Edição 91
Solange Paiva Vieira, da SPC
À frente da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) desde o final do ano passado, a economista Solange Paiva Vieira conseguiu, em pouco tempo, tornar-se uma figura central do noticiário das revistas de economia e dos suplementos econômicos dos jornais. A fórmula? Jovem, bonita e disposta a investir contra as práticas de alguns dos fundos de pensão, ela passou a ser saudada pela mídia como a musa da previdência complementar. Aos 31 anos, depois de passar pelo BNDES e pelo próprio Ministério da Previdência, onde inclusive ajudou a elaborar o fator previdenciário, Solange entrou na secretaria já mudando as regras da polêmica resolução 2.720 e, na seqüência, decretando intervenção em alguns fundos de pensão. Tudo, segundo diz ela em entrevista exclusiva a Investidor Institucional, para preparar o sistema para o futuro. Veja, a seguir, os principais trechos da sua entrevista:
Investidor Institucional – Já tivemos 3 resoluções mudando as regras da previdência complementar desde que você assumiu, começando pela 2.720, passando pela 2.791 e chegando à 2.810. Por que mudanças tão rápidas?
Solange Paiva Vieira – O que aconteceu foi a suspensão da 2.720, até porque quando cheguei à Secretaria havia um questionamento grande, tanto da área dos próprios fundos quanto do Banco Central e da CVM, em relação a alguns pontos estruturais da 2.720. Então, sugeri que se suspendesse a 2.720 colocando alguma coisa no seu lugar. Basicamente, o que aconteceu foi voltar para a 2.324 com uma mudança pontual: a questão da taxa de performance. Então, as duas novas resoluções foram para suspender a 2.720 e colocar uma mudança pontual em relação à taxa de performance.
II – Quando sai a resolução definitiva?
SPV – A resolução final deve estar sendo entregue em março. Na área de aplicação das fundações ainda não foi feita nenhuma mudança, vai vir com essa outra resolução.
II – Durante o período de vigência da 2.720, muitos fundos de pensão mudaram para se adequar a ela. Como ficam esses fundos?
SPV – Olhamos a questão dos percentuais contidos na 2.720 e na 2.324 e chegamos a conclusão de que, na grande maioria das aplicações, a 2.324 era mais genérica. Então, revogar a 2.720 e retornar à 2.324 não causou dano para ninguém. Além disso, as reportagens anteriores que chegaram aqui mostravam claramente que o próprio setor de fundos não estava satisfeito com a 2.720.
II – Mas sempre tem o custo de ficar mudando!
SPV – Nós temos consciência do custo que é ficar mudando as regras toda hora. O que estamos tentando fazer agora é uma reestruturação não só na resolução que cuida das aplicações dos fundos mas também nas normas gerais da Secretaria e nas próprias leis da previdência complementar, que estão sendo aprovadas agora no Senado para vigorar até o meio desse ano. E estamos tentando fazer isso da forma mais genérica possível, para que as regras permaneçam por um tempo mais longo.
II – Nesse momento o sistema de previdência complementar está completamente paralisado, sem tomar decisão nenhuma, esperando a nova resolução.
SPV – Esse é um custo inevitável, pois não dá para produzir em uma semana uma resolução para um setor que envolve R$ 128 bilhões de recursos. A Secretaria tem procurado fazer um trabalho sério, criterioso, e não pode jogar qualquer coisa no mercado. Então, por isso, voltamos ao que estava na resolução 2.324 e estamos tentando, na maior velocidade possível, produzir alguma coisa nova e melhor.
II – Vieram duas mudanças com essas regras provisórias, a de só permitir fundos referenciados e a de limitar a cobrança de taxas de performance. Por quê?
SPV – A questão dos fundos referenciados foi retirada, isso na verdade foi um mal entendido que estava na 2791 e que teve outra resolução justamente para retirar isso.
II – Ficou a questão da taxa de performance…
SPV – O que acontece é que tinha fundos de pensão que pactuavam com os bancos referenciais de performances irrisórias para fundos de renda fixa ou de renda variável. Se a Selic está rendendo, por exemplo, 1% ao mês, eles pactuavam a referência de performance em 0,5%, então sobre tudo o que excedesse a 0,5% o banco ganhava, pois o referencial de pactuação era irrisório, era muito baixo. Performance, como o próprio nome diz, deve ser pago quando você tem uma rentabilidade extraordinária.
II – Usava-se, inclusive, referenciais de renda fixa para fundos de renda variável…
SPV – Exatamente, tinha todos esses problemas no mercado. Então, isso vai constar na nova resolução que virá em março, disso a Secretaria não abre mão mesmo.
II – Como ficará essa questão da performance?
SPV – Para se cobrar performance vai ter que ter um indexador de referência do mesmo tipo da aplicação.
II – Outro ponto polêmico é justamente a questão do limite da idade de aposentadoria, aprovado pelo Conselho de Gestão, estabelecendo 60 e 65 anos para gozo do benefício de CD e BD. Há muitas críticas a isso, principalmente por parte dos fundos de patrocinadoras privadas.
SPV – Estou achando ótimo que as críticas, pelo visto, vêm só dos fundos de patrocinadoras privadas, mas neles esse problema praticamente não existe. Hoje, o percentual de empresas do setor privado que já tem o limite de idade em 60 e 65 anos é muito grande, essas empresas já estão praticamente adequadas.
II – Então porque incluí-las nessa medida?
SPV – O que a Secretaria está fazendo é olhando para o Brasil daqui há alguns anos. O perfil demográfico do país está mudando, a saúde financeira do sistema de previdência complementar como um todo é deficitária e a perspectiva de longo prazo é de queda na taxa de juros. Como a rentabilidade dos fundos está muito baseada na taxa de juros paga pelo governo federal, será difícil manter uma rentabilidade real de 6% ao ano por 30 ou 35 anos. E como todo o cálculo de valor presente do sistema é feito a uma taxa de 6 %, se essa rentabilidade cai o déficit do sistema se agravará ainda mais. Então, é importante que a gente adote medidas preventivas para não estar, daqui a 20 ou 30 anos, com inúmeros problemas de saúde financeira no sistema, com participantes deixando de receber a aposentadoria.
II – Como foi a votação da medida no Conselho de Gestão?
SPV – A votação foi expressiva, venceu por 12 a 6 o aumento gradual do limite de idade, crescendo 6 meses a cada ano. É importante lembrar que só em 2010 o limite será de 60 anos no plano CD e só em 2020 será de 65 anos no plano BD. Mas essa medida é fundamental para o sistema crescer saudável, para as pessoas terem tranquilidade quanto a garantia das suas aposentadorias e as empresas privadas que quiserem, por causa de sua política de recursos humanos, garantirem uma aposentadoria mais cedo, elas poderão fazer uso da proporcional. O critério da proporcional é do fundo. A Secretaria quer garantir que o sistema como um todo vai estar baseado num limite de 60 anos, mas se as empresas estiverem com fundos superavitários ou quiserem, voluntariamente, fazer aportes para garantir uma aposentadoria precoce, elas podem. Agora, não podemos permitir que isso resulte, mais na frente, na insolvência do fundo e no desamparo dos participantes.
II – Essa proporcionalidade visa tornar a medida mais flexível?
SPV – Sim, as patrocinadoras têm uma flexibilidade enorme com a proporcional e, nos próprios estatutos, são elas que definem de quanto vai ser a redução da aposentadoria para se pagar a proporcional.
II – A medida não é meio incoerente no caso do CD, uma vez que trata-se de uma poupança do próprio participante?
SPV – Nós não estamos regulamentando uma aplicação financeira, estamos regulamentando um trabalhador que decide poupar para receber uma determinada renda quando perde a capacidade de trabalho. Então, é necessário que guarde uma correlação entre tempo de trabalho e tempo de recebimento do benefício. O primeiro ponto, que eu acho que é um ponto pacífico, é que tem que ter limites mesmo no plano de CD. E nos levantamentos que fizemos achamos que o nível de 60 anos é razoável, mesmo porque a maioria dos planos está estabelecida nesse nível. O segundo ponto é que, mesmo nos planos de CD, não existe uma capitalização stricto sensu, no sentido de que o dinheiro é carimbado como sendo do indivíduo x ou do indivíduo y. Se o fundo CD tem um fluxo de despesas com aposentadorias e está há 3 ou 4 anos com rentabilidade negativa por algum problema de bolsa ou porque a taxa de juros caiu muito, é mais fácil para ele utilizar as contribuições do indivíduo x ou y para manter o fluxo de pagamento das aposentadorias.
II – Mas as contas são individualizadas.
SPV – Sim, para calcular o valor de quanto você receberá, mas não é proibido usar os recursos pagos por você ou por outra pessoa para manter o fluxo de aposentadoria se, por um período, o fundo tiver algum problema de saúde financeira. Vamos supor um fundo CD com 300 reais em caixa e uma despesa de 100 reais, se ele pactou a aposentadoria essa passa a ser um benefício definido, ele passa a ter um compromisso com você. E vamos supor que o seu dinheiro que está lá rendeu negativo por 2 ou 3 anos. Bem, ele vai ter um problema de ajuste disso, porisso é importante que tenha uma folga financeira, tenha um volume de recursos para poder equilibrar esse tipo de coisa.
II – Se for CD puro esse participante vai perder renda se a aplicação foi negativa…
SPV – Depende de como o plano pactua o pagamento da aposentadoria, tem diversas variáveis. Têm alguns planos que combinam com o participante que ele vai ter a aposentadoria flutuante, ela vai ser uma cota e vai acompanhar a rentabilidade, mas outros não, outros garantem uma renda mensal vitalícia. Então, para essas variantes é importante que tenha um fluxo de recursos.
II – O limite de idade não acaba incentivando as empresas a migrar para a previdência aberta, que além de não ter limite de idade para aposentaria também permite abater até 12% do Imposto de Renda devido? No caso das fechadas, além do limite de idade tem também a questão tributária, que ainda está indefinida e dependendo de decisão do STF.
SPV – Até onde eu acompanhei, as discussões políticas são no sentido de que, se a fechada pagar IR a aberta também irá pagar. Não deverá existir diferença tributária e, não existindo, eu diria que as decisões são das empresas, entre ter um fundo fechado ou um aberto.
II – Os limites rígidos de investimentos para as fechadas poderiam ser um inibidor?
SPV – Os limites do investimento são uma garantia para os participantes e as patrocinadoras de que está havendo uma boa gestão. Eu não vou entrar no mérito dos limites que estavam na 2.720, mas nos estudos que estamos fazendo para a nova resolução estamos trabalhando com limites mais gerais e a solução está ficando mais simples. Estamos fazendo pesquisa empírica para todos os limites que estamos estabelecendo, baseado em como estão distribuídos os ativos dos fundos hoje.
II – Qual a tua visão sobre o futuro da previdência complementar?
SPV – A minha visão é que ela cresce, apesar dos questionamentos e das reclamações sobre o que estamos fazendo. Qualquer mudança provoca esse tipo de reação e eu acho que, como a gente está olhando muito à frente, às vezes as pessoas demoram um pouquinho a entender. No caso da mudança da idade, por exemplo, estamos pensando em 2010, 2020. Então, como vão acontecer mudanças vão acontecer também reações, teremos idas e vindas até acharmos novamente uma tendência de crescimento, mas o momento é de criar as bases, de dar mais solidez ao sistema. Vamos passar por um período com um pouquinho de turbulência, o setor tem alguns fundos com problema de solvência muito grave, alguns já estão sob intervenção e outros talvez entrem em liquidação. Isso irá provocar um pouco de instabilidade, poderá haver uma redução dos ativos do sistema, mas acho que é uma limpeza mesmo no sistema, vão ficar os fundos mais fortes, os mais saudáveis e o sistema vai se reorganizar de novo a partir daí, para voltar a crescer de forma mais vigorosa e mais sólida.
II – Porque não foi permitido que a Previ fizesse o seu ajuste usando a reserva de caixa?
SPV – Porque o superávit da Previ ainda não tem 3 anos consecutivos e a lei diz que para ser destinado a isso o superávit teria que ter 3 anos consecutivos, só que isso tem que ser decidido no Conselho do fundo. A Secretaria não pode ser arbitral, a não ser que ela faça intervenção no fundo.
II – Passado os 3 anos pode utilizar?
SPV – Passado os 3 anos a decisão é do fundo, do Conselho dele. Nos outros, em todos os fundos onde o aporte foi integral da patrocinadora, há desequilíbrio atuarial e os fundos apresentam déficits há alguns anos seguidos.
II – A SPC terminou de intervir num fundo de patrocinadora privada, o Orix. O que tinha de errado com ele?
SPV – Esse fundo, cuja intervenção foi anunciada ontem (17/1/01), é um bom exemplo da preocupação da Secretaria com a garantia da aposentadoria do cidadão. É um fundo que parece que a empresa está falindo, tem 35 aposentados e só um participante está contribuindo. Como a empresa entrou em um processo de dificuldades financeiras, e nesses casos a primeira linha de crédito que busca é o seu fundo de pensão, ela tomou 87% dos recursos do Orix emprestados e agora a gente vai tentar retomar esses recursos para garantir a aposentadoria das pessoas.
II – A aposentadoria dos participantes tem que ser garantida?
SPV – A Secretaria, ao fazer a intervenção, tenta justamente garantir que os funcionários tenham acesso aos recursos. Isso é uma coisa muito importante porque, no decreto da idade, algumas pessoas estão questionando se é de direito jurídico, se pode mudar um contrato perfeito, um ato jurídico perfeito. A experiência da Secretaria é que, ao longo dos 30 a 35 anos de existência de um plano, são feitas inúmeras alterações estatutárias, muitas unilateralmente por parte da patrocinadora, a maioria mudando alíquotas de contribuição. Então, num fundo que fica insolvente, como o da Orion, não existe mais contrato e ao intervir nele o que a Secretaria tenta garantir é que sobre algum dinheiro para os participantes. Mas os participantes poderão ter uma redução no valor da aposentadoria, poderão até ficar sem receber nenhum tostão, apesar da adesão ao plano.
II – Porque a intervenção no Cibrius foi feita 1 dia antes do prazo para a adequação?
SPV – O Cibrius estava com insolvência financeira. A patrocinadora, que é também fiscal do fundo, nos procurou dizendo que o fundo estava insolvente e que ela já tinha tentado todos os meios para resolver o problema de desequilíbrio atuarial, sem conseguir, então que por favor a Secretaria interviesse. Foi por isso que não esperamos o prazo, porque a patrocinadora, que é um fiscalizador antes mesmo da Secretaria, solicitou a intervenção.
II – Mas o outro lado, os participantes, podem não concordar com o pedido de intervenção …
SPV – Sim, eles podem não concordar. Mas a intervenção no Cibrius não foi feita só por causa da Emenda 20, o motivo da intervenção é que o fundo tinha problemas de saúde financeira e poderia quebrar. Nesse caso, a intervenção pode ser feito independente de prazo.
II – Você ajudou a desenhar o fator previdenciário. Há quem diga que ele resolve só momentaneamente o problema, desestimulando as aposentadorias e transferindo o problema para daqui há alguns anos, quando as pessoas farão a aposentadoria cheia. Você acha que o fator previdenciário é uma caixa preta?
SPV – O fator previdenciário tem cálculo atuarial e tem taxa de juros nele. Se eu deixo de me aposentar hoje e escolho me aposentar daqui há 5 anos é a mesma idéia da proporcional. É lógico que eu tenho que receber mais porque estou aportando recursos por mais um período de tempo, estou contribuindo mais e vou receber o benefício por menos tempo. Então, no cálculo do fator não existe nenhum furo.