Edição 138
Walter Brasil Mundell, da Sul América Investimento
O vice-presidente da Sul América Investimentos, Walter Brasil Mundell, está bastante pessimista com relação à economia brasileira. Ele acha que as reformas previdenciária e tributária foram tímidas, acha que o Brasil terá um crescimento medíocre nos próximos anos por conta da falta de capital para investimento, seja interno seja externo, e finalmente acredita que as bolsas de valores estão próximas do seu limite de alta. “Acho que se a bolsa subir mais do que 10%, 15% daqui para o final do ano, na minha opinião vai estar cara, será um excesso de otimismo com relação a economia brasileira e isso, em algum momento, costuma acabar mal”, diz Mundell. Leia, abaixo, os principais trechos da sua entrevista à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – Qual é a tua avaliação do cenário político?
Walter Brasil Mundell – Esta é uma pergunta muito difícil. Mas eu acho que começa a ser questionada a maneira como o governo tem conduzido as negociações no Congresso, a questão das nomeações para os cargos públicos… Apesar disso, o Presidente ainda tem muita credibilidade, o povo gosta da figura humana do Lula, e isso ajuda muito porque mantém o Congresso interessado em não confrontar a autoridade do Presidente da República.
II – O governo está conseguindo imprimir seu ritmo na agenda política?
WBM – O governo tem funcionado como uma espécie de rolo compressor, conseguiu aprovar a reforma da Previdência, que o governo Fernando Henrique não conseguiu, aprovou o início da reforma tributária. Isso mostra que o governo tem capacidade de aprovar temas de seu interesse, mas o problema é que a qualidade das coisas que estão sendo aprovadas é muito ruim! A reforma da Previdência, na minha opinião, ficou muito abaixo do que se poderia fazer.
II – Que tipo de ressalva você faz à reforma da Previdência?
WBM – A minha principal ressalva é que não se usou essa oportunidade histórica para criar poupança de longo prazo e fortalecer o mercado de capitais. A reforma, que foi pequena, tímida, restringida em grande parte ao setor público, não cria instrumentos de captação e capitalização de poupança de longo prazo e de desenvolvimento do mercado de capitais. Ela não implanta contas individuais no sistema previdenciário, não institui regimes de capitalização… Quer dizer, nós fizemos um remendo e não uma reforma.
II – Os fundos de pensão dos funcionários públicos serão em regime de capitalização.
WBM – Mas quem vai administrar isso? Não está claro, nós não definimos nada! Eu não concordo que seja administrado pelo setor público, porque acho que isso não é assunto do setor público. Acho que a poupança deve ser administrada por critérios estritamente técnicos e os critérios públicos nunca são critérios estritamente técnicos.
II – Qual o seu temor? Você teme que esses fundos sejam usados politicamente?
WBM – As posições de comando vão ser ocupadas por pessoas indicadas pelo governo e, conseqüentemente, sempre haverá o risco de que essa poupança venha a ser usada sem respeitar os critérios estritamente técnicos que devem nortear a administração da poupança previdenciária. Por exemplo, esse governo já falou em usar recursos de fundos de pensão para fazer investimentos de longo prazo, sem explicar direito o que seria isso…
II – Mas esse risco existe no mundo inteiro.
WBM – Sim, é verdade! Existe nos Estados Unidos e lá dá problema, existe no Japão e lá os problemas são imensos, existe na Alemanha e os problemas deles também são muito grandes. Mas nós, que fizemos uma reforma da Previdência, perdemos a chance de eliminar esse risco, de privatizar a gestão desses fundos, de fazer com que eles sejam, de fato, uma poupança de longo prazo.
II – Uma poupança capaz de vitaminar o mercado de capitais!
WBM – Exatamente. A questão do mercado de capitais é a mais trágica de todas, é a que mais preocupa. A tendência desses fundos públicos vai ser comprar títulos públicos, vai ser atender os interesses imediatos do governo que estiver de plantão, quando o que nós precisamos no Brasil é desenvolver mecanismos de funding de longo prazo para as empresas aqui instaladas, através da emissão de debêntures, notas etc.
II – Então, a reforma da previdência falhou?
WBM – Ela deveria ter criado contas separadas, criado fundos de pensão abertos e não fechados para os funcionários públicos. Deveria ser muito mais profunda, muito mais radical, como fez o Chile, por exemplo. Hoje o Chile é um país que exporta poupança e em grande parte isso se deve à reforma que ele fez no seu sistema de previdência.
II – E a reforma tributária, também foi tímida na sua opinião?
WBM – Essa reforma tributária, de certa maneira, é apenas um outro episódio da imensa colcha de retalhos que a gente vem construindo nos últimos anos no Brasil. Parece muito claro que a carga tributária sobre o setor privado vai subir, pois estamos introduzindo uma série de impostos com alíquotas mais altas, imposto sobre heranças etc. Nós continuamos tributando loucamente as exportações e agora vamos tributar também as importações. Na realidade, nós vamos continuar tendo impostos em cascata, o ICMS vai continuar sendo um imposto altíssimo, a CPMF foi prorrogada por mais 4 anos e eu não tenho dúvidas de que a alíquota que vamos ter será a máxima. Então, eu não vejo absolutamente nada de bom nessa reforma tributária. Ela só vai aumentar a carga tributária, não vai incentivar a produção, não vai incentivar a contratação de pessoas, não vai incentivar aumento de investimentos no Brasil.
II – O governo teria forças para aprovar algo diferente?
WBM – Um presidente novo tem, geralmente, só o primeiro ano do mandato de 4 anos para propor as grandes mudanças. É quando o presidente, que acabou de ser eleito, está no auge de sua força política. O Lula, daqui para a frente pode até manter a popularidade, mas ele deixa de ser uma novidade e começa a perder o que a sociedade dá a todo presidente novo, que é a capacidade de propor coisas um pouco mais difíceis, mais radicais… O Lula está queimando o primeiro ano dele com uma reforma da previdência tímida e uma reforma tributária inconseqüente.
II – Como você avalia a condução da política econômica?
WBM – No que se refere à gestão macroeconômica, o Palocci está muito bem e tem feito tudo o que precisa ser feito. Ele aumentou o superávit fiscal, conseguiu que o Banco Central apertasse a política monetária, e agora que o risco Brasil está caindo ele está conseguindo que o BC baixe a taxa de juros para que a economia cresça um pouco mais. Porém, será um crescimento medíocre o que teremos em 2004, 2005, 2006.
II – Porquê você acha isso?
WBM – Porque para crescer nós precisaríamos aumentar a taxa de investimentos da nossa economia como proporção do PIB, e para isso nós teríamos que ter poupança interna ou externa. Como nós não temos poupança interna e o governo é contrário às privatizações, que traria poupança externa, eu não vejo saída! Simplesmente nós não vamos aumentar a taxa de investimentos e o crescimento será medíocre.
II – Qual sua opinião sobre o programa de parceria público-privado (PPP)?
WBM – Eu não posso falar sobre isso porque ninguém conhece o projeto, mas se eu tivesse que arriscar um palpite eu diria que não deve incentivar os capitalistas a investirem dinheiro na economia brasileira. Acho muito complicado ficar sócio do governo, porque o governo já é sócio de todos nós com uma carga tributária absurda e além disso eu acho que a melhor forma de administrar um país é através da livre-concorrência, do livre mercado.
II – Na sua opinbião, os juros estão caindo numa velocidade desejável, ou deveria ser mais rápido?
WBM – Não acho que a velocidade devia ser mais rápida não. No final do ano, a Selic deve estar em torno de 18% a 17,5%, mais baixa do que isso não vai estar.
II – E o câmbio?
WBM – É totalmente impossível prever o comportamento do câmbio, porque depende de fatores que são totalmente incontroláveis. Um conflito com a Coréia, a situação do Iraque, um ataque do terrorismo, qualquer evento desses pode levar o capital a se concentrar de novo no porto seguro do título de 10 anos dos EUA. Mas, mantidas as atuais condições, eu vejo o câmbio subindo mais ou menos junto com a inflação nos próximos 2 anos. Agora, tudo vai depender do ritmo de queda de taxa de juros.
II – A atual alta das bolsas surpreendeu? Ela é sustentável?
WBM – Ela era plenamente previsível. Com aquele superávit fiscal e com a política monetária correta, o risco Brasil cairia, está agora na faixa dos 600 a 700 pontos, e a bolsa subiria. Mas daqui para a frente é muito mais difícil, é muito mais fácil fazer o risco Brasil cair 300 pontos quando ele está em 1.500 pontos do que cair 100 pontos quando ele atinge 600 pontos. Então, eu acho que a alta da bolsa está terminando, por incrível que possa parecer.
II – Você é dos poucos a achar isso.
WBM – Eu sei! Se alguém acreditar que o Brasil vai estar a 300 pontos em janeiro é para ir para a bolsa correndo, mas eu não acredito. Acho que se a bolsa subir mais do que 10%, 15% daqui para o final do ano, na minha opinião vai estar cara, será um excesso de otimismo com relação a economia brasileira e isso, em algum momento, costuma acabar mal. Eu acho que, principalmente, a percepção do investidor estrangeiro sobre o Brasil está muito distorcida, acho que eles estão achando que nós estamos melhor do que efetivamente estamos.
II – O governo acha que a pressão inflacionária está mais ou menos superada. Você concorda com isso?
WBM – Sim, totalmente. Se não vier nenhum fato novo, como por exemplo um problema sério na Arábia Saudita que deponha a família real do poder e faça o preço do petróleo ir para o espaço, não existe pressão inflacionária.
II – Os espantosos superávits que o governo está conseguindo, eles são mesmo necessários?
WBM – Desesperadoramente necessários! A dívida pública brasileira, em relação ao PIB, ainda é muito alta e muito concentrada no curto prazo. Esse é um dos principais motivos do risco Brasil ser tão alto, o dobro do que é o México, Chile, Rússia. Eu preferiria que o superávit fiscal fosse 7% do PIB e não 4,25%.
II – O Brasil deve renovar o acordo com o FMI?
WBM – Várias pessoas já falaram que o Brasil não precisa de um acordo. Mas eu, realmente, não entendo o que estas pessoas estão falando. A situação de financiamento do balanço de pagamentos no ano que vem, quase que com certeza, será mais difícil do que a desse ano. E nós estamos com apenas 13 a 14 bilhões de dólares de reservas, suficientes para 3 meses de importação, no máximo. Na minha opinião, o Brasil precisa desesperadamente de um acordo com o Fundo. Eu preferiria até que o Brasil fizesse um acordo permanente, que o FMI se estabelecesse em Brasília, e aí eu ficaria muito mais seguro.
II – Mas as restrições do FMI ao investimento das estatais não restringe o crescimento econômico?
WBM – Isso é totalmente correto, já que é impossível carimbar o dinheiro! Como é que você vai chegar e dizer que reduziu o superávit fiscal porque está investindo num projeto? O tesouro é um só, você não consegue carimbar dinheiro. Para permitir que as estatais invistam, você terá que reduzir o superávit fiscal! E não dá para argumentar que a taxa de retorno desse investimento será maior, pois quem garante isso? Quem garante que uma prefeitura sabe investir capital para ter uma taxa de retorno adequada? Ou que uma empresa estatal saiba? Ninguém garante isso!
II – O investimento estatal é ineficiente?
WBM – Acho que o investimento não tem que vir do Estado. Nós estamos voltando a acreditar que o investimento deve vir do Estado, como era na década de 70. A gente sabe que isso termina numa dívida pública maior ainda, em favorecimento, em subsídio, em reserva de mercado. Quem tem que investir é o setor privado e não o governo!
II – Qual sua percepção sobre o crescimento dos países ricos? Os países ricos, em especial os Estados Unidos, voltam a crescer?
WBM – Voltam. Eu não tenho dúvidas que está começando um processo de reversão cíclica na economia mundial. Esse processo não vai ser um processo brilhante, porque a produtividade hoje nas nações centrais é tão elevada que, mesmo crescendo muito, esses países não vão conseguir reduzir expressivamente a taxa de desemprego. Além disso, principalmente na economia norte-americana, a taxa de poupança é muito baixa e o endividamento público provavelmente está atingindo o seu ponto limite. Então, vai haver uma recuperação, mas ela vai ser um pouco abrandada pelas altas das taxas de juros de longo prazo dos títulos norte-americanos. Não vai ser nada semelhante ao que foi o fim da recessão de 1991. Isso, sem dúvida, além de ajudar o Japão e a Europa, também trará alguma melhoria para os países emergentes, porque os preços das matérias primas voltam a subir, os investimentos diretos dos estrangeiros nos países emergentes aumentam.
II – Quer dizer, a situação mundial é favorável ao Brasil?
WBM – A minha visão de curto prazo é otimista, porque a política macro-econômica de curto prazo do Brasil está sendo correta e também porque o mundo vai estar mais favorável aos países emergentes como o Brasil. Está ocorrendo um processo de inversão cíclica na economia mundial e esse processo certamente vai beneficiar o Brasil, mas o Brasil continuará a ser um gigante que cresce pouco.