Edição 133
Flávio Martins Rodrigues, do ICSS
O presidente do Instituto Cultural de Seguridade Social (ICSS), Flávio Martins Rodrigues, está otimista em relação à previsão de retomada do crescimento da previdência complementar do país. Ex-presidente do fundo Rio Previdência e também procurador do Estado do Rio de Janeiro, ele aposta na aprovação do PL-9 para que a previdência complementar dos servidores públicos seja implementada rapidamente e alavanque o crescimento do sistema. Mas adverte para os riscos de colocar esses fundos de previdência de estados e municípios sob a ingerência dos governos, como está pretendendo fazer o governador do Paraná, Roberto Requião, com a ParanáPrev. “Precisamos criar uma blindagem para esses modelos, que ainda não existe”, diz ele. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que deu à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – Como representante do ICSS, qual a sua opinião sobre a Reforma da Previdência?
Flávio Martins Rodrigues – O Instituto Cultural de Seguridade Social tem atuado de maneira integrada com a Abrapp e o Sindapp no acompanhamento dessa questão. Contudo, nós temos uma expertise muito grande em relação a modelos previdenciários estrangeiros, de forma que temos colaborado nessa discussão trazendo sobretudo experiências internacionais. Assim, verificamos que a posição do Ministério da Previdência na questão dos direitos adquiridos está certa, pois esses direitos só existem quando implementadas todas as condições para a aposentadoria.
II – Qual a sua posição específica em relação à idade mínima e a contribuição dos inativos?
FMR – Com relação à idade mínima e ao alongamento do período para aquisição do direito, nós verificamos que há uma tendência mundial nessa direção. Nos Estados Unidos, ainda que observe uma faixa de transição, a idade mínima hoje é de 67 anos no regime geral. Já na questão da contribuição dos inativos, aqueles que conhecem um pouco mais sobre a Previdência admitem essa cobrança, porque pode ser uma forma de evitar que durante a fase ativa o participante tenha que fazer uma contribuição muito elevada.
II – Mas o Supremo Tribunal Federal tem impedido essa cobrança…
FMR – Sim, pois ele entende que num regime compulsório, como o dos servidores públicos, para haver contribuição deve haver uma contra-prestação de serviços. Sugerimos então a cobrança de uma alíquota diferenciada e menor do que aquela cobrada dos servidores ativos, voltada especificamente para custear o beneficio de pensão.
II – Uma das idéias centrais da Reforma da Previdência é colocar um teto de pagamentos previdenciários para os funcionários públicos. Isso irá funcionar?
FMR – Aí nós temos duas situações: uma é a dos novos ingres-
santes, e para esses eu acredito plenamente na idéia de um teto idêntico ao INSS e a partir daí um regime de previdência complementar, que a meu ver não necessariamente deveria ser de contribuição definida; outra é a daqueles que já são servidores, e para esses eu acho que a melhor solução seria não aplicar de imediato a regra do teto.
II – Por quê?
FMR – Porque esses servidores já contribuíram, no passado, sem o teto e aí teria uma discussão de cunho jurídico que acho que seria danosa. Em segundo lugar, essa transição teria um custo muito intenso para a Previdência, porque no dia seguinte em que ela fosse aprovada, você teria os atuais servidores públicos contribuindo não sobre o seu salário total, mas sobre o teto de R$ 1.560,00. Você teria uma perda de receita muito grande.
II – Você disse que os planos dos funcionários públicos não deveriam ser, necessariamente, de contribuição definida. Defende também planos de benefício definido para os funcionários?
FMR – Sim, porque tem determinadas categorias no serviço público que não têm mobilidade laborativa. Um médico, por exemplo, pode exercer sua função tanto como servidor do estado quanto num hospital particular, e portanto serviria para ele a regra do servidor da iniciativa privada, com planos de contribuição definida etc. Mas um militar não tem essa opção, um coronel do Exército não consegue ser coronel na iniciativa privada… Além disso, você pode querer que essa categoria se aposente mais cedo, para não ter uma tropa idosa… Então, acho que se poderia criar planos de benefício definido para determinadas categorias de servidores públicos… E não estou falando de nenhuma novidade! No estado de Nova York, por exemplo, há planos diferenciados para aqueles servidores públicos que trabalham expostos ao inverno, que é muito rigoroso. Eles se aposentam mais cedo…
II – Que outras categorias você colocaria como diferenciadas?
FMR – Eu acho que o modelo do PL-9 poderia ter planos diferenciados para se adaptar ao Judiciário, aos militares, por exemplo. Mas isso em termos de tipo de plano e de tempo de aposentadoria, não do benefício.
II – As regras seriam as mesmas?
FMR – As mesmas. A diferença é que para algumas categorias poderia haver planos de contribuição definida e para outras planos de benefício definido. E qual é a vantagem disso? É você evitar postergar para o momento da concessão do benefício o custo do benefício. Você montaria, ao longo de toda a vida de todas as categorias, o custeio do plano. Então, por exemplo, caso se entendesse que os magistrados deveriam ter um plano diferenciado, de benefício definido, essa contribuição seria paritária, do poder judiciário e do juiz.
II – O que acha da decisão do governo, de encaminhar a votação do PL-9 antes da votação da Reforma da Previdência?
FMR – Eu acho que o PL-9 deva ser votado logo, embora com algumas alterações. Por quê? Porque é inegável que durante os últimos anos o poder público contratou menos do que necessitava e agora se está tendo necessidade de fazer vários concursos públicos, o próprio INSS está abrindo um concurso público para milhares de cargos públicos e essas pessoas vão entrar no sistema antigo, com 100% da última remuneração, quando poderiam estar entrando num sistema de previdência complementar muito mais equilibrado.
II – Você acha que será fácil a aprovação das reformas?
FMR – Esses processos são sempre muito difíceis para a sociedade, pois você está mexendo numa área muito sensível, e a experiência internacional mostra que todas as reformas feitas impositivamente tendem a ser repelidas. Então o que o governo está fazendo, a meu ver com muito acerto, é colocar o tema em ampla discussão para a sociedade. Mas é preciso que se cumpra, e parece que vai se cumprir, o prazo inicialmente fixado da apresentação da emenda ao Congresso Nacional até o fim do mês de abril.
II – A cultura dos fundos de pensão tende a se consolidar no Brasil, como resultado dessas discussões?
FMR – É preciso um esforço para mostrar aos funcionários públicos que o sistema, do jeito que está, poderá ir à insolvência, por ter regras muito generosas. E mais, mostrar que modelos de previdência complementar são modelos já experimentados no mundo inteiro, e no Brasil também, com muito êxito. Ninguém pode dizer que o resultado das entidades fechadas no Brasil seja negativo, essas entidades acumularam um patrimônio significativo e pagam benefícios complementares muito razoáveis, muito elevados.
II – Qual será o destino dos regimes próprios de estados e municípios, nesse contexto de mudanças?
FMR – Os regimes próprios vão ter funções extremamente relevantes. Primeiro, com relação ao estoque de funcionários públicos ativos, das obrigações relativas aos funcionários atuais e aos aposentados e pensionistas. Deve-se buscar formas alternativas de financiamento desse custo, que é muito elevado. Em segundo lugar, caberá aos regimes próprios prover o valor básico de até 1.560,00. Então, você tem obrigações de muita expressão no curto e no médio prazo, e inclusive no longo prazo.
II – Eles não precisariam de alguns aperfeiçoamentos para garantir sua independência do estado? O caso da ParanáPrev, que o governador Roberto Requião está querendo trazer de volta ao estado, não mostra a fragilidade desse sistema (ver reportagem à página 17)?
FMR – De fato, hoje não há ainda uma blindagem para esses modelos semi-capitalizados, e acho que a reforma da previdência deveria tratar desse assunto. Deveria se assegurar que um eventual esforço feito num governo, em prol do aporte de recursos a fundos previdenciários de servidores públicos, não seja desfeito em governos seguintes. Os recursos deveriam ser blindados.
II – O que pensa do caso da ParanáPrev?
FMR – Parece que ainda não há uma posição definitiva, o governador estaria mandando uma lei para a Assembléia Legislativa para alterar o modelo institucional, mas não tenho informações sobre o que ele pretende fazer com os ativos alocados. Seria muito danoso se esses ativos fossem utilizados no curto prazo, tendo em vista que eles foram montados para uma utilização no médio e no longo prazo.
II – Qual sua avaliação da nova postura da SPC, que parece estar ouvindo mais os fundos de pensão do que as últimas gestões?
FMR – Na realidade, acho que há uma convicção do governo atual de que o modelo de previdência complementar fechado é muito positivo, e acho que isso permeia todo o governo e acaba por se refletir na ponta da atuação do governo junto a esse setor, que é a Secretaria de Previdência Complementar. Os secretários anteriores não tinham, dos respectivos governos, essa convicção, então o que acontece é que a secretaria hoje espelha essa convicção de governo, de que o modelo de previdência complementar é muito positivo para o trabalhador e para o país. Com isso, as fundações conseguem uma interação mais fácil com o secretário.
II – Qual a sua previsão para a evolução do sistema fechado? Você acha que o sistema volta a crescer?
FMR – Eu acho que há um ambiente receptivo ao segmento de previdência complementar fechado, como talvez só se tenha visto na década de 70. Dado a esse ambiente, eu acredito que vamos ter um crescimento do sistema. Acho que os servidores públicos serão um grande vetor de crescimento da previdência complementar fechada, assim como as formas de organização de fundos via instituidor. Então, nos próximos anos, deveremos ter um crescimento vertiginoso desse setor no país. Só no âmbito dos funcionários públicos você tem a possibilidade de duplicar, em cinco anos, o segmento. E nos fundos de instituidores que tem capacidade semelhante.