Edição 124
Luiz Leonardo Cantidiano, da CVM
O novo presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Luiz Leonardo Cantidiano, acredita que a economia brasileira deve entrar numa rota de crescimento no ano que vem, com taxas de juros menores, mais oferta de empregos e mais empresas recorrendo ao mercado de capitais para se financiarem. E, como resultado dessa convicção, ele tomou para si a tarefa de preparar o mercado para esse novo momento. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que ele deu à Investidor Institucional.
Investidor Institucional – Quais são seus planos à frente da CVM.
Luiz Leonardo Cantidiano – Eu aceitei largar a minha vida privada, o meu escritório, e vir para a CVM porque acredito que nós estamos no meio de um processo de consolidação do mercado de capitais no Brasil e ele precisa avançar, e é isso que pretendo fazer à frente da CVM.
II – É o que se fala há anos, mas isso não tem ocorrido…
LLC – Nós tivemos alguns sobressaltos recentes, como a crise da Ásia, da Rússia, da Argentina, o apagão, o 11 de setembro, agora as eleições e tudo isso está tirando um pouco o foco de crescimento do mercado de capitais. Mas, acredito que passadas as eleições, acalmado o mercado, nós vamos ter que gerar emprego, vamos ter que fazer o país crescer e o mercado de capitais vai ser fundamental para isso.
II – O que precisa ser feito para os investidores voltarem ao mercado de capitais?
LLC – Precisava mudar a qualidade do produto ofertado, ter uma ação de melhor qualidade, e isso foi feito na reforma da lei das SA. Então, primeiro diminuiu a alavancagem do controlador, reduziu o número de preferenciais sem voto, deu mais direito aos investidores e, em paralelo, a Bolsa de São Paulo está fazendo um trabalho de desenvolver um novo mercado que cria, além da regulamentação oficial, regras mais rígidas de governança, transparência, etc.
II – O número de empresas que foram para o novo mercado ainda é muito pequeno…
LLC – Mas isso é um processo, não é num estalar de dedos que as coisas acontecem. O trabalho que a Bolsa de São Paulo está fazendo, de popularização do mercado, de ir às fábricas, ter contato com os sindicatos, é importantíssimo e isso vai ter todo o apoio da CVM.
II – Porque as empresas brasileiras resistem a ir ao mercado?
LLC – Eu acho que aí tem dois fatores: você tem o empresário que foi criado naquele modelo antigo, que talvez tenha um período maior de tempo para se adaptar a essa nova situação, mas tem também empresas novas, médias, que estão surgindo, crescendo e vão precisar continuar a crescer nesse modelo novo, de grande competição, de globalização. E se elas quiserem crescer e disputar o mercado com gente até lá de fora elas vão ter que fazer investimentos e vão precisar de recursos do mercado de capitais. E não é só de ações, é também de debêntures, de fundos imobiliários, de fundos de recebíveis.
II – No ano passado foi feito um único lançamento primário, o da Globopar, e mesmo assim coordenado por instituições externas e com pouca distribuição. Isso não dá pessimismo?
LLC – Hoje quase não tem lançamento porque não tem mercado. Eu acho que tem que se fazer um trabalho, que é complicado, é difícil, mas que é possível de ser feito, na ponta dos investidores. Tem que se estimular os investidores, inclusive investidores individuais, a virem para o mercado. Os exemplos recentes de Petrobras e Vale são bastante positivos, de gente que tendo a chance vem para o mercado.
II – Qual sua opinião sobre o uso do FGTS para popularizar o mercado de ações?
LLC – Eu tenho um projeto de alargar o uso do Fundo de Garantia para a compra de ações. Hoje, o FGTS é usado apenas na privatização, o trabalhador pode destinar um pedaço do estoque do seu fundo para comprar ações. Eu quero ver se a gente consegue criar a possibilidade de usar uma parte do fluxo para ir ao mercado de ações. O trabalhador poderia destinar um pedaço de fundo mensal para ações.
II – Qual o papel do investidor institucional no mercado de capitais?
LLC – Veja, eu acho que o investidor institucional é fundamental para o mercado, em qualquer lugar do mundo. Se você não tem investidor institucional você não tem mercado. Até pelo volume de recursos que ele tem nas mãos, e pela condição técnica que tem, ele dá um funcionamento mais profissional para o mercado, ele dá estabilidade ao mercado, ele é um investidor de longo prazo. Mas se você não popularizar o mercado, se tiver um mercado concentrado na mão de poucos investidores institucionais, eu acho que ele não cresce.
II – Como fazer o mercado crescer?
LLC – É preciso estimular os investidores a virem para o mercado, assim como os empresários e os intermediários. O intermediário estava numa posição muito fechada, tem que começar a se montar sistemas que permitam o alargamento da distribuição, que permitam uma maior dispersão acionária.
II – Nos últimos anos muitos intermediários fecharam seus negócios, várias corretoras, nacionais e estrangeiras, fecharam as portas.
LLC – É verdade. Também porque várias empresas de grande porte deixaram o mercado brasileiro nos últimos anos, passaram a colocar seus papéis no mercado internacional. Mas é preciso ter outros mercados, mercado de acesso, mercado regional, nos quais as empresas médias que não têm porte para ir lá fora vão ter que usar os intermediários locais para poder atingir o mercado local e, quando crescerem, aí sim elas vão lá prá fora e outras surgem no lugar dela. A CVM está muito ligada nisso, estamos mexendo na regulamentação de registro de ofertas, simplificando processos de registro, simplificando mecanismos operacionais e, só para dar um exemplo, nós vamos criar o registro de prateleira.
II – O que é isso?
LLC – A empresa vai vir para a CVM, vai ter um registro e vai ficar na prateleira esperando uma oportunidade de mercado em que ela possa colocar as ações ou as debêntures. Ela fica com tudo preparado e na hora em que abrir essa janela de mercado ela complementa as informações e está autorizada, por um período de tempo, a ir ao mercado. Isso, claro, dependendo do porte da empresa, da destinação dos investidores.
II – Mas o custo da CVM não inviabiliza isso?
LLC – Tudo é uma questão de custo/benefício. Hoje tem um custo pesado para não ter benefício nenhum! Se você alargar o mercado e conseguir ter um financiamento a preços mais convidativos, o custo passa a compensar.
II – Só o custo da publicação dos balanços legais no Diário Oficial, por exemplo, afasta um monte de empresas.
LLC – Essa é uma briga que eu comprei no dia em que tomei posse. Acho que é um absurdo você exigir, na lei, a publicação do balanço no Diário Oficial. É um custo brutal para as companhias, porque em cada estado você tem um órgão que tem o monopólio e o acionista não lê o Diário Oficial. Então, se eu quiser publicar o balanço num jornal eu escolho, tem 10 jornais e eles vão competir entre eles para me dar melhores condições de preço e prazo para pagar. Acho que seria muito mais ágil, muito mais útil e muito mais barato você ter isso na Internet, no site da companhia, no site da bolsa, no site da CVM.
II – O fim da CPMF para as bolsas pode trazer de volta o investidor externo?
LLC – O momento é muito atípico, por causa desse problema que teve nos EUA, do 11 de setembro, da guerra, o problema contábil das empresas, tudo aquilo criou um clima de aversão a risco maior por parte do investidor, não em relação ao Brasil mas em relação ao mundo todo. Mas eu acho que, normalizando essa questão externa, a extinção da CPMF nas operações de bolsa vai ajudar a trazer o investidor externo de volta.
II – Como deve ficar a regulamentação dos fundos de investimento?
LLC – Nossa idéia é que possamos, no médio prazo, estabelecer uma regulamentação que trate de fundos de uma maneira geral. Tem que ter regras sobre fundos, sem dizer que é renda fixa ou renda variável e estabelecer capítulos para tipos específicos de fundos, fundos de recebíveis, fundos imobiliários, fundos de mezzanino, fundos de ações. Quer dizer, as regras para cada fundo específico estarão sob um mesmo guarda-chuva, e isso vai estar com a CVM.
II – Para quando seria isso?
LLC – A idéia é trabalhar nesse negócio no ano que vem. Teria uma regra geral, que vai dizer como é a instituição do fundo, como é que administra, tem que ter o regulamento, tem que ter isso, tem que ter aquilo e aquilo outro etc. e depois um capítulo tratando dos fundos imobiliários, dos fundos de recebíveis, dos fundos de participações etc.