“Estamos fazendo uma revisão da 2.720” | Para o diret...

Edição 81

Sérgio Werlang, do Banco Central

Talvez o assunto mais polêmico hoje entre os participantes do sistema de fundos de pensão, que envolve os fundos propriamente ditos e também os gestores de recursos, seja as dificuldades criadas pela Resolução nº 2.720 do Conselho Monetário Nacional, que entre outras coisas cria um microsegmento de investimentos em ações, o da média liquidez, no qual nenhuma ação das negociadas na Bovespa se enquadra. E no caso do microsegmento de baixa liquidez, que teria que abrigar todas as ações que não são consideradas de alta liquidez, só podem entrar 2% do patrimônio do fundo.
Que isso está preocupando muitos dirigentes de fundos de pensão, não há dúvida. Na nossa entrevista com o diretor de política econômica do Banco Central, Sérgio Werlang, tocamos no assunto e ele nos garantiu que o governo está estudando uma revisão dessa resolução, incluindo o ponto das ações de média e baixa liquidez e outros. “Em conjunto com a SPC nós faremos uma revisão dessa resolução num horizonte não muito distante”, garantiu Werlang em entrevista exclusiva à Investidor Institucional.
Aliás, sua entrevista foi feita poucas horas antes do Banco Central anunciar que exerceria o viés de baixa dos juros e baixaria a taxa básica em 0,5 pontos percentuais, para 17%. Na entrevista, Werlang negou-se a falar sobre tendências da taxa de juros, invocando sua posição de diretor da autoridade monetária. “Eu não posso ter nenhuma opinião direcional sobre esse assunto”, disse.
Assim, como a entrevista foi feita antes do anúncio da queda da taxa básica, ocorrida na sexta-feira 7 de julho após as 18hs, ela não toca nesse ponto. Porém, perguntamos sobre a tendência de queda das taxas, que genericamente o mercado já especulava que poderia vir. Veja, a seguir, os principais pontos da entrevista:

Investidor InstitucionalO BC, após reduzir as taxas de juros para 17,5% no final de junho, manteve o viés de baixa que permite uma nova redução antes da reunião do Copom. O BC vai usar essa prerrogativa para reduzir mais as taxas?
Sérgio Werlang – Veja, eu não posso ter nenhuma opinião direcional sobre esse assunto, devido a minha posição no Banco Central. O que eu posso dizer é que a taxa de juros é decidida única e exclusivamente com base no cumprimento da meta de inflação, de 6% para este ano, 4% para o ano que vem e 3,5% para o ano 2002. É isso que determina a taxa de juros, mais nada.

IIEntão tem espaço para a queda das taxas, porque a inflação está ficando abaixo das metas.
SW – Bem, os juros têm caído por conta disso. A projeção de inflação para este ano, que está no relatório de inflação, é de 5,6%. E vamos cumpri-la.

IINão tem perigo de surpresas?
SW – De jeito nenhum. Podemos ter alguns movimentos de alta, como no terceiro trimestre deste ano, que terá uma inflação um pouco mais elevada em virtude de uma concentração de aumentos de tarifas, algumas que já aconteceram e outras que vão acontecer com certeza, mas isso está dentro do previsto.

IIQuais são esses aumentos?
SW – São aumentos na área de telefonia e alguma coisa nas áreas de energia elétrica e combustíveis, que estão muito concentrados neste terceiro trimestre. Então, este terceiro trimestre será um terceiro trimestre com inflação um pouco mais elevada do quê nos dois últimos trimestres, mas não prejudicará a meta. O relatório de inflação deixa isso muito claro.

II Inflação controlada e taxas de juros em queda são dois componentes fundamentais para gerar crescimento econômico. O Brasil está na trilha do crescimento?
SW – A nossa projeção de crescimento para este ano é de 3,9%, ou talvez seja melhor falar em uma faixa entre 3,5% e 4%, tendo em vista o erro de mensuração do PIB. O que eu acho é que a economia continuará se recuperando, o setor industrial cresceu 6% no primeiro semestre e deve continuar crescendo nesse ritmo, também vai ter um pequeno crescimento do setor agrícola e do setor de serviços, de modo que eu espero que o aumento do PIB fique próximo a 4% neste ano.

IIAs exportações não estão se comportando da forma como o governo esperava, devendo gerar superávit menor que o previsto. Isso preocupa o governo?
SW – A questão básica da balança comercial é o petróleo, que subiu muito nos últimos meses. É claro que nós também tivemos um pouco de azar nas mercadorias que exportamos, pois o preço delas não se recuperou, ou se recuperou apenas em alguns casos e não na velocidade que a gente previa. Enfim, o crescimento das exportações está sendo mais lento do que devia. Porém, mesmo assim, ainda estamos com crescimento de quase 20% das exportações na comparação do primeiro semestre deste ano com o primeiro semestre do ano passado e tudo indica que vamos manter esse ritmo de crescimento. Embora o saldo comercial deste ano possa ser um pouco menor do que o previsto, isso não irá comprometer nenhum dos objetivos do governo.

IIMas esse saldo menor torna o país mais dependente de investimentos externos para equilibrar o balanço de pagamentos. Esses investimentos virão?
SW – Eles já estão vindo. Nós estamos financiando a balança de pagamentos totalmente por investimento direto. A despeito de ter havido uma grande mudança no mercado internacional em abril, que foi a subida das taxas de juros americanas, nós continuamos com o balanço de pagamentos totalmente financiado com investimento direto. É isso o que importa. O Brasil continua em 4º lugar nas intenções de investimentos internacionais, incluindo nessa amostra todos os lugares, até os Estados Unidos.

IIQuer dizer, voltamos a figurar no mapa dos investimentos internacionais?
SW – Sim, e o que é mais importante é que não estamos falando de capital volátil nem de capital de empréstimo. Estamos falando de financiamento direto feito através de capital de risco, de investimento direto.

IIHoje o cenário internacional parece estar mais calmo, com os EUA controlando a sua situação sem recorrer a grandes aumentos das taxas de juros, o que dá tranqüilidade ao Brasil. Um agravamento no cenário internacional prejudicaria as metas do Brasil?
SW – O Brasil se pauta por uma política de metas para a inflação. O que temos que olhar é o impacto que uma piora da situação externa causaria na taxa de inflação brasileira, e é isso o que a gente olha. Mas, com a política de austeridade fiscal que o Brasil adotou, hoje estamos muito menos vulneráveis a qualquer mudança dos humores internacionais do que estavámos na época em que o câmbio era fixado.

II Você é otimista!
SW – Veja, em abril e maio o mercado de crédito teve uma restrição internacional muito parecida com a que houve nas crises anteriores, a diferença entre a Libor e a Taxa do Tesouro americana, ou seja, esse spread entre a Libor e a Taxa do Tesouro americana, atingiu níveis recordes. Mas, à despeito disso, tivemos apenas um pequeno impacto na taxa cambial brasileira, que já voltou por sinal. Então, avaliamos que o nosso sistema comportou-se muito bem.

IIPor quê se comportou diferente das outras crises?
SW – Porque hoje nós somos financiados totalmente por investimentos diretos, não temos mais capitais voláteis de curto prazo, e também porque temos austeridade fiscal, câmbio flutuante e uma política de metas para a inflação. Isso permite a retomada do crescimento mantendo taxas de inflação baixas.

IIEsse conjunto de fatores reduziria a volatilidade doméstica numa crise mais grave?
SW – Não tenha dúvida! Reduziria muito a volatilidade no mercado doméstico, não tenha nenhuma dúvida!

IIMas não evitaria?
SW – Evitar totalmente é impossível, mas reduziria muito.

II Os investidores internacionais também têm essa certeza, esse sentimento de confiança?
SW – Olha, isso é uma coisa que o tempo diz. O que a gente tem visto é que o spread dos títulos brasileiros tem caído com o tempo. Claro que ele vai e volta, vai e volta, mas basicamente tem andado na direção de queda e isso é a medida da confiança internacional no Brasil, muito mais do que as classificações das agências de rating. O que importa são os mercados. O Brasil está colocando títulos de 5 anos em euro a 417 basis point acima da taxa básica do euro, quando no final do ano passado nós estávamos colocando títulos de mesmo prazo a seiscentos e tantos basis point. Então, nossas últimas colocações foram um grande sucesso. O risco Brasil teve uma melhora substantiva e isso é que resume as expectativas do mundo em relação ao nosso país.

IICom relação aos rumores de que as agências de rating estariam se preparando para fazer uma reclassificação do risco Brasil, para melhor, isso mudaria muito o cenário doméstico?
SW – É sempre bom que haja reclassificação para cima, porque isso tem um impacto no mercado externo de títulos brasileiros, e quando baixa o custo externo da captação brasileira você tem um incentivo maior ao crescimento aqui. Então, isso é uma coisa positiva. Agora, a grande diferença realmente só vai acontecer quando o Brasil passar para ser o que eles chamam de “investment grade”, que são países de baixo risco de investimento (de BBB a AAA). Essa é que será a grande diferença.

II Vamos ser “investment grade”?
SW – Bom, eu acho que é inevitável. A trajetória fiscal brasileira tem sido muito boa, tudo indica que continuaremos no caminho da austeridade fiscal ainda por muito tempo e, portanto, eu não tenho dúvida nenhuma de que, mais cedo ou mais tarde, isso acaba nos levando a ser “investment grade”. Isso é inevitável.

IIInternamente já estamos conseguindo alongar os prazos da dívida brasileira. Como você está avaliando a política de alongamento dessas aplicações?
SW – Nós temos feito um alongamento bastante significativo nos prazos. Temos conseguido alongar bastante e estamos chegando em prazos bastante razoáveis. Essa é a política do governo, porque é muito importante dividir melhor os pagamentos ao longo do tempo e está tudo saindo como planejado.

IIDeu uma enroscadinha há alguns meses, já melhorou?
SW – Isso não se faz numa uniformidade completa, o que importa é o resultado final, que se consiga elevar os prazos. E o processo de alongamento continuará. Outra coisa importante é o aumento do volume. Quando você olha o volume do mercado secundário de títulos da dívida pública, ele subiu de R$ 4 bilhões para R$ 13 bilhões por dia. Quer dizer, esse mercado secundário está voltando a se formar.

II Fale um pouco desse mercado.
SW – A gente tinha esse mercado até o plano Collor. Era um mercado muito ativo, depois diminuiu muito e agora está voltando a se formar. E muito dessa recuperação é resultado de termos tirado, em agosto do ano passado, as amarras que existiam, com títulos compromissados, operações compromissadas etc.

IINão falta um pouco de parâmetro, de transparência, nesse mercado?
SW – Acho que isso vem com o tempo. Estou muito confiante nos sistemas de negociação eletrônicos que estão sendo feitos, tanto o da Bolsa do Rio quanto os vários outros por aí que estão sendo anunciados. Acho que isso é muito importante e vão ajudar muito. Eles ajudaram muito a liquidez do mercado, que está subindo rapidamente.

IIAgora, no mercado de renda variável a coisa parece que é um pouco diferente. O governo diz que quer incentivar o mercado de capitais mas não dá provas disso. Porque não há um maior empenho do governo na revisão da lei das S/A, por exemplo?
SW – O governo está totalmente empenhado em aprovar a revisão da lei. A nova lei das S/A melhora substancialmente o mercado e a proteção ao acionista minoritário e não tenho dúvidas que vamos conseguir aprovar algo nesse sentido, que melhorará substancialmente o status quo do minoritário.

IIE com relação à resolução nº 2.720 do Conselho Monetário Nacional, que faz segmentações e cria limites de investimentos para os fundos de pensão considerados absurdos pelo mercado. Por exemplo, no caso do microsegmento de média liquidez, nenhuma ação da Bovespa se encaixa nesse microsegmento. Isso não representa um desestímulo ao mercado de capitais?
SW – Quanto à resolução CMN nº 2.720, nós estamos fazendo uma revisão dela, naturalmente em conjunto com a Secretaria de Previdência Complementar, e estamos levando em consideração as diversas observações que foram enviadas, não só em relação a esse aspecto específico que você mencionou das ações de média liquidez mas também em relação a vários outros aspectos que foram enviadas por entidades de classe e por pessoas que nos sugeriram mudanças diretamente. Então, em conjunto com a SPC nós faremos uma revisão dessa resolução num horizonte não muito distante.

IIQuais seriam os principais aspectos a serem revistos na 2.720?
SW – Eu prefiro não entrar em detalhes em relação a isso, para tentar evitar distorções, mas estamos tentando analisar todos os pontos que nos foram enviados e, uma vez analisados, então faremos as modificações que julgarmos serem legítimas.