Edição 158
Saran Kebet-Koulibaly, diretora-associada do IFC para a América Latina e Caribe e chefe para Brasil
Saran Kebet-Koulibaly não chama a atenção só pela sonoridade de seu nome, ou por seu um metro e oitenta de esguia beleza negra ou mesmo por suas coloridas vestimentas africanas. Ela é a primeira mulher a assumir o cargo de diretora-associada do International Finance Corporation (IFC) para a América Latina e Caribe e chefe para Brasil. Não é para menos. Saran esbanja conhecimento, fala várias línguas – entre as quais, está aprendendo o português – e tem 14 anos de IFC, o que lhe rendeu passagens pela Costa do Marfim, de onde descende, Hong Kong, Washington e Paris.
Saran está no Brasil há dois anos e recebeu o cargo, em meados do ano passado, de Wolfgang Bertelsmeier – que retornou à sede do Banco Mundial, em Washington. Nesse período, Saran diz ver importantes mudanças no Brasil, sendo a principal delas na gestão da política macroeconômica, “que é a percepção mais positiva do País no exte-rior”. A executiva, entretanto, não deixa de chamar a atenção para o cenário microeconômico brasileiro, que necessita de reformas. Por isso, diz, a presença do IFC no País é fundamental para ajudar no desenvolvimento sustentável de empresas brasileiras.
E, apesar de o Brasil ter perdido no ano-fiscal de 2004 a liderança na carteira desembolsada pelo IFC – sendo ultrapassado pela Rússia –, Saran adianta que o ano-fiscal de 2005, que se encerra em junho, deve contabilizar 13 ou 14 empréstimos para o Brasil. Ela não abre o valor, mas diz que, até março, a carteira de empréstimos do IFC para o País ultrapassava US$ 1 bilhão, enquanto que os empréstimos sindicalizados chegavam a quase US$ 300 milhões. O IFC é a principal instituição de financiamento do desenvolvimento para o setor privado. E, como braço do Banco Mundial, tem como objetivo promover o desenvolvimento sustentável no mundo.
O IFC fornece empréstimos, investe no capital social de empresas, mobiliza capital nos mercados financeiros internacionais, ajuda os clientes a aprimorar a sustentabilidade social e ambiental e presta serviços de assistência técnica e consultoria a governos e empresas. Além do IFC, compõem o Banco Mundial o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Bird), a Associação Internacional de Desenvolvimento (AID), a Agência Multilateral de Garantia de Investimentos (AMGI) e o Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (CIADI). A seguir os principais trechos da entrevista concedida à publicação:
Investidor Institucional – Em quanto está a carteira do IFC no mundo?
Saran Kebet-Koulibaly – Até março, a carteira desembolsada pelo IFC era de US$ 12,6 bilhões e mais outros US$ 4,8 bilhões de empréstimos sindicalizados. No ano fiscal anterior, que se encerrou em junho de 2004, a carteira desembolsada pelo IFC era de US$ 12,3 bilhões, enquanto que os empréstimos sindicalizados chegaram a US$ 5,6 bilhões.
II – E no Brasil?
SKK – De julho de 2004 a março de 2005, o IFC desembolsou pouco mais de US$ 1 bilhão para o País, além de US$ 298 milhões em empréstimos sindicalizados. Com isso, o investimento total do órgão no Brasil, só em carteira própria, chega a US$ 7,9 bilhões.
II – O Brasil continua sendo o maior cliente histórico do IFC em todo o mundo?
SKK – Ele foi. A Rússia passou à frente no último ano fiscal, se considerado o volume de carteira desembolsada pelo IFC. Mas, em carteira aprovada, o Brasil continua sendo o maior, seguido do México.
II – Por que houve essa mudança?
SKK – É uma questão de economia. Em 2004, o Brasil estava andando devagar e, de certa forma, os investimentos estavam parados. Isso reflete diretamente no negócio do IFC. Já em 2005 os projetos empresariais no País estão sendo desengavetados. Por isso, o fato de a Rússia ter passado à frente do Brasil por um ano não pode ser entendido como uma mudança. Não sei se a Rússia permanecerá à frente no ano fiscal de 2005.
II – Mas nos últimos anos o número de projetos brasileiros enviados ao IFC foi menor ou o IFC é que aprovou menos ao Brasil, dadas as condições da economia local?
SKK – Não sei exatamente, porque não temos um histórico de todas as propostas enviadas ao IFC. Mas acho que o número também foi menor dada a base de comparação mais alta dos anos anteriores. Em 2002 e 2003, o Brasil passou por uma crise financeira que fez com que muitas instituições saíssem do País. Neste momento, o IFC foi a única instituição que deu linha de crédito para exportação brasileira.
II – Qual é a avaliação do Brasil hoje?
SKK – Acho que as condições econômicas estão muito melhores. Gosto muito desse sentimento de otimismo que se tem perante o governo. O investidor estrangeiro gosta da gestão da política macroeconômica e vê que o País está em uma direção positiva a longo prazo. Essa é a percepção mais positiva do Brasil no exterior. Tal ambiente cria mais disponibilidade de empréstimo para o País. Só que é dinheiro direcionado para algumas empresas; não para todas. E a estratégia do IFC é exatamente a de atuar aonde o setor privado não quer ou não tem condições suficientes de atuar.
II – Mas o Brasil cresceu 5,2% em 2004, número inferior ao dos demais países da América Latina. Ainda assim a visão estrangeira é otimista?
SKK – Há casos particulares, como o da Venezuela e o da Argentina, cuja base de comparação de crescimento era muito baixa e, portanto, eleva o desempenho em 2004. O potencial de expansão do Brasil é muito maior que 5%. É de 7%, 8%.
II – Quais áreas o setor privado brasileiro não têm interesse ou recursos suficientes para investir?
SKK – A área de infra-estrutura, por exemplo, é um enorme problema para o Brasil. O IFC tem esse setor como prioridade de investimento devido a sua importância para a competitividade do País, principalmente a longo prazo. Especificamente, estou falando de portos, estradas, transmissão de energia e também energia renovável – através do Proinfa [Programa de Incentivo às Fontes Alternativas]. Queremos focar, ainda, a infra-estrutura social, por meio de saneamento e educação.
II – Quanto o IFC investiu já no Brasil para combater os gargalos de infra-estrutura?
SKK – Só tenho os dados do ano-fiscal de 2005, até março. Nesse período, os investimentos em infra-estrutura respondem por 22% do investido pelo IFC no País, ou seja, US$ 230 milhões. Adicionalmente, temos US$ 116,4 milhões em empréstimos sindicalizados para a área de infra-estrutura.
II – Neste ano-fiscal, quantos projetos brasileiros foram fechados e quantos estão em estudo no IFC?
SKK – Já fechamos duas transações no setor do agronegócio, uma no setor de papel e celulose, uma em private equity, uma em securitização de recebíveis de habitação e uma na área de construção de aeronaves. Acho que vamos fechar o ano-fiscal de 2005 com 13 ou 14 transações. E de tamanhos bem diferentes.
II – De quanto estamos falando no total?
SKK – Prefiro não dar esse valor. Vamos aguardar até junho.
II – O IFC pretende entrar nos projetos de Parcerias Público-Privadas (PPPs)?
SKK – Estamos avaliando a possibilidade e, embora não tenhamos achado nenhuma oportunidade, temos interesse nas PPPs. Seja no nível federal, estadual ou municipal. É necessário, porém, criar um marco-regulatório para que elas dêem certo. Por ora, estamos trabalhando para desenvolver apenas mandatos consultivos em PPPs junto a alguns estados e municípios e nas áreas de saúde e educação.
II – Quais são, hoje, as maiores barreiras para se investir no Brasil?
SKK – São várias, como a instabilidade de regras e a insegurança jurídica, mas a principal delas é a carga tributária, que é muito elevada. Isso afeta bastante o ambiente de negócio e contamina a decisão do investidor, que tem um mundo inteiro para decidir aonde aportar seu dinheiro. O governo tem que fazer reformas. No lado macroeconômico está tudo andando bem, mas no nível microeconômico existem muitos pontos que devem ser reformados.
II – Tem havido progressos?
SKK – Acho que no ano passado sim, como, por exemplo, a aprovação da Lei de Falências, que vai dar possibilidade de reestruturação para as empresas. Outro fato importante nesse sentido está ocorrendo em São Paulo, onde o governo tem buscado sistemas para acelerar o processo de abertura de empresas. O governo está muito ciente dos problemas do setor privado.
II – O IFC investiu recentemente US$ 3 milhões na Companhia Brasileira de Securitização (Cibrasec). Como a IFC vê o mercado de securitização de recebíveis, que tem começado a crescer no Brasil?
SKK – Com bons olhos. Temos muito interesse nessa área. Assim como temos muito interesse no desenvolvimento de todo o mercado de capitais brasileiro, que tem melhorado, mas ainda faltam instrumentos de investimentos a longo prazo. O governo poderia desenvolvê-los. Nesse campo, ainda há muito a fazer.
II – O IFC vê avanços na governança corporativa das empresas brasileiras?
SKK – Nesse quesito, o Brasil está à frente de muitos países em desenvolvimento. A governança corporativa é positiva e atrai o investidor porque agrega valor adicional à empresa. Isso ficou muito claro no ano passado, quando da abertura de capital da Natura. O preço do IPO [sigla das iniciais Inicial Public Offering – Oferta Pública Inicial] demonstrou isso. Outras empresas já estão tirando suas conclusões sobre o quanto a responsabilidade agrega valor às suas ações.
II – Então, a governança corporativa brasileira já começa a se estender para além do preço das ações?
SKK – Sim. Há, no Brasil, um movimento forte nessa direção, que é muito maior do que simplesmente governança corporativa. É de sustentabilidade empresarial, que engloba responsabilidade social e ambiental também. Uma empresa que tem sustentabilidade tem melhor rentabilidade, mais eficiência e menor perfil de risco operacional do que uma empresa que não adota princípios de governança. Acho que essa mensagem é muito importante para o público investidor. Fundos de pensão e assets deveriam incluir na sua análise de investimento empresas como essas.
II – O IFC tem projetos em andamento para melhorar a governança corporativa no Brasil?
SKK – Estamos trabalhando juntamente com a Bovespa [Bolsa de Valores de São Paulo] e outros parceiros do mercado no desenvolvimento do Índice de Responsabilidade Social. O IFC também está junto com a OCDE [Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico] na elaboração de padrões de governança corporativa para os países latino-americanos, sendo que o Brasil foi selecionado como um dos países onde esse conceito poderia ser melhor desenvolvido.
II – Ainda nesta área, o IFC fechou recentemente um empréstimo com o banco ABN Amro Real, no valor de R$ 51 milhões, para programas socioambientais e de melhoria de governança corporativa nas empresas. Esses recursos já foram liberados?
SKK – Os projetos estão sendo avaliados. O ABN está em discussão com várias empresas que têm interesse na linha e até o final deste ano fiscal teremos novidades. O importante é que o empréstimo foi uma inovação muito importante, que não foi feita em nenhum outro lugar do mundo. O nosso desejo é o de multiplicar esse tipo de ação.
II – Vários bancos ficaram interessados nessa linha do IFC por ela ser mais barata?
SKK – Não é mais barata. O IFC não pretende ser a fonte mais barata de financiamento. Mas nós temos a linha de financiamento a muito longo prazo, o que em muitos mercados não existe. Podemos emprestar até 12 anos, 14 anos. Para a estrutura do Brasil isso faz uma diferença muito importante. O IFC quer ajudar o setor privado e o mercado de capitais, não fazer caridade, nem dar subsídio.
II – Qual tem sido o juro médio de empréstimos do IFC para Brasil?
SKK – Nenhum banqueiro revelaria esse número. Além disso, a carteira do IFC é muito diferenciada. Atende a pequenos, médios e grandes projetos e em diferentes setores. Não dá para fazer uma média. Mas, já que você me pergunta, a carteira no Brasil é rentável sim. Todos os empréstimos são rentáveis.
II – Alguma empresa brasileira já deixou de pagar o IFC? Qual é o nível de inadimplência do País?
SKK – Sim, acontece. Não tenho esse dado no momento.
II – O IFC já prestou serviços de assessoria técnica ou consultoria para alguma empresa brasileira?
SKK – Nos últimos dez anos não temos dado esse tipo de assessoria para o setor privado, que tem encontrado serviço similar nos bancos de investimentos. Mas para estados e municípios, sim. Um exemplo foi na privatização da Coelce [Companhia de Energia Elétrica do Ceará]. Também demos consultoria em saneamento para a região de Petrolina e na privatização do Porto de Suape. A assessoria que o IFC dá é bastante complexa e não se limita a dizer se um determinado investimento é bom ou não. Buscamos o balanço político de um projeto entre o governo, o setor privado e a comunidade para que o investimento seja sustentável.
II – A variação do dólar no mercado brasileiro, que dificulta o correto dimensionamento dos projetos, continua preocupando o IFC?
SKK – É importante ter estabilidade cambial. Para os investidores estrangeiros isso faz uma diferença muito grande e esse é um desafio para o Brasil. Mas, no caso cambial que o País vive hoje, o problema é mais do dólar, que está se depreciando perante todas as moedas do mundo, do que do real, que estaria se apreciando ante o dólar. Portanto, não é algo que o Brasil esteja gerenciando de forma errada, uma vez que o câmbio depende da política econômica dos Estados Unidos.
II – O presidente Lula deu uma declaração dizendo que o brasileiro é muito cômodo e, por isso, paga um juro bancário alto. Aproveito a deixa para lembrar de um recente estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), que dizia que as taxas de juros bancárias no Brasil eram altas porque, entre outros motivos, não havia concorrência entre os bancos. Como o IFC avalia isso?
SKK – Acho que com a taxa de juros de quase 20% não há como ser diferente. Podem até haver fatores de falta de concorrência ou quaisquer outros, mas com uma taxa de juros nas alturas não tem solução. Eu não estou absolvendo o setor bancário de nada, mas com o juro alto que está aí não tem saída. É claro que também poderia haver mais concorrência no setor. Mas sempre pode ter mais. Você não acha? (AC)