Edição 362
O economista Felipe Sichel, que assume em janeiro de 2024 o cargo de economista-chefe da Porto Asset, acha que embora a questão fiscal brasileira seja relevante como pano de fundo constante na economia, não é ela que está ditando hoje a direção da Selic. Para Sichel, a questão determinante atualmente é a posição do Fed, que ao sinalizar cortes das taxas dos juros norte-americanos estimula ativos como moedas, bolsas, economias desenvolvidas e economias emergentes. “Tudo se beneficiou com essa perspectiva de corte dos juros nos Estados Unidos”, diz Sichel. Veja abaixo os principais trechos da entrevista que ele deu à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – A alta da Selic de 0,5 ponto percentual na última reunião do Copom foi adequada?
Felipe Sichel – Nos materiais que temos produzido na Porto Asset desde julho, tanto para consumo interno quanto externo, a gente tem defendido esse cenário de corte de 50 pontos base. Durante vários momentos nesse semestre 50 pontos bases foi considerado muito conservador e, em outros momentos muito agressivo, mas a gente não defendeu nem uma aceleração nem uma redução desse ritmo. A nossa cabeça é muito condicionada por uma situação macroeconômica em que a inflação está desacelerando, evidentemente. A atividade dá alguns sinais mistos, existem indicações de que está desacelerando mas, eventualmente, não está desacelerando tanto quanto se imaginava e persistem riscos na economia.
Que tipo de riscos?
São riscos, principalmente, fiscais no lado doméstico e também advindos do cenário externo. Logo, o encapsulamento do nosso cenário indica que, havendo maior apreciação do Real, seja por uma redução do risco fiscal interno ou por uma redução do risco externo representada por um alívio na política monetária dos Estados Unidos, isso eventualmente poderia levar o Banco Central a alterar o ritmo de cortes da Selic. Mas não é o que estamos vendo por enquanto, continuamos super-confortáveis com a manutenção de cortes de 50 pontos base até uma taxa terminal de 9,25% no ano que vem.
A economia está crescendo, mas o governo tem tido certa dificuldade em aprovar reformas que tragam dinheiro para os cofres públicos. Isso, em algum momento, pode atrapalhar?
O ajuste fiscal que o governo propõe se dá meramente pelo lado das receitas, não é um ajuste que se dá também pelo lado das despesas. E o governo tem encontrado dificuldades no parlamento, como você comentou, para conseguir aumentar a receita. Ainda vai votar a MP das subvenções, mas existe uma chance muito razoável de que no ano que vem o déficit não seja zero, seja substancialmente maior que isso. Então, esse ano a gente está saindo de um déficit grande, apesar da economia estar crescendo, e no ano que vem a gente também vai encarar um déficit razoavelmente grande, apesar do crescimento econômico. Ou seja, coloca a foto do fiscal de forma muito complexa.
Mas o mercado não parece estar olhando muito essa complexidade, porque bolsa e câmbio estão indo bem. É uma contradição?
Existem momentos em que o fiscal aparece mais na equação, momentos em que aparece menos, mas ele é o pano de fundo. O que está determinando essa falta de pressão do mercado sobre a questão fiscal no momento? Na nossa visão é, basicamente, o cenário externo. A gente embarcou no último mês, último mês e meio, num ambiente externo tão benigno, tão pró-risco, reforçado pela última reunião do Fed, que simplesmente acabou superando essas preocupações fiscais. Mas se o cenário externo voltar a apresentar sinais de cautela a questão fiscal volta automaticamente a tomar relevância, como um fator determinante de risco.
Você quer dizer que hoje não é a questão fiscal que determina a Selic…
Exatamente, a questão fiscal é relevante, ela é o pano de fundo constante na economia brasileira, mas o que está ditando atualmente a direção da Selic é o Fed.
Ontem (14/12), por exemplo, o Ibovespa subiu mais de 1%, superando 130 mil pontos, e o dólar ainda caiu um pouco. O mercado vive uma festa?
A mensagem do Fed na última reunião foi de um banco central que, para todos os efeitos, está pronto para cortar os juros, não está enxergando mais muito risco de pressão inflacionária. Então, se a inflação é descendente o patamar de juros que o Fed mantém é excessivo.
Então, isso justificaria cortes nos juros norte-americanos?
Sim. Como o juro nominal equivale a inflação mais o juro real, se o juro nominal de curto prazo está em 5,25% com 5,5% e ficar parado, enquanto a inflação está caindo, na prática o juro real está subindo. Ou seja, o Fed estaria asfixiando a economia. Então, isso solidifica no mercado a ideia de que estamos caminhando para cortes de juros no ano que vem. Essa é uma mensagem muito diferente do que a gente vinha tendo há menos de três meses.
Mas, ao mesmo tempo, o mercado de trabalho continua aquecido…
Exatamente. Há três meses atrás o Fed ainda enxergava riscos de inflação relacionados ao mercado de trabalho, relacionados à atividade econômica. A mensagem que veio na quarta-feira é: o mercado de trabalho está aquecido mas eu não estou vendo pressão inflacionária vindo daí. Logo, tudo mais constante, eu tenho espaço para cortar. E se eu tenho espaço para cortar agora, não tem sentido eu esperar até junho, eu posso cortar em março. E se eu tenho espaço para cortar agora não tem sentido eu esperar até março, eu posso cortar na próxima reunião, já em janeiro. A especulação do mercado, desde a conferência de imprensa do Jerome Powell, na quarta-feira (13/12), é de antecipação do ciclo de corte.
Essa expectativa gerou esse efeito positivo para os ativos de risco?
Exatamente. A gente estava trabalhando, um mês e meio atrás, com uma taxa de juros de 2 anos nos Estados Unidos próxima de 5%, uma taxa de 10 anos próxima de 5%. Ou seja, a área embaixo da curva de juros era muito gorda. Na hora que o juro de 2 anos despenca do jeito que despencou, pois os juros de 10 anos saíram de 5% há um mês para 4% ontem, isso é dinheiro que sai dos juros e vai em direção à economia. E aí você tem o efeito desse rally, amplo e inequívoco, que a gente tem observado. Ativos de todas as classes, moedas, bolsas, economias desenvolvidas, economias emergentes, tudo se beneficiou. Você estava drenando muito recurso da economia real por conta do juro muito elevado.
Esse rally continua em 2024?
Tem que ver se o Fed vai reagir a essa precificação que foi imposta pelo mercado, ou que foi interpretada na verdade, na sequência da reunião da quarta-feira. Mas a última comunicação oficial do Fed, que a gente teve, vai nesse sentido. Embora hoje um diretor relevante do Fed se mostrou incomodado com esse excesso do mercado. Antes que eu começasse essa conversa com vc, um pouco antes, o diretor do Fed em Nova York, John Williams, deu uma entrevista com algumas indicações que vão no sentido de tentar frear um pouco os ânimos do mercado.
No Brasil, a inflação está de fato sob controle?
Vamos colocar da seguinte forma: a gente está observando um amplo processo de desinflação. Isso é evidente em todas as últimas leituras. Quando a gente olha para os índices de difusão, para alguns dos núcleos acompanhados pelo Banco Central, a gente fica muito confortável com o processo de desinflação. Olhando para as commodities, seja em dólar ou em Real, a gente não vê risco advindo daí. Olhando para índices de preços ao produtor de grandes economias globais, com muita correlação com a inflação de bens daqui, a gente também não vê grandes riscos. Ou seja, como a meta do BC é em cima de inflação cheia, na medida em que uma parte relevante de inflação está super bem controlada, ainda que a inflação de serviços esteja um pouco alta, na média você está numa posição confortável. Além disso, a expectativa de queda da desaceleração econômica, ainda que mais gradual do que antecipada, vai atenuar a inflação de serviços. Então onde é que está o risco? No mercado de trabalho.
Acha que o mercado de trabalho está aquecido?
Apesar de ter enfraquecido um pouco, na margem ele segue bastante resiliente e, consequentemente, também a renda está forte. Ou seja, com um consumo sustentado possivelmente você tem uma inflação também sustentada. Essa é uma preocupação imediata para o Banco Central, mas a gente vê mais como um risco, algo que o BC está monitorando.
Pode comprometer os cortes da Selic?
Acho que, dada a foto agregada da inflação, o BC fica muito confortável em continuar no ritmo de corte, até porque, para todos os efeitos, se ele seguir a trajetória que a gente acredita que ele vai seguir, ele não vai chegar a ficar estimulativo na taxa Selic. Ele corta mais ou menos em direção à taxa neutra.
Em 2024 a gente vai conseguir atingir o centro da meta do BC?
Vamos ficar muito próximo disso. Existem alguns riscos que podem efetivamente levar em direção ao centro da meta, mas estamos bem confortáveis em dizer que ficaremos dentro do intervalo de tolerância superior. Mas existem alguns riscos que podem conduzir em direção ao centro da meta, sim.
Na sua opinião, a meta de inflação do BC deve ser alterada?
Não, acho que a mensagem do CMN de julho foi muito clara, a gente segue com a meta traçada. É um ganho para o Brasil o fato de isso não ser um tópico de discussão, porque ajuda a dar clareza, ajuda a ancorar as expectativas. Então, acredito que seguimos com a meta de inflação de 3%.
A Selic fecha em 2024 em que patamar?
Em 9,25% na reunião de julho, se eu não estiver enganado, e fica nesse patamar até o final do ano.
Quanto vocês estão projetando o PIB?
A gente está trabalhando com 3,1% para este ano. Depois das surpresas do primeiro e do segundo semestre vai ficando mais difícil você alterar esse número, porque uma parte grande da informação já é conhecida. E para o ano que vem a gente está projetando um crescimento da ordem de 1,5%, ou seja, o PIB ainda está crescendo.
Você falou da perspectiva de queda dos juros nos Estados Unidos, mas como ficam os juros na Europa?
A Europa ainda não reduziu a taxa de juros e o Banco Central Europeu está mantendo uma posição um pouco mais cautelosa do que o Fed. Mas na hora em que o Fed corta os juros, acaba exercendo pressão sobre todas as economias globais. É razoável supor que o Banco Central Europeu, em algum momento do primeiro semestre do ano que vem, em se confirmando o corte juros do Fed, também caminhe nessa direção.