Edição 300
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem sido bastante atuante na fiscalização dos agentes do mercado de capitais, assim como na imposição de multas aos infratores. No final do ano passado uma nova regulamentação aumentou o valor máximo das multas de R$ 500 mil para R$ 50 milhões, o que no entendimento de alguns especialistas deve inibir atos e ações ilícitas por parte dos agentes. Em entrevista à revista Investidor Institucional o advogado e sócio do escritório Loria e Kalansky Advogados, Daniel Kalansky, fala sobre o lançamento de seu livro, que acontecerá no final deste semestre, analisando 50 casos julgados pela CVM no ano passado. Kalansky também analisa quais são as principais tendências do órgão fiscalizador ao decidir em relação a casos mais comuns do mercado. Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
Investidor Institucional – Você está lançando, junto com seu sócio Eli Loria, um livro sobre os processos sancionados na CVM. Pode falar um pouco sobre isso?
Daniel Kalansky – Estamos lançando a terceira edição do livro Processo Sancionador e Mercado de Capitais. É a continuidade de um trabalho que começou em 2016, analisando os casos que foram julgados pela CVM no ano de 2015. Lançamos o primeiro livro em 2016, olhando todos os casos de 2015, e o segundo livro em 2017, olhando todos os casos de 2016. No final do segundo semestre deste ano vamos lançar o terceiro livro, com os casos julgados pela CVM no ano de 2017.
II – Quantos casos são analisados nesses livros?
DK –Se não me engano, o livro de 2016 traz 55 casos julgados pela CVM em 2015. O livro de 2017 traz 62 casos julgados pela autarquia em 2016 e no novo, que vamos lançar, devemos ter em torno de 50 casos que a CVM julgou no ano passado.
II – Quais as principais conclusões a que vocês conseguiram chegar, a partir desses estudos de casos?
DK – Olha, para cada matéria julgada pela CVM tem uma tendência. Por exemplo, nos casos de insider trade, a tendência da CVM é de considerar insider trade quando consegue juntar vários indícios. Ela analisa se os indícios são fortes e convergentes, se existe a chamada prova indiciária, que é aquela prova baseada nos indícios. Ela analisa se a pessoa comprou ações de uma determinada companhia e no dia seguinte saiu um fato relevante, se a pessoa não operava no mercado de ações e num determinado momento comprou ações, se o valor investido representava um volume alto comparado com o patrimônio da pessoa. Se juntar vários indícios, a tendência é condenar valendo-se da prova indiciária. Já no caso do impedimento de voto, a CVM tem entendido que é quando traz benefícios particulares ao acionista.
II – E sobre a questão da remuneração de administrador, hoje bastante em voga, qual é a tendência dos julgamentos da CVM?
DK – Nos casos que a gente examinou sobre a remuneração de administrador, a CVM olhou bastante os processos relacionados à fixação dessa remuneração e não propriamente se o valor da remuneração era muito alto. Ela entendeu que não pode entrar no mérito do valor, mas no mérito dos procedimentos que foram utilizados para decidir sobre essa remuneração.
II – Quais foram os casos mais relevantes julgados?
DK – Foi de uma empresa chamada WLM e de outra chamada Altona. O julgamento não foi se a remuneração dos conselheiros era compatível ou não, vamos dizer de 100 mil, 150 mil reais por mês aos membros do conselho de administração. Mas se a empresa montou um procedimento para chegar a esses valores, contratando empresa de recrutamento, fazendo uma análise dos indicadores, ou se simplesmente decidiu pagar 100 mil para cada conselheiro. A visão da CVM é que, se a empresa demonstrar que foram montados os procedimentos, não há qualquer irregularidade.
II – Já houve julgamentos pela CVM de questões ligadas à corrupção, à Lava Jato?
DK – A CVM ainda não julgou efetivamente nenhum caso decorrente da Lava Jato, os processos ainda estão em andamento. Mas já teve um termo de compromisso feito pela Embraer no ano passado, em decorrência da propina que foi paga numa questão de aeronaves. Esse foi o único caso relacionado à questão de corrupção, que resultou num termo de compromisso.
II – Como vota a diretoria da CVM hoje?
DK – A CVM está com um colegiado com muito técnico, os votos são bem fundamentados mas existem divergências nos votos entre os diretores. Você não consegue ter unanimidade dentro do colegiado da CVM. Mas isso acaba sendo comum em qualquer processo de um colegiado.
II – Qual o principal foco de atenção da CVM hoje?
DK – A CVM tem aberto vários processos questionando o dever de diligência dos administradores, se foi correto ou não. Tenho visto que a CVM tem colocado no polo passivo, as vezes, tanto diretores como conselheiros de administração e também conselheiros fiscais, quando em alguns casos deveria ter feito uma individualização das responsabilidades. A CVM tem entendido que confiar nas informações prestadas por técnicos, ou por terceiros, isso não é suficiente para você afastar o dever de diligência dos membros do conselho de administração.
II – Quer dizer, isso não isenta o conselheiro de responsabilidade?
DK – Exatamente. Então, eu diria que o primeiro ponto é o dever de diligência dos administradores, o segundo ponto é que a CVM tem ido muito atrás do insider trade e tem punido através da prova indiciária, e o terceiro ponto é que ela tem olhado muito a questão de transações com partes relacionadas, ela tem aberto processo quando verifica que uma operação com parte relacionada foi tratada como se fosse uma negociação com terceiros.
II – E em relação ao mercado de fundos de investimento?
DK – A CVM está indo atrás dos agentes de fundos de investimento, quando há uma irregularidade num fundo a investigação tem sido muito forte, tanto em relação ao custodiante quanto ao gestor e ao administrador. Então, ainda não está definido pela CVM, e isso causa insegurança, a separação de responsabilidade dos agentes do fundo de investimento, qual é a responsabilidade do custodiante, qual é a responsabilidade do gestor e qual é a responsabilidade do administrador.
II – Foi assinado no final do ano passado um normativo aumentando o valor das multas aplicadas pela CVM. Você acha que o novos valores, bem mais elevados, podem inibir os crimes do mercado de capitais?
DK – Eu não digo inibir, mas digo que a CVM agora tem as ferramentas necessárias para aplicação do seu poder de punir. O teto máximo antigo, de R$ 500 mil, não era suficiente. A CVM tinha que aplicar o máximo de R$ 500 mil ou três vezes o benefício auferido, só que em muitos casos não se sabe qual o benefício auferido, então acabava ficando com R$ 500 mil. Veja o caso do Henrique Pizzolato, que foi condenado no Mensalão e que a gente tratou no livro, ele recebeu uma multa de 500 mil num desvio que era de milhões de reais de recursos da Visanet. Mas ninguém sabia qual o benefício auferido.
II – Qual passou a ser a multa máxima?
DK – Passou para R$ 50 milhões ou três vezes o benefício auferido. Esse aumento dá mais poder à CVM na aplicação da dosimetria da pena, mas gera um certo medo no mercado. A dosimetria da pena é algo que ainda precisa ser melhor estudada, às vezes os valores aplicados não têm muito sentido ou muita lógica.
II – Esses valores já estão valendo?
DK – Sim, mas só para as irregularidades novas. Para aquelas que foram praticadas antes do advento da lei, não. Processos abertos mas que ainda não foram julgados tem que ser julgados com base nas leis antigas. Se você praticar uma irregularidade hoje, aí sim se aplica as novas leis.
II – Mas tem muitos casos recebendo multas da CVM de R$ 1 milhão, R$ 1 milhão e meio atualmente. Na verdade quase não se vê multas de R$ 500 mil.
DK – Devem ser processos cuja multa seja um suposto lucro calculável, então a multa é multiplicada por 3 vezes.
II – Recentemente foi julgado o caso da Cobrasma, que aconteceu há cerca de 30 anos atrás, e o empresário Luiz Eulálio Bueno Vidigal foi multado em R$ 50 mil. Porque os processos demoram tanto?
DK – Tem um estoque na CVM, até colocar o estoque em dia demora. Deve ter no armário algo em torno de 180 processos de coisas antigas para serem julgados.
II – A CVM também ganhou a possibilidade de firmar um tipo de acordo de leniência. Como funciona isso?
DK – É um acordo sob supervisão, que é diferente do termo de compromisso porque no acordo de compromisso você não tem confissão de culpa e na questão de leniência você tem a confissão de culpa. Então você tem uma ferramenta disponível para aquele que praticou alguma irregularidade falar com a CVM e ter a sua multa, ou a sua pena, reduzida.
II – E continua podendo operar no mercado?
DK – Sim, isso aí é negociado no acordo de leniência. A leniência seria para reduzir ou não aplicar a pena. Agora, como vai funcionar? A gente sabe que se não colocar o Ministério Público junto nas negociações, você pode ter um processo aberto por eles amanhã.
II – A fiscalização da CVM parece que está aumentando, isso de fato está ocorrendo?
DK – A CVM está com uma fiscalização bem ativa. A gente percebe que o enforcement tem crescido, ou seja, a parte investigativa da CVM tem crescido e hoje o risco é maior na medida em que as penalidades são maiores.
II – A fiscalização, antes, era pouca?
DK – Eu diria que, às vezes por falta de orçamento, a CVM não tinha pessoal suficiente para efetuar a fiscalização. Acho que o plano de supervisão que eles fazem, examinando os pontos que realmente importam, têm ajudado na fiscalização.
II – Se fosse para dar um aconselhamento a uma empresa que não quer ter problemas com a CVM, quais seriam os três principais tópicos que ela deveria evitar?
DK – Eu diria que o primeiro é quando for fazer uma transação com parte relacionada emular a operação como se fosse com uma parte independente, seja através de criações de comitê, seja através de outros procedimentos que possam ser criados. Com relação ao dever de diligência de dirigentes e administradores, eu diria que precisa criar procedimentos que provem que o administrador, na tomada de uma determinada decisão, age com diligência, consulta, pesquisa, busca pareceres, vai atrás, e não toma a decisão sem base. E o terceiro ponto é o cuidado na negociação das ações da empresa, principalmente se alguém trabalha na companhia ou passa informações prá fora, tomar cuidado com o sigilo porque a CVM tem olhado muito essa questão da prova indiciária no insider trade. Além disso, agora em épocas de assembleias, saber quando efetivamente o controlador está impedido de votar ou não, se existe um conflito de interesses ou não.