Exportar é fundamental para o crescimento | Aumentar as exportaçõ...

Edição 78

Armando Castelar Pinheiro, do BNDES

Para o chefe da área econômica do BNDES, Armando Castelar Pinheiro, o ciclo de crescimento do Brasil já começou e daqui para a frente a discussão é de que velocidade estamos falando. O Brasil pode crescer mais rápido ou mais lentamente, mas vai crescer, acredita Pinheiro. Afinal, segundo ele, “fizemos a lição de casa e os fundamentos da nossa economia estão muito melhores do que estavam antes”. Ele fala ainda nessa entrevista à Investidor Institucional sobre a necessidade dos fundos de pensão alocarem de forma diferenciada seus ativos, em novos projetos, de olho na queda das taxas de juros. Veja, a seguir, os principais momentos de sua entrevista:

Investidor InstitucionalO Brasil está preparado para crescer?
Armando Castelar Pinheiro – Nós estamos preparados para crescer, agora a questão é a que taxas e por quanto tempo. Após a redução da inflação, que acho que era o principal problema que o Brasil tinha até 94, nosso principal problema passou a ser a questão fiscal. No ano passado tivemos uma mudança muito grande no regime fiscal do país, o que permitiu que se reduzisse os juros, que estão bem mais baixos que no período de 94 até 98.

IIMas os juros ainda estão muito altos …
ACP – Sim, mas estão caindo. E estamos melhor em relação à situação em que estávamos antes. Acho que a grande melhora que tivemos, que permitiu a queda dos juros, veio do ajuste fiscal. Além disso, uma série de reformas estruturais feitas ao longo desses anos teve um impacto importante sobre a produtividade e os investimentos, entre elas as privatizações, a abertura da economia, a desregulamentação. Tudo isso tem trazido um crescimento muito grande da produtividade e um aumento dos investimentos em conseqüência das privatizações nas áreas de infra-estrutura, telecomunicações, gás, petróleo.

IIMas isso garante o crescimento?
ACP – Isso em si já permitiria uma taxa de crescimento razoável. O IBGE está divulgando hoje (11/05/2000) o PIB trimestral, que cresceu 3%, e está revendo o crescimento do ano passado, que deve ficar entre 0,82% e 1,11%. Então, basicamente em função do aumento das exportações, o PIB já está crescendo. As vendas externas estão crescendo cerca de 20% em relação ao ano anterior, principalmente manufaturados, tanto que o crescimento do PIB deste trimestre foi puxado pela indústria.

II É a volta do lema ‘exportar é o que importa’?
ACP – Em parte. Neste ano o crescimento vai ser puxado por três coisas: aumento das exportações, aumento dos investimentos após dois anos de queda, e aumento de crédito induzindo o consumo. E no médio prazo você precisa continuar aumentando as exportações por duas razões: para evitar que o crescimento acabe provocando problemas de crise externa, de déficit muito elevado, e também porque as exportações ajudam a reduzir o risco Brasil, permitindo que as taxas de juros continuem em queda.

IIComo assim?
ACP – O risco Brasil também está associado à nossa vulnerabilidade externa, que pode ser medida por indicadores como a dívida externa sobre o valor das exportações, o serviço da dívida sobre as exportações. Então, quando essa relação é boa o risco Brasil cai e os juros podem continuar caindo também. As exportações tornam nosso crescimento mais sustentável a médio prazo.

IIComo estão o pedidos de financiamento ao BNDES?
ACP – Nós temos quatro indicadores principais: consultas, enquadramentos, aprovações e desembolso. Consulta é essencialmente pedido de financiamento; enquadramento é a avaliação feita para ver se o pedido é passível de apoio, se está dentro dos objetivos do banco; depois de enquadrado você tem que ver se o projeto é bom, e se for você aprova; quando ele é aprovado três coisas acontecem: primeiro, ele pode nem ser assinado, ser assinado mas não resultar em desembolso ou ser assinado e ter um cronograma de desembolso. Dito isso, vamos aos números: na comparação de janeiro a abril/99 com janeiro a abril de 2000, as consultas cresceram 2% chegando a R$ 11.924 milhões; os enquadramentos cresceram 51% chegando a R$ 12.939 milhões, as aprovações caíram 9% chegando a R$ 4.219 milhões; e os desembolsos caíram 13% chegando a R$ 4.401 milhões.

IIOs desembolsos efetivos caíram bastante …
ACP – Na realidade, nem tanto. Nesses desembolsos estão incluídos as operações do mercado secundário, de compra e venda de ações pelo BNDESpar, que caíram de R$ 575 milhões para R$ 88 milhões no período. Então, descontadas essas operações, os desembolsos caíram só 5%.

IIO mercado de capitais vai sustentar o próximo ciclo de crescimento?
ACP – Acho que ainda temos um conjunto grande de reformas pela frente para criar um mercado de capitais mais eficiente, com alguma competição efetiva em termos de empréstimos e acesso aos capitais. Isso passa pela reforma da lei das SA que dá garantias aos acionistas e também por uma reforma das regras de contabilidade, que dá uma contabilidade mais transparente às empresas. Acredito que quando essas reformas vierem os mercados se tornam mais competitivos e as taxas de juros podem cair.

II O Brasil consegue crescer sem o mercado de capitais hoje?
ACP – Consegue, mas ele pode crescer mais rápido com um mercado de capitais eficiente. Existe uma poupança e uma demanda por essa poupança para canalizá-la para investimentos. Resolvemos primeiro o grande problema que era que essa poupança estava sendo usada para financiar déficits públicos e agora vai passar a ser usada para financiar investimentos. Qual o papel do mercado de capitais? Ele intermedia entre o cara que tem a poupança e o cara que quer o investimento. Se ele faz isso de maneira eficiente o País pode crescer mais. De algum jeito o crescimento vai ocorrer, no limite as próprias empresas financiam seus próprios investimentos no mercado financeiro, ou num mercado de capitais que funciona mal, mas você crescerá muito menos do que você poderia crescer.

IIQual é o papel que os fundos de pensão poderiam desempenhar nesse financiamento aos investimentos?
ACP – Bastante grande, bastante importante. Eles estão saindo de títulos mobiliários para entrar em projetos de investimento propriamente dito.

II Já estão entrando nesses projetos?
ACP – Bem, ainda não estão efetivamente, por tudo aquilo que falamos. Os juros reais ainda estão altos, as aplicações em títulos públicos além de pagarem juros altos têm liquidez. Mas quando esses juros caírem eles vão acabar tendo que procurar algum tipo de alternativa e essa vai estar em projetos. Obviamente, isto também está relacionado com a questão da proteção de minoritários, transparência na contabilidade das empresas etc.

IIEssa busca de projetos incluirá também os project finance?
ACP – Os fundos de pensão têm uma vocação para esse tipo de projeto, porque têm um fluxo de saída razoavelmente previsível e de longo prazo que pode ser planejada financeiramente para projetos de maturação longa. Então, tradicionalmente os fundos de pensão têm um papel importante no financiamento de projetos de infra-estrutura, que casam muito bem com o seu tipo de compromisso. Lá fora, os fundos normalmente financiam esses projetos após a construção ficar pronta e não desde a primeira fase, porque a construção é uma etapa que tem um risco próprio e razoavelmente elevado, mas na fase seguinte você passa a ter um fluxo certo de retorno e assim por diante.

II A crise das bolsas nos EUA pode inviabilizar por mais tempo projetos desse tipo?
ACP – O Brasil fez todo o dever de casa, os fundamentos da economia estão muito melhores do que estavam antes mas, obviamente, não estamos isolados do mundo e o mundo, no caso os EUA, entrou num período de alta instabilidade. Isso está se refletindo na economia doméstica por uma série de canais. Então, acho que o país está tentando suportar, ou seja, passar da melhor maneira possível por uma tempestade que não está acontecendo por causa dele.

IIMas o mercado já está querendo juros mais altos para comprar títulos públicos…
ACP – É verdade, o mercado está se precavendo contra um agravamento da crise externa que poderia forçar o Banco Central a elevar juros e, por isso, não quer comprar um título pré-fixado a não ser que tenha juros maiores por conta desse risco, o qual eu acho exagerado. Acho que o que temos que olhar é que, domesticamente, a gente está bem melhor e a instabilidade externa vai se resolver de um jeito ou de outro. Isso não vai impedir o processo do qual estamos falando, de queda nos juros e da necessidade de transformar o portfólio dos investidores institucionais. Acho que essa é uma realidade que vai acontecer de qualquer forma nos próximos anos.

II Isso permitirá o crescimento rápido do país?
ACP – Para crescer a taxas rápidas é preciso investir, e para investir é preciso canalizar poupança de quem tem poupança para quem tem projetos para investir. O que se espera é que isso seja feito cada vez mais eficientemente e em maior volume. Então, quando todas as instituições passam a participar desse processo ele se torna mais competitivo e eficiente.

IIQuer dizer, o financiamento do crescimento deixaria de ser responsabilidade exclusiva do BNDES?
ACP – Sim, a novidade é que agora os fundos dos investidores institucionais vão começar a fazer isso também, porque a oportunidade que se abre com o reajuste das contas públicas é que, em vez de você ter o setor público absorvendo a poupança privada você vai ter a poupança privada indo para investimentos privados. A novidade da qual estamos falando, e eu acho que essa questão de curto prazo das bolsas americana não vão mudar essa realidade de médio prazo, é que com o ajuste fiscal o governo não necessita mais absorver essa poupança privada que o setor privado gera e ela vai ter que encontrar outra alocação. Essa alocação vai ser, espero eu, em investimentos.

IIInvestimentos de maior risco?
ACP – Aí é que vem, exatamente, a necessidade de você ter bons gestores desses fundos, para eleger os investimentos que casem bons retornos com bons riscos.

IIQue tipo de interface o BNDES poderia ter com os institucionais para esses projetos de longo prazo?
ACP – Uma, a mais óbvia, é a idéia do co-financiamento, no sentido de que o BNDES, pelo conhecimento que tem, ao entrar num projeto sinaliza para a qualidade do projeto e atrai outros investidores. Isso é positivo ao BNDES, porque ele está alavancando um bom investimento com menos recursos, financiando uma parte e o investidor institucional financiando a outra. Num momento em que a demanda por recursos do banco tem crescido muito, essa é uma boa maneira de atender a demanda. Então, é uma boa solução de curto prazo que deve continuar no médio e longo prazo, mas ela não deve ser um impeditivo a que os investidores desenvolvam a sua própria capacidade de análise de projetos, acho que isso é importante também.

IIQue outros tipos de colaboração seriam possíveis?
ACP – O próprio BNDES poderia, de alguma maneira, colaborar no treinamento de gestores na análise de projetos, por exemplo. Além disso, o banco já é um parceiro dos investidores institucionais nos títulos de participação em receitas, um instrumento financeiro que busca dar liquidez aos investimentos de longa maturação nos projetos de infra-estrutura, coisa que interessa tanto ao banco quanto aos investidores institucionais. Se você securitiza as receitas do investimento em infra-estrutura torna esses investimentos mais atraentes, então eu vejo aí uma parceria entre o banco e investidores institucionais, que estão na mesma canoa, por assim dizer.

IISem investimentos a inflação poderia voltar, por pressão de demanda?
ACP – Investimentos e demanda são períodos de tempo diferentes. Se você investe menos e cresce menos você também tem menos renda e menos consumo. A inflação é um fenômeno muito mais de curto prazo, onde você gasta muito mais do que é capaz de produzir, do que um fenômeno de longo prazo onde você passa a ter equilíbrios diferentes. Você pode crescer pouco sem inflação ou pode crescer muito sem inflação.