar 100% do mercado, é melhor ficar com 50% e sobreviver do que insistir nos 100% e morrer. É melhor ter uma fatia de um negócio grande do que uma fatia grande de um negócio que não vale nada. Então, tem muita gente de olho nesse tipo de possibilidade de parceria.

IIOs business plan da área de internet estão sendo feitos com ênfase principalmente na forma de saída do negócio. Isso é uma característica nova?
MF – Sim, isso é uma característica nova. O mercado de capitais sempre operou dessa maneira, estabelecendo uma via de saída do negócio, mas os empreendedores não. O mercado de capitais, ao investir em uma empresa de capital de risco, sempre opera com o objetivo de saber como irá sair do negócio, ele não é um investidor institucional no sentido de ficar ali por cem anos, mas o empreendedor teoricamente deveria estar no negócio para ficar.

IIMas hoje ele entra no negócio já pensando em como sair.
MF – Isso é uma distorção porque, evidentemente, tem essa neurose de entrar e sair milionário no dia seguinte. Mas eu acho que os empreendedores sérios têm uma perspectiva diferente.

IIE qual é essa perspectiva?
MF – A perspectiva de estar em negócio para amadurecer esse negócio. Se você não é um venture capital você não vai vender logo à frente, você pode vender mais tarde, de uma maneira mais estruturada.

IIAinda se ganha dinheiro fácil na internet, do dia para a noite?
MF – Tudo isso acabou, cada dia isso é mais raro.

IIA venda da Patagon para o Santander foi o último grande negócio?
MF – Não acho, hoje mesmo (21 de junho) está sendo anunciado um grande negócio, a venda de 14% do IG por US$ 100 milhões. Vários investidores americanos entraram nesse negócio. Foi um grande negócio em termos de valores, pois hoje o IG está muito mais estruturado do que estava no começo, tem um corpo gerencial altamente competente.Agora você não pode dizer “isso é vapor”?

IIQual a perspectiva de integração das empresas tradicionais com a internet?
MF – Todas as empresas tradicionais vão ter algum tipo de negócio usando a economia eletrônica. A perspectiva disso acontecer é de 100%. Cada uma vai fazer isso de uma maneira, algumas mais no setor de compras, outras mais no setor de vendas, outras ainda no setor de marketing, algumas de maneira mais informativa, menos transacional, outras fazendo grandes associações. Não tem jeito, todo mundo vai estar dentro, é só uma questão de tempo.

IIO Brasil poderá ter grandes empresas nacionais de internet, ou com a globalização isso se torna impossível?
MF – Acho que sempre vão continuar existindo as duas coisas, empresas nacionais e grandes empresas internacionais, isso vai ter sempre.

IIÉ que a Internet tornou a globalização um fato muito concreto.
MF – Sim, a internet fez da globalização um fenômeno muito mais forte. Hoje você pode comprar e vender um produto em qualquer lugar do mundo, mas ainda tem o desafio da entrega. Não é tão simples assim a parte da entrega.

IICom isso você quer dizer que é possível ter empresas nacionais de internet fortes?
MF – Sem dúvida!

IIVocê falou das dificuldades da entrega. Qual a importância da logística para a internet?
MF – É fundamental. No fundo, essas empresas que têm coisas que são viabilizadoras têm um papel fundamental na nova economia. Não adianta o cara colocar uma tremenda grana para atrair consumidores se depois ele não tem como entregar os produtos. Então, hoje tem um mercado que está com um crescimento explosivo, que são as empresas que constróem depósitos, que tem frota de caminhões, que tem logística de entrega, todo esse pessoal está recebendo benefícios que eu nem chamaria mais de indiretos, mas de benefícios diretos, pelo fato de estar dentro desse show.

IIQue outros tipos de negócios ganham com internet?
MF – A parte de contéudo, por exemplo, de serviços, de marketing, de advogados, os próprios jornalistas que são uma categora importante na produção de conteúdo.

IIComo a Andersen Consulting está atuando nesse mercado?
MF – Temos atuado tanto como uma consultoria tradicional quanto como investidores. Como investidores estamos atuando de duas formas: criamos um negócio chamado Anderson Consulting Ventures, que é o nosso braço de capital de risco para poder fazer investimentos, e também criamos um negócio chamado Internet Center, que é uma aceleradora de empresas voltada a cuidar de tudo, desde a parte de tecnologia até a infra-estrutura administrativa das empresas que achamos que têm um potencial muito grande de crescimento, de tal maneira que ela possa se concentrar no seu negócio principal.

IIQual é a demanda por esses serviços?
MF – A demanda tem crescido muito. Hoje analisamos de 10 a 15 planos de negócios por semana, em média, e já temos 15 projetos em andamento no Internet Center.

IIVocês bancam diretamente os investimentos ou viabilizam através de outros investidores?
MF – Fazemos as duas coisas. A Andersen Ventures pode fazer o cheque ou pode usar a sua capacidade de conhecimento e rede internacional para trazer outros investidores para o projeto. Depende do caso.