Edição 144
José Carlos Miranda, chefe da assessoria econômica do Planejamento
O governo tem planos ambiciosos com a lei da Parceria Público-Privada (PPP), aprovada dia 17 de março na Câmara e que agora irá para o Senado. A expectativa é que os investimentos em infra-estrutura via PPP, durante o governo Lula, alcancem a marca dos R$ 50 bilhões. Isso significa, em média, R$ 12,5 bilhões por ano, quase o dobro dos R$ 6,9 bilhões de investimentos nesse segmento o ano passado. Segundo o chefe da assessoria econômica do ministério do Planejamento, José Carlos Miranda, a primeira carteira de projetos de PPP é de R$ 13,3 bilhões e espera-se que uma boa fatia disso já esteja em licitação ainda este semestre.
Essa carteira inicial foi apresentada pelo ministro Guido Mantega a 150 empresários europeus, asiáticos e norte-americanos. E a receptividade, segundo Miranda, foi excelente. “Estão interessados porque sabem que são projetos que devem melhorar enormemente a exportação dos produtos brasileiros”, diz ele. Um exemplo é a modernização do Porto de Santos (um dos principais projetos da primeira carteira), que é responsável por 27,6% de tudo que é exportado pelo Brasil.
Mesmo sem cifras fechadas, o governo acredita em uma participação agressiva dos fundos de pensão como financiadores dos projetos de PPP, já que a rentabilidade e as garantias podem ser atraentes. Especialmente nesse momento em que as fundações estão procurando novas alternativas de investimentos, dado o cenário de queda da taxa de juros. Os projetos em PPP prioritários para o governo são: ferrovias, rodovias, portos e saneamento. Alguns, no entanto, ainda não possuem nem marco regulatório definido, como é o caso de saneamento. Mas Miranda acredita que as garantias previstas na lei de PPP são mais do que suficientes para minimizar qualquer tipo de incerteza que possa acabar com o apetite do setor privado de investir nos projetos. A seguir, os principais trechos da entrevista com o chefe da assessoria econômica do Planejamento.
Investidor Institucional – O ministério tem alguma estimativa sobre o potencial de investimento do setor privado na Parceria Público-Privada (PPP)?
José Carlos Miranda – É muito grande. Pelas últimas discussões feitas pelo governo, a PPP vai nos permitir realizar uma série de obras de infra-estrutura e logística, como o reaparelhamento de portos, a construção de novas ferrovias e o aproveitamento de hidrovias. São projetos que vão exigir um volume significativo de investimentos, com os quais o governo não pode arcar sozinho, já que está comprometido com uma política de ajuste fiscal. E a PPP vai viabilizar a retomada desses investimentos em infra-estrutura, o que em última instância significa crescimento do País e do nível de emprego, numa atitude cooperativa dos setores público e privado.
II – Quanto isso significa em investimentos do setor privado?
JCM – No Plano Plurianual (PPA) de 2004 e 2005, a estimativa total feita por nós é a de que poderemos chegar, em quatro anos (entre 2004 e 2007) a investimentos via PPP da ordem de R$ 50 bilhões.
II – Isso é muito acima da estimativa do deputado Paulo Bernardo (PT-PR), relator do projeto das PPPs, que é de R$ 20 bilhões.
JCM – Sim, esperamos chegar aos R$ 50 bilhões, que é o montante necessário para a execução de todos os projetos em infra-estrutura.
II – Qual o tamanho da primeira carteira dos projetos que vão entrar no modelo de PPP?
JCM – Nessa primeira carteira, na região Norte do País, estão previstas obras que totalizam R$ 623 milhões; na região Nordeste, R$ 4,8 bilhões; na Sudeste, R$ 7,3 bilhões; no Sul, R$ 370 milhões e no Centro-Oeste, R$ 600 milhões. Estes valores totalizam R$ 13,3 bilhões de investimentos na primeira fase, de um total de R$ 50 bilhões.
II – Quais as obras que fazem parte dessa primeira carteira?
JCM – Estão projetos como o reaparelhamento e reestruturação do Porto de Santos, a construção do ferroanel que chega ao Porto de Santos, a extensão da rodovia Araraquara-Santos para permitir o escoamento da produção que será exportada pelo Porto de Santos em um tempo e custo muito menores. Essa carteira tem também o Porto de Itaquí, a ferrovia Norte-Sul e a BR-101.
II – Essa primeira carteira já foi apresentada?
JCM – O ministro Guido Mantega apresentou para 150 grandes empresários, entre eles europeus e asiáticos, durante um encontro em Genebra, e norte-americanos, em uma apresentação em Washington.
II – Qual o perfil desses possíveis investidores?
JCM – São grandes investidores estrangeiros, principalmente no setor de infra-estrutura. São empresas construtoras de estradas, fabricantes de materiais de transporte como trilhos, locomotivas e vagões, construtoras especializadas em hidroelétricas e termelétricas. Enfim, empresários de infra-estrutura como um todo
II – Qual foi a receptividade deles?
JCM – Muito grande, principalmente no encontro de Genebra. Os empresários estrangeiros estão interessados porque sabem que são projetos que devem melhorar enormemente a exportação dos produtos brasileiros. Como a rodovia BR-163, a BR-101, a construção de três trechos da ferrovia Norte-Sul, que escoa soja para exportação, a modernização e ampliação do porto de Itaquí, que reduz o custo de transporte de minério e de soja exportados principalmente para a Ásia. Há ainda projetos de irrigação muito importantes, em regiões pobres, que além de criar emprego e aumentar a renda per capita, permitem aumentar a produção dessas regiões de solo muito desfavorável.
II – Em que estágio estão esses projetos?
JCM – Os ministérios do Transporte, da Integração Social e das Cidades estão montando os pré-projetos de viabilidade de cada um deles, calculando com muita precisão o objetivo da obra, buscando as contrapartidas do parceiro privado e determinando quais garantias o governo dará. É esta fase de montagem que o governo está agora acelerando para poder, o mais rápido possível, oferecer projetos concretos ao setor privado depois que a lei de PPP for aprovada.
II – Dentro desses R$ 50 bilhões de investimentos em PPP, o governo pretende receber quanto de cada tipo de investidor, como empresas e fundos de pensão?
JCM – As empresas entram para construir algo, uma rodovia, por exemplo, ou para construir e também explorar. Já os fundos de pensão participam da PPP principalmente comprando os papéis que as empresas terão que lançar no mercado para financiar essas obras, na forma de debêntures, recebíveis ou ações. Esses papéis serão disputados pelo mercado, dependendo da segurança e rentabilidade dos projetos, para fazerem parte da carteira desses grandes investidores, sobretudo os institucionais.
II – Como se dará essa participação dos fundos de pensão?
JCM – Provavelmente, as fundações serão acionistas das Sociedades de Propósito Específico (SPEs) criadas para tocar as obras e que vão reunir construtoras, empreiteiras e outros investidores. Um fundo não entra para construir e, sim, para financiar a construção.
II – O ministério do Planejamento está esperando uma participação grande dos fundos de pensão nas PPPs?
JCM – Sim, estamos muito otimistas com relação a isso. Esperamos uma participação agressiva dos fundos de pensão. Dado a rentabilidade esperada dos projetos e as garantias que serão dadas pelo próprio fundo fiduciário com recursos do governo, os projetos têm tudo para serem altamente atraentes
II – Os investidores terão linhas específicas de financiamento para os projetos de PPP?
JCM – Muito provavelmente. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, está criando junto com o Banco Interamericano (Bid) e alguns bancos privados estrangeiros um fundo específico para financiar ou dar garantias às empresas que entrarem nos projetos de PPP. A idéia inicial é que esse fundo tenha algo como US$ 1 bilhão e com as taxas de juros praticadas pelo BNDES, que são TJLP mais 2,8% ao ano, que é muito menor que qualquer juros de mercado. Mas o próprio governo terá um fundo de aval ou garantia, que será usado no caso de compromissos orçamentários do próprio governo não serem honrados. Além dos recursos necessários para a complementação tarifária.
II – Qual a garantia que os investidores têm de que o fundo terá ativos líquidos e suficientes para garantir contra algum tipo de calote do governo?
JCM – Essa garantia é dada pela própria lei de PPP, que determina que o fundo seja composto por ações de empresas estatais, de dotações orçamentárias, recebimento de aluguéis de prédios públicos. E haverá, obviamente, uma transparência total. Qualquer pessoa saberá qual é a composição desse fundo.
II – O senhor falou que, dada a rentabilidade esperada, os projetos devem atrair os investidores. Haverá alguma garantia de rentabilidade mínima?
JCM – Não, não há garantia nenhuma de retorno. Mas o investidor sempre faz uma análise preliminar do potencial de retorno dos possíveis investimentos, baseando-se nos objetivos do projeto. Por exemplo, uma ferrovia que vai transportar soja para exportação. O investidor analisa a carga. Se a carga mínima a ser transportada para obter-se um retorno mínimo não for atingida, quanto o governo terá que complementar para que o investidor tenha de volta os recursos aplicados e mais uma margem de lucro. Ele (o investidor) terá que calcular essa taxa de retorno, ver se é ou não vantajoso, como faz em qualquer outro investimento
II – Qual a estimativa de participação de recursos públicos que serão usados em PPP?
JCM – Não existe um número total. Depende da viabilidade de cada projeto. Em alguns, o governo terá que fazer uma complementação tarifária grande para o investidor obter o retorno necessário que cubra os investimentos e ainda ofereça uma margem de lucro. Já em outros, essa complementação pode ser muito pequena.
II – Na prática, o governo não entra com recursos na construção da obra?
JCM – Exatamente. O governo não entra com nada. É exatamente essa a grande vantagem da PPP, o governo executa obras sem que isso seja computado como investimento público, ou seja, sem entrar na conta do governo como uma despesa orçamentária. O governo só entra com alguma complementação, se necessária, depois da obra entregue ou no início da prestação de serviço. O setor privado é o responsável pelo financiamento, pelo investimento e pela obra.
II – Mas o que o setor privado recebe em troca?
JCM – Recebe o direito de explorar o serviço por até 30 anos. Um exemplo, é o pedágio de uma estrada.
II – É verdade que, diferente do caso brasileiro, a PPP em outros países foi implementada porque o governo queria apenas a experiência do setor privado para tocar essas obras? Havia recursos públicos suficientes para viabilizar os projetos?
JCM – Isso não é totalmente verdade. Nos países europeus, como Portugal, e em alguns da América Latina, como o Chile, por exemplo, o modelo de PPP é exatamente o mesmo do Brasil. Apenas o setor privado entra com recursos, em contrapartida o governo libera a exploração daquele negócio. Somente na Inglaterra o governo entrava com recursos e os investidores com o conhecimento do negócio. Em todos os outros países da Europa que fizeram PPP, se os governos entrassem com recursos não cumpririam a meta fiscal acordada, exatamente como acontece com o Brasil.
II – O senhor citou os setores de ferrovias, portos, rodovias e saneamento como a prioridade do governo em termos de PPP. Mas alguns ainda estão com o marco regulatório indefinido, como é o caso de saneamento. Isso não afasta o investidor?
JCM – Sim, o marco regulatório é algo muito importante. Mas no caso de saneamento, o ministério das Cidades já está com um trabalho muito adiantado, quase fechado, com relação ao marco regulatório. De qualquer forma, a lei de PPP oferece garantias suficientes que minimizam as incertezas que existem pela falta de uma regra definida para o setor.
II – Que garantias são essas?
JCM – Garantias de que qualquer investidor privado que entrar numa parceira com o governo terá um fundo de aval que honrará o pagamento dessa obra sempre que ocorrer algum contratempo, além dos recursos para a complementação tarifária. Essas são garantias que, de certa forma, minimizam as incertezas dos empresários de não se ter um marco regulatório em alguns setores
II – O presidente Lula falou com o presidente George W. Bush e outros presidentes para tentar conseguir, junto ao FMI, que os investimentos de empresas estatais, além da Petrobras, não entrem na conta do déficit público. Isso foi feito pensando na possibilidade de as estatais, como a Eletrobrás, poderem investir em PPP?
JCM – A minha impressão é que o presidente está pensando muito mais nos investimentos em infra-estrutura como um todo, em geração de energia, transporte ferroviário, rodoviário. E como isso é objeto de PPP, obviamente, elas serão enormemente beneficiadas se houver uma flexibilização por parte do FMI.
II – O senhor falou do setor elétrico. Ele fará parte da PPP?
JCM – Transmissão, não. O retorno do negócio já garante a amortização do principal e mais uma margem de lucro, por isso pode continuar no regime de concessão. Os leilões das linhas de transmissão são feitos já considerando que o preço pago na concorrência remunera o capital investido. Já os projetos em geração de energia caberiam dentro do modelo de PPP. O montante de investimento sempre é muito elevado, os riscos são muito maiores (ambientais, de construção), o tempo de maturação do investimento é muito longo, conseqüentemente, o retorno sozinho dificilmente viabiliza o negócio
II – Depois da aprovação da lei de PPP, quando devem ser apresentados os primeiros projetos?
JCM – Pretendemos no fim do primeiro semestre já apresentar para licitação os primeiros projetos que estão dentro da carteira inicial de R$ 13,3 bilhões.