Fomento é a bola da vez | O novo presidente da Abrapp assume o co...
Edição 352
Eleito no início de dezembro para um mandato de dois anos à frente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Jarbas de Biagi quer fazer desse período um modelo de crescimento da previdência fechada. “A previdência privada está na ordem social, então vamos trabalhar com várias entidades tipo sindicatos, associações, orgãos de classe, empresas, na busca de crescimento. Queremos engajar todo mundo nas nossas propostas de crescimento”, diz o dirigente que assume a Abrapp no início do ano que vem. Diretor financeiro da OABPrev-SP, Biagi tem uma longa história ligada aos fundos de pensão, tendo atuado por 22 anos como presidente da Banesprev, o fundo de pensão do Banespa —banco estatal de São Paulo que foi comprado pelo Santander em 2000, num processo de privatização. Advogado e professor, Biagi defende a interlocução com o governo eleito. Veja a seguir os principais trechos da sua entrevista à Investidor Institucional:
Investidor – Quais serão os principais desafios do seu mandato?
Jarbas de Biagi – A nossa linha de atuação vai ser voltada ao fomento. O negócio de previdência privada é um negócio de escala, quanto mais gente melhor para as entidades e também para a sociedade. Com as normas que temos hoje o fomento se dá através dos planos família, dos instituídos e dos próprios planos setoriais, que permitem uma abrangência muito grande em relação às empresas e também em relação às pessoas físicas, ao participante, que é o destinatário final.
Uma das reivindicações da Abrapp para estimular a entrada de novos participantes é de zerar o imposto de renda recursos que ficam nos planos por 14 anos ou mais. Tem espaço fiscal para essa renúncia no governo atual?
Essa é um ponto que nós vamos ter que trabalhar, que é a questão tributária. Quando debatemos a lei 11.053, de 2004 (que dá o diferimento tributário), aprovada pelo então ministro da Fazenda (Antonio) Palocci, foram feitos cálculos que demonstraram que não havia renúncia fiscal nenhuma para o Estado uma vez que a própria acumulação reverteria em benefícios para a sociedade. Nós temos ensaios e estudos demonstrando que quando você traz o participante para a previdência de longo prazo, o Estado também ganha através do aumento da poupança interna. Então, se a alíquota zero resultar num crescimento da previdência privada, e estamos trabalhando para isso, não é uma renúncia fiscal. Os nossos estudos indicam que, dependendo do crescimento da poupança, a renúncia é praticamente nula.
Quer dizer, tem renúncia no curto prazo mas no longo prazo compensa, é isso?
Exato. Então, o que nós estamos precisando nesse caso, e estamos trabalhando para isso, é da disposição do governo, do Congresso, de sentar com a gente para estudar esses números nos detalhes. Nós temos ensaios que mostram que, realmente, num primeiro momento a alíquota zero parece renúncia fiscal, mas no médio e longo prazo traz ganhos para a sociedade através do aumento da poupança interna.
Como está a interlocução da Abrapp com o governo?
A Abrapp criou muitas pontes com o Congresso e com o governo, então a gente pretende continuar com isso. É fundamental para nós. O governo Lula foi um governo que aumentou muito a previdência complementar fechada, e tivemos um boom da previdência complementar fechada nos dois primeiros mandatos do Lula.
Além da questão da alíquota zero, que outros temas são importantes nessa interlocução com governo e Congresso?
A gente tem um projeto em andamento no Congresso para ter um modelo semelhante ao VGBL nos instituídos, nos planos família, nos setoriais, que permitiriam uma harmonização com as entidades abertas. Precisamos ter um produto semelhante ao VGBL, que é um produto super inteligente, diga-se de passagem, e que estimula a acumulação de poupança. Hoje, nos nossos fundos instituídos, se o cidadão já teve a tributação de uma renda eu tenho que orientá-lo para não aportar o recurso com a gente, porque senão vai ter tributação de novo.
Um dos mecanismos usados para aumentar a adesão dos participantes aos planos previdenciários é a adesão automática. A Funpresp-Exe, inclusive, usou esse mecanismo com muito êxito. A Abrapp vai defender sua institucionalização?
Também temos um projeto de lei nesse sentido, da inscrição automática, mas claro que depende de um regramento. O Funpresp, como você disse, já usa isso e eu queria acrescentar que usa isso com muita inteligência. A entidade inclui o participante por 90 dias e se ele não se manifestar em contrário, passa a ser um participante regular da entidade. Isso foi implantado com muito sucesso na entidade.
Mas na Prevcom, o fundo de pensão dos funcionários públicos de São Paulo, a adoção desse mecanismo foi proibida.
Sim, realmente aqui em São Paulo isso foi barrado. Mas é um mecanismo importante, porque você trabalha na questão comportamental. É que nem a doação de órgãos em outros países, todo cidadão é um doador em potencial e desde que ele não se manifeste em contrário os órgãos dele serão doados. A manifestação negativa, nesses casos, é de menos de 10%.
Tem uma outra questão pendente para a Abrapp que é a fiscalização do TCU sobre as EFPCs de patrocínio público. Como você pretende abordar essa questão?
Nós estamos com duas ações no Supremo, uma de Descumprimento de Preceito Fundamental (DPF) discutindo a competência do TCU para fiscalizar entidades de patrocínio público, que está com a (ministra) Rosa Weber, e tem também um mandato de segurança. Entramos com as duas medidas judiciais depois de esgotar toda a parte negocial. Entendemos isso como uma coisa, digamos assim, esquizofrênica, porque você tem dois órgãos da União fiscalizando a mesma coisa e isto traz um custo adicional para União, além de criar duplicidade interpretativa, uma possível divergência interpretativa. Um órgão interpreta de um jeito e outro órgão de outro jeito. Na nossa opinião, quem deve fiscalizar a EFPC é a Previc e ponto final. O TCU deve fiscalizar a patrocinadora, seja federal, estadual ou municipal, isso é outra história.
A Emenda Constitucional 103 abriu a possibilidade das entidades abertas virem a administrar regimes de previdência complementar de entes federativos, mas isso precisaria de uma regulamentação que ainda não existe. Na sua opinião, essa regulamentação deve vir?
Primeiro que você colocou bem, essa possibilidade aberta pela EC 103 ainda não foi regulamentada. Acho que a concorrência nunca deve ser mal vista, sempre deve ser bem recebida, mas eu entendo que quem tem um produto previdenciário mesmo, de pagar benefícios mesmo, são as entidades fechadas de previdência. Esse é o nosso negócio. Nosso negócio não é seguro, nosso negócio é acumulação para pagar benefício. Se você olhar inclusive o custo da administração das entidades fechadas, ele é menor, e a rentabilidade é maior ao longo do tempo. Essa concorrência das abertas será bem-vinda quando vier, quando for regulamentada. Não dá para questionar, é uma emenda constitucional.
Mas poderia ser empurrada com a barriga, ad infinitum.
Se ela demorar um pouco, daqui a pouco realmente todas as prefeituras já vão ter escolhido um fundo de pensão para abrigar o seu regime de previdência complementar.
O governo atual tentou juntar a fiscalização das abertas com as fechadas, mas depois recuou. Como está a convivência da Abrapp com as abertas?
Tem uma convergência muito forte, porque se você olhar o regramento do plano CD, o seguro sobrevivência e o seguro invalidez precisam ser contratados com uma seguradora, que são entidades abertas. Isso nos aproximou. Então, hoje nós temos muitos mais pontos em comum, de um precisar do outro, do que pontos divergentes. Então, nesse sentido, melhorou muito. A previdência privada cresce, seja nas abertas seja nas fechadas, e todo mundo ganha.
Inclusive, nas licitações para administrar planos de entes federativos, tem sempre entidades multipatrocinadas ligadas a seguradoras.
Sim, hoje a gente tem muito mais convergência do que divergência. Acho que isso foi um amadurecimento dos segmentos, de uma maneira geral. Se você olhar na década de 90, elas eram vistas como adversárias, não eram vistas as pontes que uniam. Hoje não são vistas mais como adversários, hoje nós estamos muito próximos.
Com relação à fusão de Previc e Susep, que chegou a se cogitar alguns anos atrás, isso é um tema superado?
Essa era uma proposta do governo, da qual a Abrapp se aproximou bastante. Nós entendemos que a Previc tem uma estrutura de governança fortíssima e boa, que evoluiu muito nos últimos 8 anos. Então, quando a gente conversou sobre isso, nós sabíamos que se houvesse uma integração, num projeto paritário, nós não teríamos grandes perdas em relação a essa política de Estado. Mas claro, se fosse para ser votado nós votaríamos para manter separados.
Como você vê hoje a atuação da Previc?
Nós entendemos que evoluiu muito. A minha avaliação é que estamos remando dentro de um mesmo barco, mas eventualmente podemos ter alguma divergência em relação à atuação dela como órgão supervisor. Mas a minha avaliação é muito positiva, está mais transparente, mais próxima das fundações, tem respondido às demandas. Às vezes acumula um pouco, atrasa um pouco, mas na realidade ela tem respondido às demandas encaminhadas.
Há reclamações de que a Previc estaria fazendo exigências que poderiam configurar superposição de fiscalizações. Qual sua opinião?
Eu acho que não, eu acho que nós melhoramos muito nessa relação. Existe uma linha tênue na questão da fiscalização, porque o fiscal tem que ter liberdade, independência. Às vezes, embora ele seja regrado, um escravo da norma, num momento ou outro podemos ter divergências.
Qual sua opinião em relação à zerar os estoques dos imóveis físicos até 2030?
Entendemos que essa regra tem que ser flexibilizada. A nossa linha vai no seguinte sentido: fechamos o estoque como está, as entidades vão administrando isso e, naturalmente, com o crescimento da entidade, o percentual de comprometimento vai diminuindo, se é que o Estado entende que não deve ter o patrimônio físico imobiliário. Nós temos entidades com portfólio de imóveis muito grande, no momento que você coloca uma regra de venda compulsória você obriga essa entidade a ter que vender, talvez não na melhor oportunidade. Esse segmento é um segmento que nunca foi um mau negócio para as entidades, ele traz rentabilidade e também segurança. A nossa linha sempre foi que deveria manter o estoque e a partir daí não permitir novas aquisições, a não ser através do mercado de capitais, de fundos imobiliários.
Em relação às novas propostas, que propostas o teu mandato na Abrapp vai trazer?
O que vamos trabalhar muito forte é nessa questão de ganho de escala. Nós temos uma empresa na Abrapp, que se chama Conecta, cujo objetivo é ajudar as entidades nesse ganho de escala e com isso proporcionar redução de custo. Serviços que possam ser compartilhados, devem ser compartilhados. Vamos fazer um trabalho em relação a algumas entidades pequenas para ajudá-las a trazerem mais participantes, mas se não conseguirem esse objetivo pelo menos terão o ganho do compartilhamento de serviços que permitirá pelo menos se manterem. Vamos trabalhar também na questão do papel zero, para que as entidades abandonem o uso do papel físico, e estamos fazendo isso inclusive na Abrapp.
Temos visto muitas pequenas entidades irem para fundos multipatrocinados. Essa consolidação é uma tendência?
Sim, o sistema passa por uma consolidação natural, seja por fusão de patrocinadoras ou migração de pequenas fundações para fundos multipatrocinados. O sistema cresceu em número de participantes, mas diminuiu no número de entidades. Se não fossem os planos instituídos não teríamos esse crescimento de participantes. Agora temos os entes federativos, também vamos crescer nos entes federativos, e vamos continuar crescendo nos instituídos, nos planos família.
Qual é a meta de crescimento?
Hoje temos 3500 patrocinadores, mas pretendemos dobrar esse número. A gente vai atuar bastante no macro, que são essas questões regulatórias, temos um trabalho a ser feito com associações, sindicatos. A previdência privada está na ordem social, então vamos trabalhar com várias entidades tipo sindicatos, associações, órgãos de classe, empresas, na busca de crescimento. Queremos engajar todo mundo nas nossas propostas.