Edição 82
Alfried Plöger, Abrasca
O presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Alfried Plöger, é um dos mais ardorosos defensores das prerrogativas dos acionistas majoritários dentro das companhias de capital aberto. Para ele, que considera algumas iniciativas do projeto de revisão da lei das S.A do deputado Antonio Kandir como heresias, só menos graves que aquelas contidas no sepultado projeto do deputado Emerson Kapaz, os minoritários estão se excedendo nas suas exigências. Os fundos, tanto os mútuos quanto os de pensão, ele considera como potenciais espiões dentro do Conselho de Administração das empresas. Veja, abaixo, os principais trechos da entrevista que Plöger (que é também diretor e acionista majoritário da Companhia Melhoramentos) deu à Investidor Institucional:
Investidor Institucional – Qual sua visão da Lei das S.A?
Alfried K. Plöger – Acho que a versão do deputado Kandir melhorou e muito a versão do Emerson Kapaz, mas ainda não está dentro daquilo que consideramos como o mínimo necessário para manter um equilíbrio salutar entre controladores e minoritários.
II – Em que pontos ela melhorou?
AKP – Por exemplo, a nova proporção entre ordinárias e preferenciais, de meio a meio, só prevalecerá para aquelas empresas que abrirão o capital a partir da data da promulgação da lei. Então, não fere direitos adquiridos. Também na questão do dividendo fixo, instituído na versão do Emerson Kapaz e que era fora de qualquer propósito, o Projeto Kandir contempla algumas opções que as empresas podem adotar. Na questão do Conselho Fiscal, onde a maioria seria dos preferencialistas e minoritários, o Kandir coloca uma questão paritária entre os dois.
II – Que problemas restam?
AKP – O projeto do Kandir prevê que uma auditoria externa determine um elemento desempatador para as disputas no Conselho de Administração. Nós requeremos que o controlador tenha a maioria do Conselho de Administração. No mundo todo não existe um caso em que a minoria tenha mais voto do que a maioria. Outro ponto que achamos uma barbaridade é que as penas aplicadas por unanimidade pela CVM tirem o direito de recorrer na esfera administrativa. Para mim, isso é tribunal de inquisição. A CVM tem poder de lhe imputar multas de milhões de reais ou de inabilitar alguém até 20 anos de exercer a profissão, e não pode recorrer? Tem que ter um grau de recurso.
II – Deveria haver essa possibilidade?
AKP – Mas é lógico. Um outro ponto do projeto do Kandir que achamos prejudicial, inclusive ao minoritário, é que no direito de retirada o único valor possível que a empresa pode adotar é o valor econômico. Hoje você tem mais duas vertentes, tem o valor patrimonial da ação e o valor de mercado, e você é obrigado a justificar a sua decisão para a CVM que tem o direito do árbitro, de não aceitar a tua ponderação. Então, levar isso só ao valor econômico pode levar a um verdadeiro absurdo, porque se você tem uma previsão futurística negativa você terá que pagar para sair. Isso é piada! Deveria se manter as 3 alternativas, para que o controlador escolha a que lhe parecer mais realista, tendo que justificar publicamente porque escolheu A e não B.
II – Que outros pontos o Sr. critica no projeto Kandir?
AKP – O de dar assento no Conselho de Administração ao preferencialista. Por que isso é problemático? Porque o preferencialista, em essência, não é a viúva de Taubaté, mas sim são os fundos mútuos, os fundos de ações, os fundos de previdência e, efetivamente, aí você tem um conflito de interesses entre eles e a empresa, que por definição legal o conselheiro de administração tem por obrigação defender em primeiro lugar. Ora, eu te pergunto, se ele é colocado por um fundo, por exemplo, cujo único objetivo é maximizar o valor do fundo de ações, você acha que ele não vai levar informações privilegiadas para o seu fundo? É evidente que vai.
II – Que tipo de informações?
AKP – O Conselho de Administração é o órgão mais importante de uma empresa, é ele quem formula as estratégias, é ele quem demite e admite diretores. Agora, para você formar uma estratégia o que você faz? Tem, no mínimo, que analisar o seu setor, isto é o mínimo. Então, com isto você abre todas as situações do seu setor. Agora, imagina o preferencialista sentado numa reunião dessa, se ele for de um fundo ele vai correr para lá e dizer para vender as ações da empresa A porque vai acontecer isso, e comprar ações da empresa B porque vai acontecer aquilo. Então, imagina só você discutir sobre uma joint-venture, por exemplo, que só vai se concretizar daqui a um ano…
II – Mas as empresas não contratam gente de fora para fazer parte do Conselho de Administração?
AKP – Mas essas pessoas não são acionistas, então elas não tem interesse próprio na negociação das ações, é uma coisa diferente. Agora, no momento em que eu tenho um fundo de pensão sentado no meu Conselho de Administração, cujo interesse único é maximizar o retorno dele, não é à empresa mas ao fundo que ele mantém fidelidade. Imaginar que esse acionista não leve essas informações para a sua base, isso é ser muito ingênuo.
II – Só que isso é “insider information”, é crime.
AKP – Durante 4 anos eu fui do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro e nunca vi um processo de “insider trade” subir, não sobe mesmo. Como você vai pegar isso, como é que vai dizer que foi o fulano que deu a informação?
II – As pessoas que os fundos de pensão indicam para fazer parte dos Conselhos de Administração são, normalmente, externas ao seu corpo gestor. Porque elas passariam as informações?
AKP – Essa pessoa deve fidelidade a quem? É lógico, ao fundo que o nomeou. O fundo, assim como nomeia, também desnomeia.
II – Como funcionaria? Ele daria informações privilegiadas ao fundo de pensão?
AKP – Sim, e o fundo especula com as ações. Ele pode comprar mais posições porque tem informações privilegiadas que outros não têm. Ele pode vender do concorrente porque a informação que ele ouviu é que esse concorrente vai de mal a pior, uma informação que outros eventualmente não têm mas eu, como inside trader, tenho porque conheço o meu setor. Então, ele pode especular com ações, comprando ou vendendo ou até permanecendo, porque isso também é uma especulação, ficar com a ação porque sabe que lá na frente tem coisa boa.
II – Como o fundo de pensão, que tem uma participação expressiva no capital da empresa, pode defender os seus interesses como acionista?
AKP – Na própria assembléia. Não se esqueça que ao adquirir a ação, o preferencialista sabia de que ela não dava direito a voto. Tanto é assim que, quase sempre, as ações preferenciais tem um deságio em relação às ações ordinárias quando são lançadas. Então, ele sabia disso, não tem nenhuma novidade nisso. E digo mais, tem uma série de grandes fundos estrangeiros que não querem nem saber de participar da administração. Por quê? Porque não querem ter a responsabilidade da co-gestão.
II – Mas ele não está arriscando seu capital na empresa, tanto quanto os ordinaristas?
AKP – Eu continuo dizendo que acho uma barbaridade dar direito a um preferencialista que, por definição, não tem direito a voto. E digo mais, quem dá avais, quem entra com o risco na empresa? É o controlador. E digo mais, o preferencialista já tem dividendos privilegiados, agora terá assento no conselho de administração, terá assento no conselho fiscal! Está melhor que o controlador.
II – No Conselho de Administração o Sr. acha que não cabe?
AKP – Não, não cabe, por definição não cabe. A mesma coisa acontece no Conselho Fiscal, acho que a maioria tem que ser do controlador.
II – Eles podem ter participação?
AKP – Sim, podem ter participação.
II – Mas no Conselho de Administração nem participação.
AKP – Não, aí não podem.
II – O Sr. acha boa a divisão que o projeto do Kandir cria entre ordinárias e preferenciais?
AKP – Do jeito que está agora a Abrasca aceita. Não é o melhor dos mundos, mas aceitamos. Doravante, abriu o capital tem que ser no máximo 50% de preferenciais e 50% de ordinárias. Então, aceitamos porque não fere direitos adquiridos. Sei que tudo isso também tem uma parte negocial, não posso exigir o gol olímpico prá tudo. Uma parte a gente aceita, como essa questão dos dividendos. Como ficou é o ideal? Não, não é, mas a gente aceita.
II – O sr. acha que o mercado de capitais volta a crescer?
AKP – Depende de algumas circunstâncias. Uma delas é a altura da taxa de juros, que mesmo caindo para 16% no Brasil contra 6% nos EUA, tem um diferencial de 10% de Libor. Os norte-americanos cobram 2% a 3% a mais para o juro final, enquanto que nós aqui no Brasil dobramos. Na verdade, o nosso juro é 30% a 40% na ponta para a indústria, nem estou falando do comércio ou do individual, contra 8% a 9% internacionalmente. Existe uma lei de mercado segundo a qual, quanto mais alto o juro relacionado à inflação, mais o investidor vai para a renda fixa. Por quê? Você tem um baixíssimo grau de risco e tem uma absoluta certeza de resgate.
II – Quais as outras circunstâncias?
AKP – É a falta de definição quanto às reformas, a falta de uma reforma tributária, de uma reforma previdenciária, que fazem com que o nosso equilíbrio fiscal seja extremamente tênue e extremamente de alto risco.
II – A reforma tributária está sendo encaminhada.
AKP – Não, me desculpe. O que encaminham é uma colcha de retalhos. Isto não é reforma tributária nem aqui nem na China. Isso me envergonha!
II – Não resolve o problema?
AKP – De jeito nenhum! Continua o imposto cumulativo, continua o escandaloso CPMF, querem introduzir um novo imposto sobre combustíveis. Se é prá deixar assim, nem mexa! Chamar isso de reforma tributária é vergonhoso. Querem quebrar o sigilo bancário, não se tem nenhuma garantia, como não tem nunca!
II – Piora em relação ao que há hoje?
AKP – Exatamente. O que o governo fez piorou para o mercado de capitais, porque mostrou claramente a má vontade do governo, ou melhor, a vontade de não fazer absolutamente nada.
II – Isso prejudica as empresas?
AKP – Você simplesmente não desenvolve o mercado primário aqui, esse é o nosso grande drama.
II – E no caso da reforma previdenciária?
AKP – Não aconteceu mais nada, fizeram um trequinho um ano atrás e parou. Esse é o nosso problema, o juro só consegue cair significativamente se nós fizermos essas reformas, a tributária e previdenciária, mas de forma séria.
II – Bastaria isso para o mercado de capitais crescer?
AKP – Tem mais uma questão que é o custo Brasil e, na ponta desse custo Brasil tem a CPMF. Com a CPMF, uma transação no mercado de capitais brasileiro equivale hoje a 6 vezes o seu custo na bolsa de Nova York.
II – As empresas brasileiras poderiam sair do Brasil e ir para outros lugares do mundo, como por exemplo a bolsa de Nova York, para lancar ADRs?
AKP – Sim. Mas não se esqueça que as nossas chamadas grandes empresas são, lá fora, empresas de médio porte e as nossas empresas de médio porte são, lá fora, pequenas empresas. Então, essas não têm condições de lançar ADRs. Porque, prá você lançar ADRs, no mínimo você tem que lançar US$ 20 milhões de dólares, senão o custo não compensa. Então, qual é a nossa empresa que tem condição de absorver US$ 20 milhões?
II – Têm que ficar aqui mesmo?
AKP – Sim, mesmo sem ter onde buscar recursos para investimentos. Você vai no BNDES e o que diz o BNDES? Eu financio infra-estrutura. Isso soa muito bonito. E o que é infra-estrutura para o BNDES? É a privatização, é isso o que financiaram no passado. Eles financiaram a energia, eles financiaram os grandes grupos elétricos, a telefonia e é isso o que está sendo financiado. Então, a empresa média não tem acesso à capital de longo prazo, nem lá fora porque é pequena demais prá isso, nem aqui dentro porque o BNDES só financia privatização.
II – Têm novas empresas buscando abrir capital?
AKP – Não, porque o mercado não está dando recursos. Qual é o benefício de você ser aberto? Nenhum! Você só tem custos. Você tem auditoria externa obrigatória, você tem publicações em dois jornais, você tem um serviço de acionistas e uma contabilidade bastante ampliada e especializada para atender as exigências da CVM, você tem anuidade de bolsa, você tem taxa de fiscalização da DCVM e por aí vai.
II – O Sr. acha que o suposto envolvimento do Eduardo Jorge com corrupção pode afetar a imagem do Brasil e brecar os investimentos?
AKP – Para ser bem sincero, não. Ao contrário, acho que o fato de se investigar, de se levantar uma vez o pano do circo, é altamente positivo. Não se esqueça, outros países também têm os mesmos problemas, a Inglaterra tem problemas, o ministro japonês pediu demissão agora porque recebeu dinheiro não sei onde, e por aí vai. Isso faz parte da democracia. O que não se aceita no mundo é quando tem subornos não esclarecidos.
II – Tem alguns analistas dizendo que as bolsas vão cair por causa disso.
AKP – Não cai, isso não é problema. Essa falsa reforma fiscal tributária é um problema muito mais sério, isso sim é prejudicial. Coisas como essas é que estão matando o mercado de capitais.
II – Por que está diminuindo o número de empresas com capital aberto?
AKP – Pelas coisas que te falei! Prá mim, não adianta eu ser aberto para girar minhas ações no mercado, eu quero mais lançamentos, eu quero aumentar minha empresa, eu quero investir, eu quero evoluir e preciso de dinheiro para ampliar meus negócios.
II – Bem, se os investidores não tiverem novas empresas para investir em pouco tempo estará todo mundo correndo atrás das mesmas empresas.
AKP – É isso mesmo. Mas não acho que as empresas vão abrir capital pensando nisso. O valor das ações está tão baixo, tão baixo, que o controlador pode perder a sua empresa em três tempos, e por nada, se abrir o capital.
II – Qual a sua visão de médio prazo para o mercado de capitais brasileiro?
AKP – Não vai melhorar. Eu acho que nós vamos melhorar nas cotações, mas acho que no volume nós vamos caindo cada vez mais. Do jeito que vai a situação macroeconômica, o custo Brasil, os juros, não têm como o mercado de capitais se sustentar. Eu acho que essa Lei das S.A. é importante, mas o foco é outro! Não adianta ter a mais bela lei das S.A. quando o cenário macroeconômico para as bolsas não favorece, porque se não tem papéis das empresas não tem mercado de ações. Como te disse inicialmente, ou você tem um equilíbrio justo entre controlador e minoritário ou então não adianta.