Edição 273
Com um déficit de R$ 6,2 bilhões e dificuldades de rentabilizar as carteiras de renda variável e de ativos de crédito privado, dificilmente a Petros vai olhar para novas aplicações que não sejam os títulos públicos do Tesouro. Em entrevista exclusiva, o presidente da segunda maior fundação do país, com R$ 68 bilhões de patrimônio (atrás apenas da Previ), Henrique Jager, aborda os principais desafios que a Petros está enfrentando diante de uma cenário político e econômico muito complicado.
Indicado por Aldemir Bendine, o novo dirigente da Petros assumiu há menos de seis meses e está buscando mudanças dentro e fora do fundo de pensão. Em um conflito com o controlador da DASA, a Cromossomo, o presidente da Petros entrou com um questionamento na Comissão de Valores Mobiliários. Também representante da Petros no conselho da companhia, Jager questiona a decisão de fechamento do capital da empresa. E ainda critica a posição da BM&FBovespa que não se posicionou diante da saída da companhia do Novo Mercado.
Nesta entrevista, o dirigente aborda ainda o processo de recuperação da carteira de cŕedito privado em default da Petros, avaliada em cerca de R$ 1 bilhão. Além disso, prepara a defesa da fundação nas CPIs dos fundos de pensão do Congresso. Confira na íntegra a seguir:
Investidor Institucional – O que a Petros está fazendo para melhorar o retorno de seus investimentos?
Henrique Jager – Estamos buscando rentabilizar os investimentos por meio do aumento da alocação em títulos públicos, com a marcação desses ativos na curva. A gente decidiu deixar de lado a marcação a mercado dos novos títulos, que agora são marcados na curva. Estamos tentando nos apropriar do ganho extraordinário por conta do aumento da taxa de juros. Por conta dessa conjuntura da economia, por mais que a política seja conservadora, temos retorno maior.
II – Por isso a política de investimentos prevê a redução da renda variável?
HJ – Sim, queremos reduzir a renda variável. Temos uma carteira day trade que estamos diminuindo de tamanho, porém ainda não saímos de nenhuma posição nas participações diretas em empresas. Apareceram rumores na imprensa que a gente estava se desfazendo de participações estratégicas em algumas empresas, o que provocou até queda nas ações de algumas companhias. Isso não é verdade, estamos avaliando, mas não há decisão nenhuma. Queremos migrar e aproveitar as oportunidades, mas sem nenhum movimento brusco.
II – Mas há propostas em análise? Com o dólar apreciado, se os estrangeiros fizerem boas propostas, a Petros pode sair de alguma empresa?
HJ – Podemos fazer qualquer negócio, mas desde que seja interessante para rentabilizar nossa carteira. Estamos abertos a isso. No caso dos investimentos em participações temos uma orientação da diretoria, mas a decisão é do conselho deliberativo.
II – E no caso da DASA, a Petros terá que sair por conta do processo de fechamento do capital?
HJ – Eu espero que a gente fique. É um bom ativo que está passando por um momento delicado, assim como a economia como um todo. Eu sou do conselho da DASA, então venho monitorando a companhia com lupa. O problema é que existe uma oferta agressiva do controlador, a Cromosssomo, que tem 74% das ações do capital da companhia que aprovou a retirada da companhia do mercado e por conta disso, está fazendo uma OPA [Oferta Pública de Ações].
II – Qual é o problema gerado pela oferta pública?
HJ – O problema é que pela 3792 [Resolução CMN], só podemos investir em companhias listadas em algum segmento diferenciado da Bolsa. O que foi aprovado pela assembleia da DASA, que está sub judice, pois entramos com um questionamento junto à CVM, é que a companhia fique listada em um segmento mais básico. Caso contrário, não poderemos ficar na companhia. Entramos também em contato coma Previc e perguntamos quando teríamos que sair. Por ser um desenquadramento passivo, temos 72 meses pra sair se esse processo se concretizar.
II – Qual foi o questionamento enviado à CVM? Houve resposta?
HJ – Há cerca de um mês e meio enviamos um questionamento e há duas semanas a CVM respondeu que está sob análise. Alegamos que foi uma decisão em benefício particular do controlador. O conselho de administração da DASA foi unânime em afirmar que essa operação é nociva para a companhia. É ruim para a liquidez. Se há o benefício particular, o controlador não poderia votar na assembleia. Uma coisa que me marcou nesse processo foi a posição da Bolsa, que foi muito passiva nesse processo.
II – Qual foi a posição da BM&FBovespa?
HJ – Quando a questão veio à tona, a Bolsa disse que não poderia fazer nada. E deixou na mão da empresa. É por isso que o mercado está se esvaindo. No caso dos fundos de pensão, que são minoritários, entramos na companhia, porque elas estão listadas no Novo Mercado. Isso porque ela deve ter mecanismos de governança sofisticados, compatíveis com os mecanismos adotados internacionalmente. Mas se unilateralmente o controlador decide sair, eu fico muito exposto nesse processo.
II – O que a Bolsa deveria fazer?
HJ – No mínimo, deveria abrir essa discussão. A decisão do controlador foi questionada até pela CVM, que perguntou porque ele estava fazendo isso. O controlador disse que o Novo Mercado não serve pra nada e só encarece os custos da DASA.
II – Esse caso reforça a decisão de reduzir a renda variável na Petros?
HJ – Sim, isso é um debate que tenho feito aqui na diretoria. De fato não descarto entrar em participações em novas companhias, mas não tenha dúvida que faremos com muito mais parcimônia. Se estou sujeito a esse tipo de comportamento tenho que ter muito mais cuidado.
II – Ainda na política de investimentos, por que decidiram encerrar os fundos no exterior?
HJ – Tínhamos participação muito pequena em fundos no exterior, da ordem de 200 milhões [de reais]. Avaliamos que era um risco muito alto, por conta do risco cambial, e deicidimos realizar o lucro. Ganhamos bastante com a saída. Mas teve uma decisão política do conselho de não investir mais nisso.
II – Por que foi uma decisão política?
HJ – É uma decisão política porque decidimos rentabilizar o patrimônio dos participantes com investimentos apenas no Brasil. Achamos interessante investirmos em ativos que têm percentual interessante da receita vinda do exterior, como é o caso da Vale, mas vamos evitar os investimentos diretos no exterior.
II – E porque decidiram não investir mais em fundos de participações?
HJ – Não pretendemos ampliar investimentos em FIPs. Qualquer novo FIP tem que ser aprovado pelo conselho deliberativo e neste momento estamos avessos a esse tipo de investimento. Adotamos um direcionamento que é claro, de reduzir a renda variável e aumentar a participação em renda fixa.
II – Como avalia os problemas da carteira de ativos de crédito privado da Petros?
HJ – A decisão de ampliar a carteira de crédito foi tomada em meados de 2000 por conta da perspectiva de redução da taxa de juros. O cenário que se consolidava naquele momento é que se você aplicasse os recursos apenas em títulos públicos, em algum momento não conseguiria mais bater a meta atuarial. Então, a decisão foi diversificar para o crédito privado. E teve todo um processo de aprendizado, aplicamos aproximadamente R$ 9 bilhões nessa carteira. Analisando valores históricos e corrigindo pela meta atuarial, o que a gente recebeu supera esses R$ 9 bilhões. Mas uma parcela dos ativos entrou em default.
II – O que estão fazendo para recuperar esses ativos?
HJ – Quando entramos aqui, a gestão anterior estava fechando um processo de seleção com um gestor [Brasil Plural] para atuar na recuperação dessa carteira com ativos em default. Avaliamos que uma parte desses títulos teria conflito de interesses, pois de alguma maneira, o gestor tinha relação com a outra ponta. Decidimos então tirar essa parte. Em outra parte, identificamos que as garantias eram muito claras, e a gente poderia resgatar com o nosso jurídico esses recursos tranquilamente. Não precisaríamos colocar isso na mão de terceiros. Então, não tinha sentido manter o contrato anterior. Abrimos novamente o processo e a ideia é selecionar dois ou três gestores.
II – Qual o tamanho da carteira de ativos em default? Como ficaria a divisão da carteira?
HJ – A gente tem aproximadamente 1 bilhão [de reais], já colocando créditos que estão em atraso. Ou seja, estamos provisionando como se todos os créditos em atraso fossem entrar em default. A gente pretende dividir a carteira por três. Nós ficaremos com algo entre 300 e 400 milhões e o resto com os gestores externos. Ou seja, mais ou menos um terço fica com a Petros. Estamos também realizando um processo de seleção de seis grandes escritórios de advocacia para trabalhar na carteira em default. Antes tínhamos mais de 20 escritórios. Temos alguns pequenos, mas entendemos que precisamos concentrar a atuação dos escritórios.
II – O que estão fazendo para evitar problemas com futuros investimentos em ativos de crédito?
HJ – Uma decisão importante que tomamos é que só vamos contratar novas operações caso tenham rating de alguma agência internacional. É mais caro, mas o fato é que não temos créditos em atraso avaliados por agências internacionais.
II – E a criação de uma gerência de risco anunciada pela Petros recentemente, tem a ver com a redução de investimentos que resultem em perdas?
HJ – Sim, vimos que primeiro precisávamos segmentar. A pessoa que analisa a performance do crédito não pode analisar o risco. E também a pessoa que analisava a carteira também analisava o investimento. Agora quero olhar para o papel do investimento na minha carteira, se está mitigando o risco ou se está aumentando o risco. Se está aumentando a rentabilidade ou reduzindo. Para isso precisávamos de mecanismos mais sofisticados de análise de risco e gestão ajustada ao risco.
II – Como avalia a criação de CPIs no Congresso para investigar os fundos de pensão?
HJ – Olhando para o sistema como um todo, é um sistema que tem patrimônio em torno de R$ 700 bilhões. E a Petros está na lista das CPIs porque tem um déficit atuarial de R$ 6 bilhões. Somando o déficit de todas as fundações, dá um pouco mais de R$ 30 bilhões. É importante fazer essa separação. O meu receio é que o tratamento que se dá inclusive para as fundações que tem déficit é que como se esse déficit fosse um prejuízo causado por má gestão. E como se o sistema como um todo fosse um sistema problemático. O sistema não é problemático, nem a Petros.
II – Como pretendem atuar nas CPIs para defender a Petros?
HJ – Primeiro, vamos ser o mais transparente possível. Todas as informações e esclarecimentos solicitados serão fornecidos. Existe uma politização muito grande em torno da fundação por conta de disputas políticas e acabam saindo reportagens na imprensa as mais estapafurdias possíveis. Se a Petros errou em algum investimento, vamos olhar pra isso.
II – Tem algum caso de erro nas gestões anteriores?
HJ – Por exemplo, o caso da Lupatech. A gente comprou por 100, a ação bateu 140, agora está valendo muito pouco. Em algum momento a administração falhou e deixou de manter o controle da empresa. Não dá pra dizer que coloquei dinheiro ali e joguei dinheiro fora. Ela performou bem em algum momento. A gente compra muito fácil e se desfaz com muita lentidão. A Lupatech é uma lição. Se tivesse vendido quando tava 140 teríamos ganhos de 40% sobre o investimento.
II – Que tipo de politização ocorre em torno da Petros?
HJ – O que estou falando é menos da direção e mais dos órgãos. O conselho fiscal da Petros orientou recomendação contra as contas da Petros. De 2004 em diante em nenhum momento a consultoria indicou reprovação da contas, e mesmo assim o conselho fiscal vem desaprovando as contas. Esse ano está ocorrendo de novo. Paralelo a isso, em outras áreas, interesses batem. O conselho deliberativo terá eleições. Alguns candidatos ou representantes de grupos acabam politizando os debates e dizendo que têm roubo, mas não apresentam nada.
II – Quais os principais motivos para o déficit de R$ 6,2 bilhões registrado em 2014?
HJ – Já tínhamos um déficit de 2,4 bilhões em 2013. Foram dois principais motivos para aumento do valor. Um dos motivos foi a reavaliação do ativo de Vale, através de um veículo chamado carteira ativa III, que teve redução de 30%. Foi um impacto de R$ 1,1 bilhão. O outro foi a criação de um fundo previdenciário da ordem de R$ 3 bilhões pra fazer frente a um passivo muito grande na Justiça. Temos 15 a 20 mil ações de cunho trabalhista, referente à mudança de nível de remuneração entre 2004 e 2006.
II – Houve um acordo com os aposentados? Qual a vantagem do acordo?
HJ – Vimos no conselho deliberativo da Petros entendemos que era interessante fazer um acordo, com redução do gasto da Petros. O gasto com advogados e do próprio gasto com o aposentado, porque propusemos o pagamento de 90% do direito.
II – Mas se não fossem esses dois fatores negativos, a Petros teria conseguido bater a meta atuarial em 2014?
HJ – Não, não conseguimos bater meta no ano passado. Olhando apenas para o retorno, ficamos abaixo da meta, aliás como a maior parte dos fundos de pensão.
II – A regulamentação sobre equacionamento de déficit deveria mudar?
HJ – A indústria é de longo prazo. É preciso olhar pra solvência. Se posso fazer pagamentos por mais 30 ou 40 anos não se pode dizer que eu tenho um desequilíbrio. Não sei se esse é o momento mais adequado, mas gostaria de fazer esse debate.Acho que o debate da solvência deve se dar junto com a questão do déficit.